23.4.12

En prenant soin de moi


Ma cherie Sophie,
Há tantos anos ensaio responder que para não frustrar minhas próprias expectativas deveria só compor um telegrama - “A decisão foi sua, e isso é bom.”
Devorei cada nota publicada a respeito da obra, pesquisei no Google, folheei seus demais livros, elocubrei por horas em noites, quando entrei na exposição tudo mudou. Estava ali, na sua carta ampliada pendurada na parede, por ele assinada, por tantas interpretada, por mim remoída, o óbvio. Você impôs uma condição, ele somente respeitou.
Foi libertador. Acho que gargalhei, sem dúvida sorri, depois parei em frente a cada análise daquelas mulheres e agradeci por podermos exorcizar demônios assim – os reciclamos. Gastemos mesmo, abusemos da paciência deles, saturemos até quem sabe um dia aprendermos que é só mais um, basta esperar passar. A cura para resfriados requer tempo, paixões são males como tal. É mau, hoje prefiro as esteiras das frias academias que não provocam náusea e elevam os batimentos igual, deixo as paixões para os poetas bêbados das calçadas e jovens até vinte e cinco anos. Vivamos o amor e/ou aceitemos que essa obsessão ocidental de felicidade é exagerada.  Nós escolhemos, Sophie. Não vê?
Talvez não tenhamos escolhido sentir tanto, esse jeito de olhar, umas linhas tortas de pensar e o penar, talvez sejam mesmo características herdadas lá detrás, só nos resta o conduzir. Vamos nos “adestrando”, desde pequena incuquei com aquele anjo torto dizendo para Carlos ser gauche na vida – uma sensação de dejá vu, entende? De minha parte vivo na corda bamba tentando endurecer sem perder la ternura, e há um pouco dela na raiva do abandono, não há, Sophie? No “como ele pode”? Torço para um dia aceitar que meus berros e planos nunca farão ninguém voltar. E cada vez que se vão me torturo, despedaço tentando achar o que aqui é incapaz. De repente ali em pé lendo aquela carta onde imaginava encontrar frieza e desprezo esbarrei com dor. Ele não te deixou. Foi você quem não optou por mudar de idéia e ir atrás. Não sei o que queres, Sophie, só me pareceu ser mais do que ele ofereceu. É triste o desperdício de um desencontro, isso não achei ruim.
No folheto roubado da exposição, em meio a tantas anotações que fiz, circulada, reencontrei a visão da mulher acostumada à amargura, loucura, raiva, solidão - “Releia quando a tristeza passar” aconselhou a agente penitenciária.  Também rabiscada achei a interpretação da criança - “li que ele a ama” - apesar das palavras que ela confessou não entender, o argumento da diplomata de que escrever torna a decisão unilateral, minha diversão pela designer na foto estar segurando a carta em frente a uma placa que apontava “toutes directions” e um rascunho de pensamento: “o amor é incondicional, estar junto é decisão que não”.
Nesses tantos anos que ensaio essas palavras só para dividir a opinião esgotei todos os meus amores, cada um deles, e com cada um finalmente rompi para sempre. Não carregarei mágoas no peito, é um jeito de cuidar de mim. Saí do pavilhão com essa frase na cabeça, “Prenez soins de vous”. Cuide de você, Sophie. Ninguém melhor o fará.