28.1.09

Mentiras sinceras

Se eu não lembro, não fiz.
Se eu não vi, desconfio.
Se eu não gostei, invento.
Se eu escrevi, lê? Está aqui no Tribuneiros.

23.1.09

Where did you come from

Na primeira vez a casa estava aberta pra quem quisesse entrar e isso ainda não era licença poética, só quase uma bifurcação no meu caminho. Na piscina tinha um João-bobo, no isopor cerveja, na sauna acerto de contas. Lá embaixo tinha uma praia pequenininha e bonita de querer largar o escritório. Era tanta gente que parecia ocupar toda a areia. Como eles vão saber quem eu sou? Não tinha crachá. Para voltar era uma escada enorme e alguém avisou: aqui tem que ter fôlego. Em pouco tempo apareceram instrumentos musicais e as pessoas passaram a brincar na piscina e dançar na mesa. Eu fiquei espantada – o que mais tem que ter aqui?

Tem que ter muita gente de todo lugar, gente nova e gente velha, gente com espírito de sacanear e coração aberto para agregar. Gente que se não tem tampinha bebe na garrafa, se não tem cajon liga o som, se não tem a presença apela pro telefone. Gente que voltou a zoar e gente que nunca parou, gente que pula, que grita, que beija e que briga, gente que sempre toma conta de tudo e gente que não sabe nem de si mesmo, gente tentando, gente lembrando, gente entendendo.

E gente pode ser complicado. Às vezes gente disfarça de ódio bom a alegria arrebatadora no coração, de indiferença a preocupação, de cansaço físico a exaustão do peito. We are the world em revelações comprometedoras, imagem, ação, mímica e dança. Pra essa gente tem que ter alguma chance de dar merda, e às vezes dá. Tem que ter abraço, amasso, compasso, música lenta e show de calouros, Dirty Dancing e Jackson Five, Cindy Lauper e Ronaldo Boscoli. Tem que ser criança pra se lembrar do Chico Bento, saber a letra de Manequim, imitar as Paquitas e pedir colo. Tem que ter energético baiano engarrafado ou no Ipod, gim, batida, cerveja, vinho rosé, vodka ou só Cotton-eyed Joe no som.

Tem que subir na mesa e se esquecer da vida. Tem que ter limão, misto quente e Gran Padano. A família que a gente tem ou a família que a gente faz, uma plantação de melancias, memórias de um sargento de milícias e pôr-do-sol no deck. Um helicóptero pra resgatar essa gente que não fala nada, que fala muito, gente pra quem a gente quer pedir que please don’t go. Gente que enfrenta zoação mas não encara aranha, pra quem a noite pode virar histórica só com um pouco de carvão e bom humor, gente que vem do seu fantástico mundo trazendo gargalhadas de souvenir. Gente que não precisa de crachá.

Tem que ter o brilho do luar em sintonia com o mar, gente que se fala no olhar e caminha no mesmo lugar. Gente com tanto querer que faz até a terra tremer sem pressa nem medo de errar. Tem que ter sol no meu amanhecer.

Eu nunca pensei que aquela bifurcação levasse ao dia em que eu só tivesse que ter vocês.

13.1.09

Aaaaabacaxi

A garotinha estava enfurecida, baldinho na mão, e gritava "Pedro Henrique" na beira do mar como se o amiguinho fosse seu cachorro. Pedro Henrique estava feliz da vida pegando jacaré.
– Não adianta, ele não quer brincar agora, filha. Faz seu castelinho sozinha, ele vai ver que é divertido e vem brincar com você.
Mas ela estava desolada.
- E se mesmo assim ele não quiser?
Crianças, tão dramáticas...
- Aí você arruma outro amiguinho.

No sábado seguinte Manu conheceu a Julia e foram felizes por muitas praias. Agora a mãe pensa em comprar uma prancha de surf pra menina.
Adultos, tão condicionados...

11.1.09

Quem sabe

Você não sabe que eu começo a ler o jornal pelos quadrinhos. Eu não sei se você come cebola. Não sei se você toma banho de manhã e você não sabe que eu abaixo o radio quando tem blitz. Que eu tomo mais leite que um bezerro recém-nascido, molho os punhos antes de mergulhar e que gosto da carne assada fria no pão quente. Não sei se o seu ar condicionado congela ou você prefere vento no rosto. Nunca pensei se você deixa a TV ligada enquanto está se arrumando. Você não sabe que é Paul, marguerita e meditação e não John, calabresa e missa. Que as chaves sempre somem na bolsa. Não sei se você deixa bilhetes pra empregada, não sei se você sempre repara, você nunca percebeu que eu tento não me importar. Você não sabe que eu canto I’ll let you stay with me if you surrender. Não sei se o molho é à parte, se pode ter rúcula na salada, se o bife é ao ponto. Nunca perguntei onde você estava quando o Senna morreu, você nunca reparou que eu não tomo chopp e que estaciono bem. Eu sei que você me tira do rumo, você sabe que eu respiro fundo.