Ma cherie Sophie,
Há tantos anos ensaio responder
que para não frustrar minhas próprias expectativas deveria só compor um
telegrama - “A decisão foi sua, e isso é bom.”
Devorei cada nota publicada a
respeito da obra, pesquisei no Google, folheei seus demais livros, elocubrei
por horas em noites, quando entrei na exposição tudo mudou. Estava ali, na sua
carta ampliada pendurada na parede, por ele assinada, por tantas interpretada,
por mim remoída, o óbvio. Você impôs uma condição, ele somente respeitou.
Foi libertador. Acho que
gargalhei, sem dúvida sorri, depois parei em frente a cada análise daquelas
mulheres e agradeci por podermos exorcizar demônios assim – os reciclamos. Gastemos
mesmo, abusemos da paciência deles, saturemos até quem sabe um dia aprendermos
que é só mais um, basta esperar passar. A cura para resfriados requer tempo,
paixões são males como tal. É mau, hoje prefiro as esteiras das frias academias
que não provocam náusea e elevam os batimentos igual, deixo as paixões para os
poetas bêbados das calçadas e jovens até vinte e cinco anos. Vivamos o amor e/ou
aceitemos que essa obsessão ocidental de felicidade é exagerada. Nós escolhemos, Sophie. Não vê?
Talvez não tenhamos escolhido
sentir tanto, esse jeito de olhar, umas linhas tortas de pensar e o penar,
talvez sejam mesmo características herdadas lá detrás, só nos resta o conduzir.
Vamos nos “adestrando”, desde pequena incuquei com aquele anjo torto dizendo
para Carlos ser gauche na vida – uma sensação de dejá vu, entende? De minha
parte vivo na corda bamba tentando endurecer sem perder la ternura, e há um
pouco dela na raiva do abandono, não há, Sophie? No “como ele pode”? Torço para
um dia aceitar que meus berros e planos nunca farão ninguém voltar. E cada vez
que se vão me torturo, despedaço tentando achar o que aqui é incapaz. De
repente ali em pé lendo aquela carta onde imaginava encontrar frieza e desprezo
esbarrei com dor. Ele não te deixou. Foi você quem não optou por mudar de idéia
e ir atrás. Não sei o que queres, Sophie, só me pareceu ser mais do que ele
ofereceu. É triste o desperdício de um desencontro, isso não achei ruim.
No folheto roubado da exposição,
em meio a tantas anotações que fiz, circulada, reencontrei a visão da mulher
acostumada à amargura, loucura, raiva, solidão - “Releia quando a tristeza
passar” aconselhou a agente penitenciária. Também rabiscada achei a interpretação da
criança - “li que ele a ama” - apesar das palavras que ela confessou não
entender, o argumento da diplomata de que escrever torna a decisão unilateral,
minha diversão pela designer na foto estar segurando a carta em frente a uma
placa que apontava “toutes directions” e um rascunho de pensamento: “o amor é
incondicional, estar junto é decisão que não”.
Nesses tantos anos que ensaio
essas palavras só para dividir a opinião esgotei todos os meus amores, cada um
deles, e com cada um finalmente rompi para sempre. Não carregarei mágoas no
peito, é um jeito de cuidar de mim. Saí do pavilhão com essa frase na cabeça, “Prenez
soins de vous”. Cuide de você, Sophie. Ninguém melhor o fará.