13.2.21

Pela saudade que me invade

O calor inclemente, “vamos fazer Carnaval no inverno, gente?”. Seis da manhã. Prepara a cachaça, cola o cílio postiço com olho ardendo de sono, vai na raça. Manda mensagem no grupo, eu passo para te buscar, chega cedo, pode lotar. A casa inteira tem purpurina, vai descendo, no táxi você termina, já sabe que horas o bloco sai? 

É fevereiro! Mas ela não vai.

As portinhas das lojas miúdas do Saara, os corredores da Caçula, metrô Uruguaiana. As réguas de medir tecido, cola quente, tule, lamê, pluma, glitter, paetê.

É fevereiro! Mas ela não vai.

Alguém tem celular velho para emprestar? Sem apego, podem roubar. O que ainda cabe nessa pochete? Não precisa levar filtro solar! Esconde o dinheiro, não esquece documento, leva lencinho, nunca se sabe as condições dos banheiros que a gente vai enfrentar. Começa a usar o All Star meses antes para amaciar, esse arco para o arranjo da cabeça vai segurar? Corta fita metálica, sobrou do ano passado alguma meia arrastão que dê para aproveitar?

É fevereiro! Mas ela não vai.

Onde concentra? Cadê o bloco? Em que boiada você está? Disseram que na Gamboa está melhor, vamos subir para Santa Teresa, uns amigos estão indo para Madureira, pega o trem, vamos cantando até lá! Olha o túnel! Vou chegar mais perto da bateria, a gente vai rolar lá embaixo nessa ladeira! Eu quero ser cordeira. Alcança aquele ambulante, sua cara está toda brilhante, me dá um gole desse negócio. Atrás do cortejo, levanta a mão. Manda sua localização!

É fevereiro! Mas ela não vai.

Concentra nos Correios ou Balança? Não decorei o samba, só sei o refrão, de resto, vaga lembrança. Já entendi, setor 6, dou tchau pra vocês. Me encontra na dispersão, lado esquerdo da Apoteose. Só saio depois da campeã, eu vou pular essa cerca, hoje só volto amanhã.

É fevereiro! Mas ela não vai.

Alô setor 1, alô Velha Guarda, arrepia Salgueiro, olha a Beija-Flor aí gente, a Mangueira chegou, alô Mocidade Independente chegou a hora, alô povão agora é sério, vai na ginga Portela, chora cavaco, explode coração, gira o pavilhão, porta-bandeira, deixa a praça virar um salão, é tudo nosso.  

É fevereiro! Mas ela não vai.

Não vai deixar o desamor caciqueando na avenida. Não vai ter jacaré de bracinhos curtos para cima extravasando a vida, povo esmigalhado, não vai ter pirata, marinheiro, faraó, beijo sem medo compartilhado. Não vai ter palhaço, colombina, arlequim, pierrot está preocupado com a conta do ar condicionado. 

É fevereiro e ela não vai. 


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Tô me guardando pra quando o Carnaval voltar.