27.10.20

Diálogos pandêmicos I

 - Eu acho que você devia priorizar os amigos imunes.

E passou a fazer uma lista de pessoas conhecidas que já tiveram Covid com quem eu poderia me encontrar nos fins de semana como fazíamos A.C.

- Esses últimos tiveram a doença logo no começo então não sei como está a imunidade deles, mas os outros devem ter IGG alto, você pode encontrá-los até em casa mesmo.

Falava isso enquanto andávamos pela praça, mais uma onde fico sentada em um banco depois de passar álcool 70 em tudo para encontrar pessoas como há tantos anos faz o Carlos Alberto de Nóbrega – sem a parte do álcool, imagino.

- Eu acho X meio chato.

- Prefere meio chato ou meio contaminado?

 

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- Como eu vou conhecer alguém novo? Quase um ano trancada em casa e de repente resolvo beijar um desconhecido do Tinder? Tanto esforço para não me contaminar em vão, lambo logo uma gôndola e acabou a tensão de doença.

- Você tem postado muito pouco no Instagram, tem que gerar mais conversa. E abrir esse perfil, tem que expandir as possibilidades, aumentar os directs.

- Mas aí começa uma conversa, marca um encontro...

- Ao ar livre primeiro...

- Ao ar livre primeiro e peço um PCR se engrenar?

- Claro. Ou sorologia, mas eu tenho preferido PCR. Conheço um técnico do Bronstein que me dá o resultado em 24 horas.

- Você pegou o técnico do Bronstein?

- Não! Ele é que me falou sobre esses novos protocolos de encontros.

- Odeio aplicativo, essa coisa de flerte por escrito é perigosa, a maioria das pessoas é um pouco analfabeta.

- Mas também um pouco solteira e bastante carente, finge que não viu, que foi o corretor automático. Está mais fácil pegar gente do que negociar compra de carro, vai por mim. Já fez uma lista de ex que você possa recuperar? Faz essa revisão.

- Eu prefiro pegar Covid a pegar ex.

- Não podem ser todos tão graves, elimina os que você pode ter alguma comorbidade. A quem você já é imune?

- Como testa isso? Tem muito falso negativo.

- Olha! Um amigo mandou mensagem aqui, ele é ótimo, vou te encaminhar.

- Meme?

- Não, o amigo. Ele estava vendo uma pessoa, mas é só coordenar.

- Vendo uma pessoa viva eu espero. Quando passamos a falar “estou vendo alguém”?

- Desde que paramos de “sair com alguém”.

- Parece Sexto Sentido.

- Você pode falar “tenho recebido alguém”, mas vai parecer sessão espírita da mesma forma.

- “Recebido” nem pensar! Alguém na minha casa? Só se a pessoa já entrar pelada porque com roupa contaminada não vai. Tira a roupa na porta, cria um clima, chega num strip.

- Isso pode ser legal!

- E como coordena a não-exclusividade, de cara já se conversa sobre quantas pessoas cada um está “vendo”?

- É o jeito, o novo normal está mais honesto. Se cada um pegar duas pessoas dá para manter uma frequência boa porque precisa dos 14 dias de isolamento ou fazer o PCR.

- Quatro pessoas alternadas na pegação? Se começarmos a montar planilha pra transar junta logo esse povo e Noronhe-se, chama até o técnico do Bronstein.

- Será que o técnico do Bronstein é interessante? Nunca consegui ver com aquela roupa de astronauta. Aliás, aquela roupa é um fetiche. E ele deve ser imune.