27.6.21

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Foi lá pelos idos dos anos 1990, quando ainda nos referíamos a eles como “anos 90” apenas, afinal, quem seria o outro? Então foi lá pelos idos dos anos 90 do século passado que minha mãe comentou sobre um assunto qualquer: “sinistro isso”. Paramos em silêncio olhando para ela como se tivesse, por erro no sistema, respondido em turco.

- Não, mãe, isso não é sinistro.

- É irado então?

- Também não. Para você é “incrível” ou “demais”. Você é adulto, nada a ver falar nossas gírias.

Pra gente, um monte de coisas era nada a ver e fazíamos um esforço hercúleo para pertencer e parecer so fucking cool. Quer dizer, parecer “in”. Queríamos lacrar quando o verbo ainda se referia a fechamento e fechamento ainda não se referia aos parças, que eram ainda  companheiros, mas não os do Lula, embora ele já os tivesse, mas ainda como líder sindical.

A moçada bacana daquele momento ria com a boca mesmo, não tinha hahaha kkk rs, não tinha nem sms por onde rir, e “kjdhlsfh” seria coisa de quem apoiou o cotovelo no teclado sem querer. Logo depois disso, geral estaria ditando moda pelo ICQ, e geral, além de um espaço no Maracanã,  era “todo mundo”, as trinta pessoas que conhecíamos e constituíam o universo e suas regras. PessoAs, adeptas de artigos definidos, acho que nem existia o conceito de indefinição. Hoje, temo secretamente que todes xs pessoes comecem a falar assim porque vai ser como se eu estivesse me comunicando eternamente numa espécie de língua do P. Putz grilX, não decorei nem as regras do novo acordo ortográfico. Pombas, vou me ferrar.

As regras da galera dividiam o mundo – o nosso micromundo – entre quem era maneiro e quem não era. Nem sabíamos o que era polarização, política era uma coisa que acontecia só nas eleições, onde, aliás, o voto ainda era impresso. Sério, cara, não tô zoando, era tipo amigo oculto da família re-al. Não família real tipo Reino Unido, tipo a parada era decidida pelo que se marcava num pedacinho de papel mesmo. E Tipo era um carro que explodia.

Para essa geração que voltava da escola entulhada na mala da Quantum, fumou pelo cordão umbilical, tinha medo do lobisomem de Roque Santeiro, challenge era entender o que diabos era URV pra comprar hamburger no recreio às dez da manhã. Aos dezesseis anos eu já tinha vivido trinta planos econômicos, corta zero, muda moeda, caça marajá, Dadinho é o c%$@*lho, meu nome é Eneas. Match era uma prancha de bodyboard, date era o que escrevíamos no cabeçalho dos homeworks do IBEU, ghosting era no máximo gerúndio do Patrick Swayze fazendo pote de argila com a Demi Moore - gente que desaparecia no meio do relacionamento sem dar qualquer explicação era homem que não presta mesmo. As notícias inventadas que ganharam o eufemismo de fake news, lá atrás eram mentiras (essa palavra podia ser resgatada).

Galinha era quem ficava com muita gente,  sempre do sexo oposto, ficar era o que explicávamos para os nossos pais que constituía um estágio anterior ao namoro, não necessariamente envolvia transar, também não necessariamente evoluía para um namoro, e os garotos podiam ser muito galinha, mas nós ficaríamos com fama de piranha, vagabunda, ganharíamos apelidos como “maçaneta” porque "todo mundo passava a mão". Mão que talvez também quiséssemos passar neles, não fosse a culpa e o medo porque isso não era coisa de menina decente e não podíamos ceder aos desejos. Essas gerações que passaram a semana debatendo serem cringe ou não revogaram essas palavras e pensamentos também ou só aposentaram o mico?

Eu não fiz a dancinha do carpinteiro. Challenge para mim já é saber que piseiro é música, quem é Orlandinho, entender que são dois Luis Miranda, não ter taquicardia de FOMO ao ouvir um “você não viu isso?”.  Lá atrás era só acompanhar o Disk MTV, agora o crush diz que não quer se emocionar muito para não me assustar e entendo como “são tantas emoções, pandemia, estamos à flor da pele”. Uhn... não exatamente, mas nem posso reagir à figurinha que não enxergo porque tem um texto pequeno demais para a minha vista cansada. Há tanta vida lá fora, Lulu, olho o celular e penso: e aqui dentro sempre essa avalanche de assuntos que não dou conta de acompanhar.

Foi lá pelos idos da semana passada que eu conversava com uma mini criatura louca para ser adolescente quando ouvi: ““Dinda, se você fosse adolescente suas roupas seriam mais modernas, você se veste como um adulto”. Eu nem estava usando meu cardigan de cashmere e ela me vê como uma idosa.

Vestida com minha roupa de adulto tão confortável, penso que só tem uma coisa cringe na vida: ideias bolsonaristas. De resto, amor, toma seu café, maratona Friends e vai ser feliz.