Nós sempre fazíamos cartões além de dar os presentes. Um dia, deixamos de escrevê-los. Eu deixei. Porque os dias começaram a ficar corridos, os hormônios da adolescência nos permitiram menos frenesi, porque escrever exigia reflexões que remexiam e comecei a me afogar no redemoinho causado por elas, todas as alternativas anteriores, relevante aqui é que, pra mim, o encerramento dos textos sempre podia ser com palavras do Rei: ao fim de mais um ano de vida ou encerramento de um velho, o feliz ano novo trazia a mensagem de que, tivéssemos nós chorado ou sorrido, importante é que emoções tínhamos vivido.
O cinismo da vida adulta adaptou a lição de Emoções no campo amoroso fazendo surgir a premissa de que tudo vale a pena desde que renda boas história na mesa de um bar. Melhorou os fins de noite já carentes de grandes acontecimentos e aliviou a pressão das coisas terem que ser como uma comédia romântica - se passamos a assistir mais produções independentes com protagonistas disfuncionais por que não assumir logo o roteiro inesperado entregue pela realidade? Em contrapartida, comecei a batucar “qualquer coisa que se sinta...”. Por resistência, cicatriz, comprimido ou Oscar, pouco passou a importar. Se até ônibus que demora a passar passa (e me abalar não altera em nada o itinerário dele) imagina dar corda para aborrecimentos que não são diários! “Eu, hein, Creuza” virou mantra, pobre súdita do Rei.
Substituímos nossos terapeutas por um astrólogo – o mesmo para compartilharmos o aprendizado de interrogá-lo - e não o fizemos por inclinações místicas, mas porque a ciência que economiza sessões oferece um panorama de tendências mais objetivo. Aproveitamos que a casa afetiva está vazia para descartar essa ansiedade e focar no realismo que Saturno traz, frequentamos festivais de rock com musica pop e grama sintética, planejamos o negócio próprio menos por idealismo do que por rentabilidade e autonomia. Até que num sábado muito depois dos tempos dos cartões, quando música alta de músicos atraentes é tema de conflito mais profissional do que amoroso, releio a sequencia de e-mails há dias sendo casualmente escrita entre nós. Falamos sobre entender ao invés de julgar, tentamos um perdão, pensamos se o erro do outro não foi o melhor que ele pôde fazer, lamentamos calmamente o descompasso entre os seres e que reciprocidade seja tão complicado de viver quanto de pronunciar.
Porque queremos desacelerar os dias, porque nossa intempestividade não altera em nada o tempo de cada um, porque sabemos que aquele festival não é pra nós, porque nosso mapa astral já aponta o fim do retorno de Saturno, porque todas as alternativas anteriores são verdadeiras vem finalmente uma vontade de chorar e de rir, e uma impressão de que o encerramento-padrão dos cartões não faz sentido de novo, faz um novo sentido. Em paz com a vida, o que ela me traz só acrescenta que o importante é que a emoções sobrevivi.
Um comentário:
é bem melhor quando você escreve. Pra todo mundo.
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