30.3.09

Por uma vida menos ordinária

Ele insistia em dizer que o mundo estava pior. Ela respondia com peste, fome, guerra, e o quê disso foi extinto, ele apontava. Não pode ser. A liberdade! Tem mais verdade hoje. Para ela a diminuição da repressão era muito importante, tudo agüentaria desde que pudesse falar (talvez por ter passado tantos anos muda). Avanços no Leblon não configuram um mundo melhor, meu amor. E para não afligi-la mais ele a abraçava e inventava outro assunto, até que num dia qualquer ela trouxesse uma nova razão para sua defesa. O amor acabou, os universos particulares melhoraram e pioraram diversas vezes até sem nenhuma interferência de um na vida do outro, só ela seguiu buscando provas para mostrar a ninguém.Um dia a Coca Cola achou que os tempos estavam difíceis, aí juntou o homem mais velho de todos com o bebê mais novinho. A Coca Cola só queria vender refrigerante, mas ela achou aquilo muito bonito. Alegrias pessoais não configuram bem estar generalizado, mas gente feliz melhora o mundo.
Essa também é uma história real.

"Hola Aitana, me llamó Josep Mascaró y tengo ciento dos años. Soy un suertudo. Suerte por haber nacido, como tú. Por poder abrazar a mi mujer, por haber conocido a mis amigos, por haberme despedido de ellos, por seguir aquí.
Te preguntarás cúal es la razón de venir a conocerte hoy. Es que muchos te dirán que a quién se le ocurre llegar en los tiempos que corren. Que hay crisis, que no se puede. Esto te hará fuerte. Yo viví momentos peores que este, pero al final de lo único que te vas a acordar es de las cosas buenas.
No te entretengas en tonterías que las hay y vete a buscar lo que te haga feliz, que el tiempo corre muy deprisa. He vivido ciento dos años y te aseguro que lo único que no te va a gustar de la vida es que te va a parecer demasiado... corta.
Estás aquí para ser feliz."

22.3.09

Vem kafka comigo (mais uma da série Lar, salgado lar)

Eu até queria ser veterinária quando crescesse. Lido bem com animais em suas diversas formas, mais ou menos humanizados, vacas, burros, cachorros e galinhas, mas invertebrados não são animais. Invertebrados fazem parte da cadeia alimentar, mas com tanto desenvolvimento estranho que ninguém tenha pensado em substituí-los por pílulas ou readequar o ecossistema de forma que nós, habitantes de selvas de pedra, não precisássemos conviver com eles, coisinhas do mato.

Pombos não são invertebrados, mas também não são necessários por aqui. Cada vez mais, inclusive, perdem a noção do perigo: atravessam a rua como se fossem pedestres, vão à praia como se cantassem “separa um lugar nessa areia, nós vamos chacoalhar essa aldeia”, dão vôos rasantes como se fossem terroristas. Como não existe filhote de pombo suponho que o ajuntamento de ratos de asas que escolheu a minha janela para viver caracterize uma quadrilha, já que família eles não podem ser. Todos os dias, bem cedinho, os desgracentos começavam a fazer barulhos que pareciam um tórrido ato de acasalamento ou que estavam todos engasgados. Veneno, saco plástico esvoaçante, praga, tudo em vão. Há quem coloque grade na casa para afugentar ladrões, eu fui obrigada a me cercar contra pombos.

Afugentados os piolhentos, passei a desfrutar da delícia do meu lar até elas chegarem. Vivia com uma vassoura atrás da porta e não era simpatia para afastar visitas chatas, mas uma arma. Entrava em casa era vassoura em uma mão, Baigon na outra. Foram seis baratas em quatro meses e não era o calor, a chuva que sempre fechou o verão sem inundar a cidade de artrópodes, sujeira, era uma invasão, tal qual os pombos elas ficaram abusadas, debochadas até. Uma apareceu morta às sete da manhã, barriga pra cima, patas pro ar. Alguém invadiu a casa na calada da noite e exterminou uma barata? Um ataque cardíaco fulminante a levou antes que a nojenta alcançasse meus aposentos? O que fazia uma barata defunta na porta do meu sagrado quarto? Quando aproximei o saco-rabecão para recolher o corpo eis que a cascuda deu um 180, voltou do mundo dos mortos e correu para o meu edredom! É muita audácia. Ou alguém acha que havia uma barata dormindo tal qual um cachorro na porta do meu quarto? Queria ser minha barata de estimação, pedia festinha na barriga? Não, queria zombar de mim. Guerra oficialmente declarada, 2696969 chegou como Ghostbusters, if there’s something strange in the neighboorhood tinha, é passado, elas podem resistir à radiação, mas não resistiriam à minha fúria.

Precisei me preparar para tudo, quem seriam os próximos sem terra invasores de propriedades? Morcegos? Ratos? Lagartixas dissimuladas usando a desculpa de que trazem dinheiro? Não caio nessa. Na minha casa só entra quem eu convido e todos devem ter um número mínimo de ossos e nenhuma pena. Até que um dia um objeto voador verde chegou e eu amarelei. Era uma esperança. Não poderia matar a esperança no meio da sala! Viveríamos ali, ela e eu, até que a bendita decidisse bater asas e voar janela afora, o que poderia ser muito dramático, mas eu estava preparada para não encarar o fato simbolicamente. Acontece que a idiota ficou louca, começou a se jogar contra as paredes, foi de encontro ao ventilador, na casa de mais quem poderia existir uma esperança suicida? (mais uma, meu Deus, é essa a razão da felicidade do meu terapeuta milionário.) Ela se estatelou no chão. Eu preferia mil tsunamis a recolher restos mortais de esperança, só porque uma moça riu no supermercado ao me ouvir pedir duzentos gramas de Solidão mudei a marca do queijo minas, não quero dar sinais ao mundo, vai que ele também interpreta que agora desejo carregar sentimento em sacos plásticos!

Desesperada, me aproximei do cadáver e a verdade apareceu: era um grilo! Acabei com um grilo que havia na minha vida! Depois descobri que o inseto era um louva deus, mas quem se importa? Pra mim era um grilo e simbolicamente cancelei a terapia da semana.

18.3.09

Na primeira vez a gente sempre esquece

Ele não vai ser sempre perfeito daquele jeito, nem vai te achar tão encantadora. Não vai para sempre perguntar como diabos você não tem um marido que te trata como uma rainha nem você vai pensar se é mesmo possível tudo aquilo estar disponível nos dias de hoje. Não passa pela sua cabeça que não vai durar muito ele estar impressionado porque a menina mais linda do planeta está sem nenhum macho cercando. Que precisa acordar cedo no dia seguinte. Que já deveria estar em casa há horas.

Esquece de filtrar todo aquele charme e racionalizar se existe algum futuro. Nem por um segundo cogita a possibilidade de por trás de tanto empenho existir um psicopata dependente e ciumento, que ele pode ser um grande mentiroso e destruir seu coração em poucos dias, que da última vez jurou nunca mais ser boba assim, que há pouco tempo estava acabando com o estoque de lenços secando o vale de lágrimas derramado por quem começou exatamente do mesmo jeito. Esquece que juraram que você ia adorar o amigo dele que ninguém lembra mais onde foi parar, que ele vai te roubar o prazer da solidão, que vai passar essa vontade ingênua de ficar e não pensar em nada.

Esquece completamente que precisa disfarçar a taquicardia, falar menos e parar de esbarrar nele. Que daqui a pouco ele não vai mais precisar inventar motivo para tocar em você. Nem nota que milhares de vezes ele vai pensar em te beijar e desistir com medo de ser precipitado, que existem pessoas ao redor reparando no seu sorriso bobo e que você não pára de mexer no cabelo. Esquece que os olhos dele nem sempre vão estar te seguindo, que a música está alta mas ninguém ao redor está falando assim tão perto do ouvido alheio, que nem sempre ele vai pagar mais uma bebida torcendo para aquilo dar um porre de coragem.

Esquece de guardar um pouco dessa versão adorável de si mesma para depois, esquece que ele não vai falar de você pros amigos com reticências e uma gargalhada sem graça todas as vezes, não vai se culpar por ter perdido tanto tempo com as outras tendo você tão perto. Que aquela aranhinha na parede vai considerar usá-los como suporte pra a teia se vocês demorarem mais algumas horas conversando ali. Que as suas amigas estão dormindo no carro esperando você chegar flutuando, que se você ficar mais feliz vai começar a pular e isso vai ser estranho.

Esquece que isso não acontece todo dia, nem por toda a vida.
Na próxima vez, tenta lembrar. E não se esquece de guardar para sempre.


Publicado em Seu Martin 1

10.3.09

Mais que uma Brastemp

Largue o Jornal do Vaticano e corra! Queima de estoque aqui no Tribuneiros, toda as máquinas de lavar em promoção! Porque na minha pós-anos-60 vida de mulher independente a pílula foi responsável por besteiras muito mais catastróficas do que a Brastemp. (o que é um vestido manchado comparado ao desgraçado que disse que eu era especial?)