17.3.19

Que essa fantasia seja eterna


Depois de tantos foi meu primeiro Carnaval sem você. Sabe que muitas vezes ainda te conto se está sol ou chovendo ao abrir a cortina de manhã? É um hábito, assim como comentar sobre personagens da série ou reparar nos cachorros que queríamos adotar.

Foram dias leves. Todas as ruas eram permitidas, não havia risco de te ver e sofrer. Como eu sabia? Por uma libertação. Nada daquela felicidade dramática, como Alice descreveu ao olharmos fotos antigas. Como sofríamos por essas ruas! Hoje vejo meninas soluçantes pelas calçadas com fantasias e corações aos pedaços e sorrio compaixonadamente. Vai passar, eu penso. E faz parte da festa, são para isso tantos sambas e surdos tão potentes, joga esses sentimentos todos no cordão, querida.
Olha, meu amor, esquece a dor da vida, deixa o desamor caciqueando na avenida.

Desconfio que muitas delas nem conheçam esses caciques, tamoios, mulatos, mas tento não discriminar e manter a festa democrática. Cada um sabe porque veio e não falta é dor para curar.

A luta esse ano foi outra. Pelas ruas do Centro, quadras e barracões tentaram acabar com o Carnaval, mas sabe o que descobri? Não se volta atrás! Passei anos lamentando tudo acabar na quarta-feira e entendi que não acaba, talvez até ali comece. Esses dias que nos permitem os outros mais de trezentos nos mudam em algo que pode até demorar para vir à consciência, mas tocam onde tudo em nós nasce. Se ficarmos atentos no resto do ano permitiremos que floresça a mesma poesia explodida sob o sol escaldante da Presidente Vargas, quando aqueles gritos libertam o muito contido aprisionado. Se está tudo ali, não nos guardemos para quando o Carnaval chegar. Botemos todo dia esse bloco na rua! Que esse ano botamos os corpos, lindos, incandescentes de purpurina e mais nada a deter. Foi um ano em que todas as mulheres estavam pelas outras, eu cuido de você e você cuida de mim. Em seios, bundas, tatuagens, “elas estão ferozes” há quem diga. Elas estão cientes e inteiras, estão prontas. 

Estão no refrão, nas bandeiras verde-e-rosa, nas vozes das arquibancadas e camarotes, nas notas dez dos juízes, no Estandarte de Ouro, nas lágrimas explodidas de felicidade e poder por se ver acompanhado. Na luta a gente se encontrou, ninguém soltou a mão de ninguém. 

Meu nego, deixa eu te contar: não vem do céu nem das mãos de Isabel a liberdade. Eu quero que essa fantasia seja eterna.