22.3.09

Vem kafka comigo (mais uma da série Lar, salgado lar)

Eu até queria ser veterinária quando crescesse. Lido bem com animais em suas diversas formas, mais ou menos humanizados, vacas, burros, cachorros e galinhas, mas invertebrados não são animais. Invertebrados fazem parte da cadeia alimentar, mas com tanto desenvolvimento estranho que ninguém tenha pensado em substituí-los por pílulas ou readequar o ecossistema de forma que nós, habitantes de selvas de pedra, não precisássemos conviver com eles, coisinhas do mato.

Pombos não são invertebrados, mas também não são necessários por aqui. Cada vez mais, inclusive, perdem a noção do perigo: atravessam a rua como se fossem pedestres, vão à praia como se cantassem “separa um lugar nessa areia, nós vamos chacoalhar essa aldeia”, dão vôos rasantes como se fossem terroristas. Como não existe filhote de pombo suponho que o ajuntamento de ratos de asas que escolheu a minha janela para viver caracterize uma quadrilha, já que família eles não podem ser. Todos os dias, bem cedinho, os desgracentos começavam a fazer barulhos que pareciam um tórrido ato de acasalamento ou que estavam todos engasgados. Veneno, saco plástico esvoaçante, praga, tudo em vão. Há quem coloque grade na casa para afugentar ladrões, eu fui obrigada a me cercar contra pombos.

Afugentados os piolhentos, passei a desfrutar da delícia do meu lar até elas chegarem. Vivia com uma vassoura atrás da porta e não era simpatia para afastar visitas chatas, mas uma arma. Entrava em casa era vassoura em uma mão, Baigon na outra. Foram seis baratas em quatro meses e não era o calor, a chuva que sempre fechou o verão sem inundar a cidade de artrópodes, sujeira, era uma invasão, tal qual os pombos elas ficaram abusadas, debochadas até. Uma apareceu morta às sete da manhã, barriga pra cima, patas pro ar. Alguém invadiu a casa na calada da noite e exterminou uma barata? Um ataque cardíaco fulminante a levou antes que a nojenta alcançasse meus aposentos? O que fazia uma barata defunta na porta do meu sagrado quarto? Quando aproximei o saco-rabecão para recolher o corpo eis que a cascuda deu um 180, voltou do mundo dos mortos e correu para o meu edredom! É muita audácia. Ou alguém acha que havia uma barata dormindo tal qual um cachorro na porta do meu quarto? Queria ser minha barata de estimação, pedia festinha na barriga? Não, queria zombar de mim. Guerra oficialmente declarada, 2696969 chegou como Ghostbusters, if there’s something strange in the neighboorhood tinha, é passado, elas podem resistir à radiação, mas não resistiriam à minha fúria.

Precisei me preparar para tudo, quem seriam os próximos sem terra invasores de propriedades? Morcegos? Ratos? Lagartixas dissimuladas usando a desculpa de que trazem dinheiro? Não caio nessa. Na minha casa só entra quem eu convido e todos devem ter um número mínimo de ossos e nenhuma pena. Até que um dia um objeto voador verde chegou e eu amarelei. Era uma esperança. Não poderia matar a esperança no meio da sala! Viveríamos ali, ela e eu, até que a bendita decidisse bater asas e voar janela afora, o que poderia ser muito dramático, mas eu estava preparada para não encarar o fato simbolicamente. Acontece que a idiota ficou louca, começou a se jogar contra as paredes, foi de encontro ao ventilador, na casa de mais quem poderia existir uma esperança suicida? (mais uma, meu Deus, é essa a razão da felicidade do meu terapeuta milionário.) Ela se estatelou no chão. Eu preferia mil tsunamis a recolher restos mortais de esperança, só porque uma moça riu no supermercado ao me ouvir pedir duzentos gramas de Solidão mudei a marca do queijo minas, não quero dar sinais ao mundo, vai que ele também interpreta que agora desejo carregar sentimento em sacos plásticos!

Desesperada, me aproximei do cadáver e a verdade apareceu: era um grilo! Acabei com um grilo que havia na minha vida! Depois descobri que o inseto era um louva deus, mas quem se importa? Pra mim era um grilo e simbolicamente cancelei a terapia da semana.

4 comentários:

Anônimo disse...

Hahaha. Mto bom, Bruna!!
Se o 25696969 der ocupado: "acabe com as baratas de uma vez, 22737373".
Bjos

Anônimo disse...

Espero a barata nao chegou por causa de a hospede anterior....juro que nao comia chocolates a escondidas - ajaja!

Anônimo disse...

Sensacional!!! bjs, Fernanda

Tati disse...

muuuito bom! como sempre, aliás!
mas aqui: metáforas à parte, solidão é O melhor queijo...
na próxima, pede duzentos "dessezinho aqui"...
bjs.