14.2.11

O quesito evolução

Peguei a canoa andando e, se é essa a questão, quero sentar na janela sim. Quero inclusive falar com o remador, tenho umas idéias – que isso não é culpa minha, veio de fábrica, item de série. Carnaval eu conheço desde Petrópolis, do samba, por encantamento, me esforcei pra correr atrás, acrescente-se aí uma pitada de egoísmo e altas doses de carioquismo e temos argumentos suficientes pra um texto publicável.


Pra quem só conhecia a Sapucaí pela Globo e “pulava Carnaval” em bailes, atravessar a Rio Branco ensopada de chuva com o Bola Preta bradando Explode Coração foi um rito de passagem, liberdade abria as asas sobre nós! Antes disso fevereiro já era festa, cada um comprava uma fantasia pra ser usada em esquema de rodízio, os mais velhos nos enchiam de um gel chamado New Wave com purpurina que é capaz de estar até hoje entranhada nos tapetes seculares da casa da serra. Homens se vestiam de mulher, as fronhas velhas eram transformadas em máscaras que me davam um pouco de medo, o Petropolitano Football Club era o palco da algazarra. A banda descia do palco às 4 da manhã e arrastava até a rua os que já tinham idade pra estar no “Baile do Preto&Branco”.

Quando chovia muito (e desde aquela época Petrópolis já sofria com as águas de janeiro, fevereiro e março) o rádio virava a bateria e as serpentinas invadiam a biblioteca. Confete não! E espuma em spray, pro bem de todos, nem existia, no máximo o que saía dos tubinhos era um tal de lança-perfume, e os cartazes nas paredes dos salões que proibiam o uso me deixaram com a impressão de que as épocas passadas eram bem mais liberais do que a nossa - apesar dos meus pais insistirem que eles borrifavam lança no ar porque era geladinho...

A penca de crianças cresceu, a casa a família vendeu, e então quando o Escravos entoou que “quando eu fico triste o samba insiste em me levar” aquilo fez completo sentido – eco, como o do surdo. Dezenas de novas pessoas entraram na minha vida a partir dali: quatro dias de folia e brincadeira, nós pra lá e pra cá até quarta-feira. Se nenhuma cabrocha de velha guarda olhou torto pra lourinha desajeitada que caiu no huly-guly, que direito tenho eu agora de reclamar? O samba é democrático, querida! E o Carnaval é – ufa! - uma festa politicamente incorreta, vou botar no c* do trocador, dane-se o que ele tenha feito: eu quero botar meu bloco na rua e sambar com os garis e vassouras, arlequim nenhum tem coragem de chorar pelo amor da colombina no meio dessa multidão que pensa que Red Bull é água.

Se eu fosse sincera confessaria até que a banalização da coisa me faz olhar com enfado as ameaças de quem foi pago com traição por quem ele sempre deu a mão. Será que eu gostaria de ser um rei no meio dessa gente tão patrocinada, sem camisa, determinada a beijar o maior número de bocas possíveis que pensa que o Asa arreia e não entende quem é Monarco então “bora pro Chora me liga”? Não vai dar, não vai dar não. Ou vou não, quero não, posso não. Quando eu pude de novo me fantasiar de bailarina e atravessar o Leblon até o mar aquilo parecia tão ingênuo e seguro... Nunca mais vou cantar os versos lentos de Máscara Negra na Dias Ferreira? Nunca mais será um coro de foliões emocionados que não vão explodir na estrofe seguinte como micareteiros? Isso cria um déficit de poesia nos meus dias.

Ô Braguinha, essa gente que envelhece e torce o nariz pra molecada chama de insensatez um abadá... A vida passa, menina! O Monobloco já saiu da Gávea faz tempo, do 9 o Empolga foi pro 6 que em Ipanema não cabe mais a antes diminuta torcida americana do Odisséia. O bloco de hoje é daquele ator global mesmo, e não joga esse ar blasé pra cima do menino que coloca a mão na sua cintura porque os recém-grisalhos que compartilham da sua nostalgia um dia fizeram o mesmo em alguma colombina. Menina vai, com jeito vai, pra canoa não virar põe suas sapatilhas compradas no Saara e tira do armário as saias de filó.

Não leve nada a mal, apesar de tudo hoje é Carnaval.

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