9.12.22

Acreditar (eu não)

Pôôôô, Noel, eu acreditei! Nem digo “me convenci”, ouvi sim umas análises de entendidos confiantes, mas a verdade é que me deixei levar pela contagiante torcida coletiva que na abertura do Mundial se resumia a álbum de figurinhas e em noventa minutos daquele cronômetro confuso virou um país pintando rua e gritando na janela, essa esperança brasileira ufanista que brota a cada quatro anos como uma compensação por tudo ao redor. A gente joga bonito, faz dancinha sim, irlandês invejoso, vai se afogar num pint. Acreditei.

Penalti, Noel! Pe-na-li-da-de-máxima. Ouvi quase quinhentos minutos de Galvão, lacrimejei com jingle do Itaú. Quebrei a cara. E nem tenho para me proteger aquela estranha máscara que deixa os jogadores parecendo o Cat Noir. Achei que ganharíamos essa Copa.

“O Brasil tem elenco para montar três times nessa seleção”, ouvi. Era tanto elenco que escalaram um figurante para decisão por pênalti, alguém me mostra o teste desse Marquinhos? Até aquele chute na trave eu só o tinha visto dando um mata leão em um croata ao lado do juiz, mas admito: desconheço tanto os jogadores que ao ver um close em Alex Sandro sondei se alguém controlava quem entrava em campo. “Esse homem aí é do nosso time?” Os jogadores ficam correndo de um lado para o outro, duvido que um funcionário da FIFA fique contando quantos tem de cada lado o tempo todo. Se eu fosse técnica, infiltraria gente.

Levaram 26 esse ano, ou seja, mais os antigos que estavam no estádio tínhamos uns trinta craques no Qatar. E Neymar não bate pênalti? Imagina se o Ronaldo entrasse correndo, driblando e marcasse? Seria histórico. “Obvio que não pode”. Uai, matar gente em obra de estádio pode? Então pronto. Dava um alento quando a câmera focava no Ronaldo, Roberto Carlos, Rivaldo, Cafu, não dava? Eles ali torcendo, umas caras conhecidas, aquela segurança da nostalgia. Quer dizer, torcer TORCER mesmo eles não torciam muito, pareciam sempre um pouco entediados, mas com o calor que faz no deserto talvez eu só movesse meio lábio para comemorar gol também.

Aqui, sorri escancaradamente, Noel. Pulei, xinguei, acreditei. Imitei pombo. Aquele menino platinado fez duas ou três jogadas sensacionais e pronto, me ganhou. Não aprendi a escrever Richarlison ainda, mas na vida já aprendi  a escrever Whindersson então é só questão de tempo. Seria, em 120 não funcionou. Você acha que o Tite teve uma convulsão na noite anterior e saberemos a verdade daqui a uns anos, Noel? Não vem com empatiazinha não, me dispus a torcer, quero poder opinar. Mas antes disso Richarlisson me ganhou em um voleio. Eu nem sabia o que era voleio, tampouco quem era ele, mas sondei na hora se jogava mais à esquerda, à direita, centrão, como foi esse voto válido? Torcer era mais fácil antigamente, hein, Noel. Torcida aprovada, comprei camisa. Amarela com animal print. Sabe quanto me custou emocionalmente isso? Ainda por cima fico horrível de amarelo, customizei uns negócios para marcar bem a diferença política e torci.

Superei todos os traumas de 7X1 que emergem, fiz vista grossa para comportamentos inaceitáveis, preguei união e anistia ao jogadores, já nem bradava mais contra a censura da FIFA aos protestos e condições deslavadas da escolha do país-sede, ignorei tu-di-nho por essa estranha explosão de um grito de gol, essa catarse libertadora que talvez só o Carnaval traga igual, esse encantamento de saber admirar uma jogada de um atleta de ponta que mistura total domínio de bola e um balé lindíssimo. Aceitei arriscar me decepcionar de novo para viver essa emoção.

Foi tanta empolgação, Noel, que prometi que se ganhássemos as eleições e o hexa eu voltaria a acreditar até em você. Em um mesmo ano me dispus a acreditar de novo no Lula, no Brasil na Copa e em você. Para ter um mínimo de coerência eu teria que voltar a acreditar até no amor, né? Aí acontece o quê? Na trave. Pênaltis. Foi tudo em vão.

Estou escrevendo para você?

Droga.

Traz para mim no Natal essa máscara de Cat Noir.