18.4.11


    Status: aguardando recall.

17.4.11

Do ritual de passagem

Girino, eu fui à missa. Sábado de manhã, manhã de verão, verão carioca, eu e meu leque. Começou o padre (que não era padre, mas frei) explicando que inverteria um pouco a ordem do ato pra não acordarmos você, e decretou que poderíamos fazer o que quiséssemos naquela meia hora: crianças ficassem à vontade para andar, adultos para fotografar, eu para mentalmente criticar as teorias de dominação católica, ninguém precisava se ater à coreografia de senta-levanta-repete-as-palavras conforme esperado. Bacana aquele padre. Frei. Ele calçava uma espécie de Birken e contou que era do convento de Santo Antônio.

Eu sempre conheci Antônio como sendo o santo casamenteiro, as meninas aprendem desde cedo mandingas para o apóstolo, deixam o pobre de castigo até conquistarem a pessoa amada, o célebre é solicitado! Até essa sua tia, cínica que só, instruiu seu avô a interceder por ela junto ao santo em nossa visita à Basílica de Pádua - já estávamos lá, mal não faria, não é? O que nos levou mesmo àquela igreja – que pra arrumar um par confio mais nas ações terrenas do que na boa santa vontade – foi saber que Antonio tinha sido discípulo de São Francisco, a quem tenho muita consideração e prefiro chamar de Francesco pra coisa ficar menos sacra e mais verossímil. Para Francesco todos eram iguais: cor, credo, raça, sexo, espécie, novo ou velho, certo ou errado, é o que entendo dizer o mandamento de “amar ao próximo como a si mesmo”. E lá estava eu no seu batizado, óculos escuros e olho no relógio, quando o frei de Birken inverteu a frase e me desafiou: como tenho amado a mim mesma para poder repetir o feito por aí? Glup... Veja bem, se somos todos iguais talvez eu venha pegando um pouco pesado comigo mesma.

Como se não bastasse ter jogado aquela bomba no meu colo, o religioso abriu parênteses para explicar sobre o sacramento que nos reunia ali. Contou ele, muito paciente com meu ateísmo, que nosso ato marcava o momento em que declararíamos a você nosso amor, prometeríamos protegê-lo, apresentaríamos a você esse mundo em que vivemos – e nos desculpe se não é lá muito fácil. O tal pecado original pra quem torci o nariz à primeira menção é tão somente a doutrina cristã que pretende explicar a origem da imperfeição humana, do sofrimento e da existência do mal. Veja você, Girininho, sobre o que já estamos tão solenemente lhe falando: as coisas podem ser ruins às vezes, nem todas as criaturas com quem você esbarrar terão esse seu sorriso franco, seus olhos azuis vão se encher de lágrimas por diversos motivos. Eu não sei por quê. Como não tem jeito de mudar, tente nunca duvidar, conte conosco, se apegue a qualquer coisa para seguir: vai passar. Há quem conte com Deus, outros contam mesmo é com alguns humanos, sozinho - garanto - costuma ser besteira.

Com meu Ray Ban escondendo olhos inundados e a cabeça se esforçando para segurar aquele coração disparado ainda ouvi o frei lhe dizer para não se preocupar com as suas falhas. “Deus não está nem aí pra elas!”. Num sobressalto ainda pensei em espiar se aquele salvo-conduto se aplicava também a mim, mas preferi sair de fininho e acreditar que sim. Bom mesmo, pequeno, é ser ovelha no meio do rebanho. Muito mais confortável.

Confessions on a dance floor



And I never wanted anything from you
Except everything you had and what was left after that too

9.4.11

Exercicio 2: a TV series

Chloe, Emma/Nat e X estão desempacotando objetos na sala que dá para a varanda da nova casa. O ambiente é de madeira escura, tem tecidos coloridos e uma pequena vista. Emma/Nat usa um lenço colorido na cabeça para prender os cabelos como arco. (Emma/Nat não se chamará Emma/Nat, é que não dá pra um casal ser Chloe e Zoey.)


- Do you like it here?

- It’s ok.

- Too much hanging on the same wall?

- Yeah, maybe.

- Will you ever talk to me again?

- I’m talking now.

Emma/Nat sai. Chloe aconselha X:

- Never marry a woman.

X (not in an angry way):

- You didn’t. ..

- That’s what it’s all about?

X smiles.

- Look at this place! There’s a balcony! Green plants facing a kitchen!

X ri e entrega um vaso da mini-horta e outro com azaleias.

- There are pink flowers also.

- She didn’t want to marry me.

- Because your reasons to get married were a little… non-romantic?

- What’s wrong about prevention? About avoiding problems? I was trying to keep forever what we have now: respect, balance, I don’t wanna see myself in the future fighting against the woman I love for that couch or those books! Now they are ours, memories filling a couch, sacred place, tomorrow they can become weapons. (silencio) Shouldn’t that be called protection? Isnt it romantic: never-ending plans? Taking care of your love?

X continua ajeitando livros na estante de madeira e fala tranquilamente.

- You could be a good lawyer.

- I don’t wanna need lawyers! I want us to be safe, that’s planning the future, not not-being-romantic.

- Very practical.

- See? She used to like that I’m practical, but now, out of the blue, that’s a bad, cruel thing and she doesn’t smile anymore. Who knows about tomorrow?

- That doesn’t work that way, Chlo. And nothing happened out of the blue, it was more out of the dark.

Chloe reage à ironia

X:

- You’re acting much more idealistic than she is. Who do you know that got divorced in a nice friendly way?

- Not here! Not those people around us, occidental junkie crapped people… Come on, our parents got married in the 70’s, they were too high to think properly!

X ri:
- And before that everybody was too attached to rules to separate and before that they were very pre-historic ... (tirando a poeira dos livros com as maos) Did you really read them all? I can see where all this ideas came from. You better stop it!

Chloe rouba os livros de X:
- See that name on it? She wrote it! Thats the same thing: prevention, lets keep things clear from chapter 1! Don’t you think once we created a new living style we should rethink all that surrounds it? I married a woman, shouldn’t we reinvent marriage? New relationship models?

- (provocando) you didn’t married her.

Chloe joga uma almofada em X, que ri alto.

X:

- So thats what it is all about, Che?

Chloe fica parada olhando.

X:

- Look at this place! There’s a balcony! Green plants facing a kitchen!

- There are pink flowers also.

Pausa, as duas em pé.
Chloe:

- I’m just afraid of the future.

- Except we are in the present, and there’s already a balcony and a couch full of memories. And you happy.

1.4.11

keep walking

Não é mentira: voltarei a escrever. Apesar de ter mais medo que a Regina Duarte, após ter acreditado no blábláblá freudiano de que as coisas precisam ser ditas, mesmo tendo exposto mais segredos do que o Wikileaks e sobrevivido a ataques piores do que o de xiitas anti-blogueiros e governos totalitários capitaneados por minha própria mente, voltarei a escrever.


Porque um dia uma me mostrou, pálida, a mensagem no celular enviada no frio da madrugada pelo potencial amor da sua vida daquele mês onde ele pedia desculpa, “sou meio bobo de vez em quando, não todas as vezes”, e fez-se imprescindível um meio público de combinar com o cosmos que nas vezes em que um certo alguém não for meio bobo, que ligue. Que não mande mensagem: ligue. Que se lembre de como fazíamos antigamente, dedos indicadores e não polegares com L.E.R., quando não tínhamos firewall SMSético para nos proteger ou "facilitar" a vida. Quando falávamos, tete-a-tete ou voz-a-voz, e já havia ruídos de comunicação, e antes da Oi complicar um pouco mais as coisas contrariando seu slogan de “Simples assim”. Que junte a esse engodo publicitário o da Nike e “just do it”. Ou cantaremos Cee lo green: fuck you.

Porque um dia o outro chegou ao meu lado, olhou pra tela do meu computador e balançou a cabeça compaixonadamente, se houvesse essa palavra. O fluxograma que eu montava no power point comprovava minha ascensão na empresa. Nos refastelamos nas cadeiras de rodinhas que promoveriam uma corrida sensacional naquele corredor enorme e concluímos que quando se opta pelo caminho da criatividade o segredo é jamais exceder as metas no trabalho: fatalmente a recompensa será o seu orgulho e a administração dos novos criativos, a partir daí denominados de “subordinados”. Tal qual um rei você ficará sentado pensando que o bobo da corte se diverte muito mais, e ninguém entenderá por que quanto mais brilhante nas atuações mais ele te deprime. Cortem-lhe a cabeça – já que cortaram a nossa. E decididos a investir em planos B passamos a pensar na história do garoto loser que desconfia ser o único no planeta sem o dom de ler pensamentos alheios. Penso no roteiro, ele faz rabiscos de ilustrações, a jornada de oito horas acaba.

Porque iremos viajar no verão.
Porque aqui o mundo não será cão.