5.2.23

De manhã eu voltei pra casa

Aumentaram a pista! Como não tinham pensado nisso antes? “Mesmo assim acho que não está cabendo”. “Claro que está cabendo, conseguimos até ver o chão”. Essa moça está me empurrando, vou adotar minha técnica antiga de dançar com os cotovelos abertos. “Olhaaa! Você também veio!” Ah, abraço, legal, uhn, está um pouco quente, suor, não tão legal. “O quêêê?” Conversar ao lado da caixa de som não vai dar, talvez tivéssemos mais audição quando vínhamos aqui. Não, acho que tínhamos mais prática e mais álcool.

Vou no bar. Ir ao bar sempre foi a primeira ação ao chegarmos em uma boite. Onde compra ficha? Não é parque de diversões, é boite, você tem uma cartela de consumação. O barman vai marcar nesse papel? Que vintage! Depois paga na saída. Putz, era aquela fila, né? Não enxergamos mais o cardápio, é muita desonra sacar óculos da bolsa para pedir bebida. Não precisa ler cardápio, pede cerveja. Melhor beber algo com mais água na composição, agora me preocupo com hidratação. O caixa era aqui, “eu pagava em cheque!”, como escrevíamos em cheques com cem doses de cachaça no corpo? Daí que inventaram o pagamento por aproximação.

Estamos de volta com Janot na Brazooka! Ele solta Tenha Dó, as pessoas pulam. “Seu joelho também é o que dificulta a vida na pista?”. Coloca um salto para dançar depois de 3 anos e falamos sobre dificuldades na pista. O que traz tanto cansaço é nosso corpo dez anos mais velho ou um acúmulo de coisas na nossa cabeça? “Acho que não vou durar muito, durmo às onze, já é uma da manhã”. Era normal nos encontrarmos todos ali: “Matriz?”, pulava a mensagem toda sexta-feira. “Matriz”. À meia noite chegávamos, às cinco partíamos. Agora a maioria precisou arrumar folguistas para conseguir essa folga nostálgica. “Às cinco acordo para correr”. Não existia ressaca com características de dengue. Mas, quando tocava Legião Urbana, não cantávamos com tanta propriedade “o que eu mais queria era provar pra todo o mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém”. Dou um sorrisinho cúmplice de mim mesma: “só que agora é diferente, sou tão tranquila e tão contente”.  “Vocês acham que posso ir com essa roupa?” Pode vir com a roupa que quiser, ninguém paga suas contas.    

Iuri assume o som. Vamos pedir o Rei? “Você não sabe nem nunca procurou saber...” A relação do Janot e Iuri é mais longeva do que todas as minhas que começaram ali.

“Que diabo de música é essa?” Inclino o corpo uns 30 graus, ombrinhos circulares em movimentos de dança pós Anitta.Eu já deitei no seu sorriso, só você não sabe, te chamei pro risco então fica à vontade.” Você conhece isso? Não está envelhecendo com dignidade, só saio daqui quando tocar Turma do Funil”.

Podemos dançar no palco do DJ? Acho que vão nos expulsar. Não tem nada escrito que é proibido. É bom senso, as pessoas apenas sabem. Tem regra escrita em banheiros sobre não subir no vaso sanitário. Eu nunca entendi que tantas pessoas subiam em vasos sanitários para precisar disso. “Já foi ao banheiro? Como está?” “Péssimo, todas as minhas memórias de sofrimento etílico ali”. “Nem vou então”.

Janot para a música e pega o microfone, “essa festa era para ter acontecido quando completou 20 anos em 2020”, agradece nossa presença, anuncia que tocará um clássico daquela pista. Um olhar se ilumina: “Turma do Funil?” Ele solta Chico. Ninguém tira ninguém para dançar mais? Faltam personagens nesse enredo, devem dormir às onze. As pessoas cantam com os braços para cima. ‘Ofegante epidemia’ cai com outra conotação. Vencemos, e a de alegria que já aponta no horizonte me emociona. O meu olhar se ilumina, não evito silenciosamente comemorar que sobrevivemos. Talvez eu faça isso para sempre. Ai, que vida boa, olerê, ai, que vida boa, olará... Amanhã dormimos às cinco.