24.3.08

O sapatinho de cristal da Simone de Beauvoir

No dia internacional da mulher eu não quero queimar nenhum sutiã. Quero gastar minha fortuna na Victoria’s Secret para comprar um lindo, rendado e dedicado ao príncipe do momento sem ter nada de submisso nisso.
Hoje quero pregar a reconquista do direito de ser mocinha, de balançar lencinho no vento, de piscar os olhinhos romanticamente, de querer que abram a porta do carro, que mandem flores, que peguem no colo, que me tratem como boneca de porcelana. Não é porque eu ganho meu próprio dinheiro que não quero que paguem a minha conta como uma cortesia!
Quero poder não ser forte, chorar quando machucam meu coração, não fingir que não me importo de ser desprezada. Quero poder reclamar que não gostei sem ser histérica, quero conversar sorrindo sem dar mole, gargalhar com as amigas sem ser escandalosa.
Quero deixar claro que homem é sistema binário e precisa evoluir para entender o que não é dito explicitamente, que não está ok eles nunca superarem a adolescência e que eu odeio piadas machistas. Quero admitir que na maioria das vezes eu beijo ouvindo a marcha nupcial, que sei os nomes dos meus filhos há anos e que noutro dia vi um tecido lindo pra colcha da minha futura casa. Quero gastar horas escolhendo a cor do esmalte, quero pintar o cabelo e me sentir diva de Hollywood, quero ver A Noviça Rebelde e cantar saltitando “I’m sixteen going on seventeen”... Quero saia rodada, salto alto que não dói o pé e pescoço virando pra me ver passar sem fazer cara de tarado. Quero ser conquistada com galanteios apesar de saber ir atrás, quero ouvir coisas doces no dia seguinte apesar de já estar preparada para ele não ligar, quero deixar saudades apesar de saber partir pro próximo. Quero gritar que igualdade de direitos não é para descaracterizar os sexos. Quero cantar Tribalistas sem parecer mal-amada: já sei namorar, já sei beijar de língua agora só me resta sonhar. Quero poder sonhar mesmo tendo que acordar cedo pra reunião, quero que se ofereçam para trocar o pneu do carro que eu ainda estou pagando sozinha, quero que o gerente do banco me ache linda enquanto discutimos se é melhor um fundo moderado ou agressivo.
E já que hoje estou querendo muito, quero não sofrer com a mania de especular sobre o que nem existe, não enjoar na gravidez, não contar celulite nova no espelho, não viver um sobe e desce hormonal, não me dobrar de cólica e não ter crise de choro durante a TPM. Quero poder ser mais macho do que os espalhados por aí sem nunca abandonar meu carro conversível rosa, minha casa com elevador branco, roupinhas de todos os tipos, peitos enormes e cinturinha de violão by Mattel.
Quero acalmar os homens que estão lendo dizendo que exagerei em algumas coisas, mas queria que não tivesse problema se fosse tudo 100% verdade. Porque queridos, às vezes é.

E às vezes não é dia internacional da mulher, mas hora de reencontrar amigos que te lembram quem você queria ser quando crescesse.

Texto originalmente publicado em Seu Martin 1.

19.3.08

Não me amarra dinheiro não

Descobri que meus dias de independência financeira acabaram. Fui rica durante o período pós-faculdade-pré-casa própria, quando todo o dinheiro arrecadado era revertido para meu próprio bem-estar e eventuais contas que não envolviam o governo ou instituições como Light, CEG e cia. Deveria ter ido à África do Sul, estocado roupas para os próximos 5 invernos ainda que fosse me vestir sempre um pouco vintage (para não dizer fora de moda). Deveria ter encarnado a Demi Moore e jogado meus reais para cima enquanto rolava na cama (ok, isso seria estranho e pouco higiênico).
Hoje se vejo cair uma moeda do bolso de alguém corro para pegá-la, missa não vou mais para fugir da tentação da cestinha sendo passada de mão em mão cheia de dinheiro. Pensei em fazer isso - nas festas de família inclusive faço – mas socialmente a piada perderia a graça na segunda linha. Chego a ficar aliviada quando leio que os bancos americanos estão sendo ajudado pelo Fed. Os caras trabalham com números e dinheiro e se ferraram, logo, eu tenho todo o direito do mundo não ter sido muito genial na minha vida financeira! Inclusive pegaria mal para eles se eu fosse totalmente auto-suficiente nessa área.
Noite dessas, bebendo em um pé sujo tal qual os maltrapilhos e catadores de guimbas de cigarro, confessei minha preocupação orçamentária a uma amiga que saiu da casa dos pais há mais tempo. Ela riu. “Onde você acha que eu jantei hoje?”, perguntou. Tinha ido visitar os pais. Quando quer uma comida mais alto nível visita os avós. Cata umas flores no jardim do prédio e bate na casa dos velhinhos com uma pose de neta fofa. “Mãe, vamos à praia?”, e em frente ao posto de gasolina faz o carro engasgar para a coitada oferecer um tanque cheio antes que precise empurrar o carro. Já chegou a simular um desmaio para que o pai bancasse a ida ao médico – dermatologista, mas ele nunca vai saber.
Fiquei atônita! Batalhamos tanto para viver de aplicar golpes em nossos próprios pais? Que nada - ela explicou, super experiente no assunto - eles sabem de tudo, é uma lição passada silenciosamente de geração para geração. A diferença é que antes, para liberar o dinheiro, os pais murmuravam “esse seu marido é um borra-botas, incapaz de sustentar meus netos”, enquanto hoje colocam a culpa na modernidade - “avisei, pra quê sair de casa com essa pressa?” O sonho dos pais não é que os filhos fiquem sempre por ali? Mãe não tem aquela síndrome de galinha com os pintinhos sob as asas? Nossa falência pós-saída de casa pode ser armação deles! Nos criam com regalias para que passemos dificuldades depois! Pensando bem, nós, filhas falidas, estamos fazendo um bem aos nossos pais. Amanhã vou sugerir que eles viajem na Páscoa e me levem para fazer companhia!

16.3.08

Sobre maquiagens e flashes

Essa semana fez um ano do novo lay-out do blog. Há um ano ele estava insatisfeito e fez como toda mulher: mudou o visual. Eu adorei, e para celebrar mudei tudo de novo. Feliz aniversário! E tin-tin: às mudanças.

A repórter queria saber por que (porque? porquê?). Primeiro tiramos fotos no Jobi – eu, CA e Pim. Eram 19h30 e as pessoas passavam tentando saber quem eram as celebridades sob os holofotes, ficavam tão decepcionadas quando não viam um Gianechinni que combinamos de, na próxima vez, alugar um global. Depois do momento Gisele nos refugiamos da chuva na Guanabara para a entrevista. Como tudo começou? Pra mim com a necessidade de um hobby e um encontro na praia de Geribá duas Páscoas atrás. Segue com a lição de aprender a dar a cara a tapa. O futuro? Não tem futuro, tem esse presente de implicâncias, desabafos, verborragia, confissões e pretensões para que possa existir um futuro. Eu acredito em mudar o mundo, nem que seja o meu mundo. Nunca vou ter um milhão de amigos, mas quero ter um milhão de leitores e bem mais forte poder trocar idéias. Porque tudo deve ser conversado.
A matéria da Heloisa Marra sai em breve na Vogue RG. (Agradecimentos à Ana Andreazza e à santa paciência do fotógrafo Sergio Caddah).

10.3.08

A fé em Antônio

Se as maduras estão a cada dia mais com homens jovens e as novinhas voltaram a acreditar no casamento isso significa que elas não têm conversado ou que a nova geração quer pagar para ver?
Texto Para a Senhora, com título que a Fernanda gostou;-)

1.3.08

O busto

Estava tudo pronto para a festa – a família se reuniria para celebrar a chegada do busto. Uma passagem tinha sido enviada para que a historiadora contratada pudesse vir de Berlim para a ocasião, e a encomenda demorara tanto a chegar que por obra do destino viajaria escoltada pela profissional que relataria em sessão solene a história do clã ao grupo.
Procuraram por meses o local perfeito para o encontro – tentaram comprar de volta a casa de Petrópolis, mas os apelos aos novos proprietários foram em vão. Optaram finalmente por reservar todos os quartos de um hotel e fazer a cerimônia em frente à antiga residência – a rua é pública – e até autorização da prefeitura local conseguiram para ocupar por um dia o espaço. Não só redecoraram o hotel com o tema como também cenografaram o palco da festa. Acharam uma lojinha no Saara especializada em artigos deutsch e qualquer um diria ter voltado no tempo. O chef foi obrigado a fazer um curso de gastronomia alemã para que nenhum salsichão parecesse chucrute. As canecas de cerveja foram personalizadas até mesmo para as crianças, que as encheriam de guaraná para o brinde. Os mais empolgados pintaram o cabelo de louro para dar mais veracidade às fantasias. Duas horas antes da festa o saguão do hotel parecia barracão de escola de samba tantos eram os adereços espalhados por ali.
O patriarca era um aficcionado por soldadinhos e chumbo, e um dia caminhando no frio berlinense deu de cara com uma loja do ramo. Comprou tantos quantos a companhia aérea permitia na bagagem, e os vendedores foram orientados a informá-lo sobre as novidades de cada coleção. Meses depois recebeu um email avisando sobre a chegada de um novo carregamento de soldadinhos, e no meio deles havia alguns bustos de heróis de guerra. Qual não foi a surpresa ao se deparar com seu sobrenome relacionado a um deles! No meio de tantas palavras com nauz e ungen entendeu que aquele ancestral fora um general do exército prussiano durante a primeira grande guerra, e imediatamente comprou a relíquia.
Tempos modernos, o Google em muito ajudou no levantamento da ficha do general e seus correlatos, mas o desconhecimento da língua atrapalhou. Em uma família tão numerosa ninguém fala alemão? É um desrespeito com os antepassados! Como um curso demoraria muito, a historiadora indicada pela embaixada foi contratada para mapear a árvore genealógica in loco e contextualizar o célebre general. Idas e vindas da mulher e de membros da família resultaram em um mapa extraordinário que seria apresentado no apogeu da festa.
Às dezessete em ponto ela chegou com a caixa nas mãos. Todos fizeram a dança coreografada pelo especialista em ritmos prussianos, ergueram suas canecas, apuraram os votos da eleição sobre quem mais se parecia com o general e voltaram os olhos para a historiadora. Ela relataria a pesquisa e o patriarca descortinaria o busto, devidamente colocado sobre um mármore no coreto erguido para a ocasião. A moça contou toda a história dos descendentes de general Wilhelm, destacou seus feitos na guerra, mostrou as pinturas de uma bisneta famosa, exibiu fotos feitas às escondidas de membros da família residentes na Alemanha e por fim revelou o fato: o general nasceu Schumacher, nome equivalente ao Silva brasileiro, e, ambicioso que era, quis, tal qual Fernanda Montenegro e Lima Duarte, entrar para a história com alcunha mais original. Leu nas páginas amarelas locais o sobrenome e adotou-o como pseudônimo, não tendo na verdade nenhuma ligação com a família verdadeira.
Os festejantes emudeceram. O patriarca então deu uma risadinha, cortou a fita que segurava a cortina de veludo, o busto apareceu e ele confessou: já sabia de tudo, apenas achou que há muito não faziam uma festinha. A música voltou, e quando o funk substituiu as danças típicas e as canecas nem eram mais necessárias para o consumo da cerveja o busto foi carregado pelas ruas imperiais como a Jules Rimet nas mãos de Cafu. O coreto petropolitano foi mantido e batizado de General Wilhelm Wahmann, e a coleção de soldadinhos de chumbo não pára de crescer.