Pôôôô, Noel, eu acreditei! Nem
digo “me convenci”, ouvi sim umas análises de entendidos confiantes, mas a
verdade é que me deixei levar pela contagiante torcida coletiva que na abertura
do Mundial se resumia a álbum de figurinhas e em noventa minutos daquele cronômetro
confuso virou um país pintando rua e gritando na janela, essa esperança brasileira
ufanista que brota a cada quatro anos como uma compensação por tudo ao redor. A
gente joga bonito, faz dancinha sim, irlandês invejoso, vai se afogar num pint. Acreditei.
Penalti, Noel! Pe-na-li-da-de-máxima.
Ouvi quase quinhentos minutos de Galvão, lacrimejei com jingle do Itaú. Quebrei a cara. E
nem tenho para me proteger aquela estranha máscara que deixa os jogadores parecendo
o Cat Noir. Achei que ganharíamos essa Copa.
“O Brasil tem elenco para montar três
times nessa seleção”, ouvi. Era tanto elenco que escalaram um figurante para decisão
por pênalti, alguém me mostra o teste desse Marquinhos? Até aquele chute na
trave eu só o tinha visto dando um mata leão em um croata ao lado do juiz, mas
admito: desconheço tanto os jogadores que ao ver um close em Alex Sandro sondei
se alguém controlava quem entrava em campo. “Esse homem aí é do nosso time?” Os
jogadores ficam correndo de um lado para o outro, duvido que um funcionário da
FIFA fique contando quantos tem de cada lado o tempo todo. Se eu fosse técnica,
infiltraria gente.
Levaram 26 esse ano, ou seja, mais
os antigos que estavam no estádio tínhamos uns trinta craques no Qatar. E Neymar
não bate pênalti? Imagina se o Ronaldo entrasse correndo, driblando e marcasse?
Seria histórico. “Obvio que não pode”. Uai, matar gente em obra de estádio pode?
Então pronto. Dava um alento quando a câmera focava no Ronaldo, Roberto Carlos,
Rivaldo, Cafu, não dava? Eles ali torcendo, umas caras conhecidas, aquela
segurança da nostalgia. Quer dizer, torcer TORCER mesmo eles não torciam muito,
pareciam sempre um pouco entediados, mas com o calor que faz no deserto talvez
eu só movesse meio lábio para comemorar gol também.
Aqui, sorri escancaradamente, Noel.
Pulei, xinguei, acreditei. Imitei pombo. Aquele menino platinado fez duas ou três
jogadas sensacionais e pronto, me ganhou. Não aprendi a escrever Richarlison
ainda, mas na vida já aprendi a escrever
Whindersson então é só questão de tempo. Seria, em 120 não funcionou. Você acha
que o Tite teve uma convulsão na noite anterior e saberemos a verdade
daqui a uns anos, Noel? Não vem com empatiazinha não, me dispus a torcer, quero poder opinar. Mas antes disso Richarlisson
me ganhou em um voleio. Eu nem sabia o que era voleio, tampouco quem era ele, mas
sondei na hora se jogava mais à esquerda, à direita, centrão, como foi esse voto
válido? Torcer era mais fácil antigamente, hein, Noel. Torcida aprovada, comprei
camisa. Amarela com animal print. Sabe quanto me custou emocionalmente isso? Ainda
por cima fico horrível de amarelo, customizei uns negócios para marcar bem a
diferença política e torci.
Superei todos os traumas
de 7X1 que emergem, fiz vista grossa para comportamentos inaceitáveis, preguei união
e anistia ao jogadores, já nem bradava mais contra a censura da FIFA aos
protestos e condições deslavadas da escolha do país-sede, ignorei tu-di-nho por
essa estranha explosão de um grito de gol, essa catarse libertadora que talvez
só o Carnaval traga igual, esse encantamento de saber admirar uma jogada de um
atleta de ponta que mistura total domínio de bola e um balé lindíssimo. Aceitei
arriscar me decepcionar de novo para viver essa emoção.
Foi tanta empolgação, Noel, que prometi
que se ganhássemos as eleições e o hexa eu voltaria a acreditar até em você. Em
um mesmo ano me dispus a acreditar de novo no Lula, no Brasil na Copa e em
você. Para ter um mínimo de coerência eu teria que voltar
a acreditar até no amor, né? Aí acontece o quê? Na trave. Pênaltis. Foi tudo em
vão.
Estou escrevendo para
você?
Droga.
Traz para mim no Natal essa máscara de Cat Noir.
Um comentário:
maravilhosa :)
consigo ouvir sua voz lendo esse texto
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