24.2.10

Juliet, naked

Quando a segunda-feira começou, ela não. Dormiu mais meia-hora no dia em que o ano começava porque ela já tinha começado, mesmo que da forma mais atrapalhada possível. Foi a possível, e odiaria começar qualquer coisa em uma segunda-feira, seria banal.
Enquanto todos se moviam para seus trabalhos ela comprou um suco de laranja e caminhou na direção contrária para olhar as revistas da livraria que tinham sido substituídas por livros enormes e desinteressantes que obviamente estavam ali só para disfarçar o vazio. “Que merda!”. Então foi para a praia. Não pensou “que merda” com raiva, até chegou a olhar para o livreiro a fim de dizer que estava ruim, mas desistiu. “Ele deve saber”.
O cara mais interessante da areia tirou os óculos Ray Ban e deu um mergulho enquanto ela se deliciava com o espaço, o calor e o barulho das ondas. Na volta ele pegou uma toalha na sacola ecologicamente correta de supermercado e se deitou de bruços. Ela achou ruim, mas não lamentou. "Ele deve ser gringo".
A amiga voltou da tomografia de seios da face e tirou a roupa depois de tirar da bolsa o mesmo livro que ela estava lendo, e nenhuma das duas queria ver o filme apesar de adorarem cinema. Ficaram uma meia-hora considerando a vida sexual dos outros para concluir que todos mentem, decidiram que a tecnologia era culpada pelo aumento da ansiedade, se espantaram que em 2010 uma mulher não pudesse só querer sexo e desconfiaram da certeza dos que prometem ficar juntos até que a morte os separe. Cogitaram maconha como tranquilizante, mas acabaram se conformando em ver obras de arte. Acordaram que poderiam fazer a comida para o amado exausto, se conseguissem um amado e isso não as deixasse exaustas.
Enquanto o sol se escondia atrás da montanha escurecendo o Leblon, os créditos subiam ao som de Silly Love Songs. Roteiro, direção, figurino, trilha, tudo era assinado por elas, mesmo que às vezes errassem no casting. Eram boas personagens, só não gostavam de tanta reality no show.

18.2.10

Da jardineira

Era o calor que subia do asfalto ou havia uma névoa na avenida. O trombone pesava no velhinho, parceiro de tantos Carnavais. Na banda tocava-se cada um a seu tempo, e aquilo era tudo o que não podia me faltar na vida. As marchinhas estavam no acorde errado, ou era eu.

Os três dias de folia e brincadeira, eu pra cá e você pra lá, era só até quarta-feira. Aquela máscara negra que esconde do rosto a saudade nem saiu do armário, arlequim mal sabia por que chorava. No balancê tantos passavam sem despedaçar um coração, só restavam os mais de mil palhaços, cada qual segurando uma camélia, a sorrir no salão. Se fossem sinceros pulavam? Valsavam.

As cinzas vieram antes. Não posso mais.

Naquela esquina em frente à livraria não se cantou As Pastorinhas. Nem vi a livraria, confete ou serpentina, não ouvi o Abre alas. Eu devia ter puxado que “esse ano, meu bem, está combinado”, mas precisaríamos ter nos falado antes pra você perceber o recado. Então quando notei inventei uma coreografia solo não para revolucionar a festa, mas por não ter par. E a turma toda grita, que no barulho não se ouve nada mesmo - colombina, onde vai você? E ao me ver já estava dando a volta na praça, tamborim de um lado, o surdo a bater, cantando o refrão até o amanhecer: “gentileza é assim, eu cuido de você e você cuida de mim.”

Foi um último gole. Foi bom te ver outra vez, só não posso beijar-te agora. Não me leve a mal. Quero cantar até decorar que esse mundo é todo meu para de novo poder pular o Carnaval.

Lala-iá lala-iá, lala-iá lala-iá, lala-lalala-laiá. Hey!

4.2.10

Quem te viu, quem te vê

"Oi Bruna,
Como se dizia naquele programa humorístico: “Olha o coração do velho!”
Fico muito lisonjeado e emocionado por ter dado uma pequena contribuição ao seu belo texto. É lindo ver que palavras que escrevi sem muito cuidado se transformam em ótimas colocações para sugerir uma conduta de vida. Parabéns. Tenho certeza que você se saiu muito bem na palestra.
Quanto à autorização, os direitos autorais daquele texto são seus. Eu o escrevi para você.
Um beijo,
F."

E eu publiquei aqui, para arrumar as coisas e termos todos um bom Carnaval.