22.3.24

Hear it on my window pane (Rain, I feel it)

A culpa da chuva é do Lollapalooza e ninguém tira isso da minha cabeça. “Mas, Bruna, são as águas de março fechando o verão desde os festivais da canção”. Não interessa, o Lollapalooza atrai situações extremas, foram anos de transmissão temendo sair para almoçar e voltar para encontrar a equipe toda dentro de uma van, público montadíssimo nos looks super cool atordoado sem saber o que fazer, shows cancelados, foi o Lollapalooza que causou o furdunço da chuva no Rio. Talvez eu não devesse escrever isso, posso parecer negacionista climática.

“Não sei se vejo o prefeito ou a Kate”, me diz um enclausurado. O governante está acampado em uma central de controle reportando hora a hora o volume de água que cai, rezando para que nenhuma desgraça aconteça e sua popularidade tenha o mesmo destino. A princesa britânica reapareceu depois das mais fantásticas teorias sobre seu sumiço, que incluíam até Caverna do Dragão e o Uni. Nada me distrai. A médica desmarca minha consulta, o músico desmarca a roda de samba, o professor cancela a aula até do dia seguinte, meu coração começa a palpitar em um deja vu que não parece bom. Eu presa nesse apartamento, me comunicando com outros na mesma situação por aí. Respondo três emails e checo o celular, duas mensagens e abro a geladeira, meia página de roteiro e dou uma volta pela casa. Esse dia não vai acabar logo. Visto minha super capa de chuva e vou ao mercado comprar entorpecentes.

Uma lata de Leite Moça, chocolate em pó, pãezinhos de queijo...

“O macarrão”.

“Oi?”

“E o atum. Não vai levar macarrão e atum?”

Era o atendente, bastante atento pelo visto.

“Na greve dos caminhoneiros você ficou sem gasolina, na crise da geosmina sem água mineral, começou a pandemia sem papel higiênico. Não aprendeu nada sobre fim do mundo?”

“Não como gluten”, respondi, pegando uma lata de atum ralado por puro constrangimento e pensando que ter amigas escritoras estava deixando minha vida muito exposta. “E não é o fim do mundo”, deveria ter dito, mas éramos os únicos no local em uma sexta-feira à tarde. A angústia só aumentava. Sigo para casa já planejando desinfetar todas as compras, gatilhos são estranhíssimos.

Uma cascata de água desaba do céu. O ex-Twitter-que-só-chamo-assim mostra imagens preocupantes de Petrópolis, de onde a madrinha que se recusou a sair nos acalma dizendo que estocou comida. Realmente não aprendi nada. Percebo que nem reunião marcaram, desde março de 2020 não passo um dia útil sem entrar no Teams.  Passaram trinta e oito minutos desde o mercado.

“Poderemos sair amanhã?”, debato virtualmente. “Um encontro com amigos do mesmo bairro depois de medirmos a profundidade das poças”, que tal? Os grupos começam a recomendar séries, filmes, livros, se alguém propuser uma festa online vou gritar na janela. Não, não farei nada na janela. “Vamos ficar transando”, uma fala. É excluída do grupo, já existia ansiedade demais no ar para alguém com reposição hormonal se manifestar.  Outra manda a recordação do Facebook (?) onde aparecemos de vestidos tomara que caia que não se chamam mais tomara que caia e bronzeadíssimas em um verão 14 anos atrás. Não sei se sinto mais falta de ter colágeno ou produzir melanina, e lembro dos verões passados alagados. Não dos alagamentos trágicos, das chuvas em que sorrimos. O Carnaval onde nos fantasiamos de Arca de Noé, um de cada bicho envoltos por uma boia inflável gigante – era tanto espaço no Boitatá que ficávamos assim dançando no temporal. O show da Madonna no Maracanã em que a cada vez que abríamos a boca para cantar engolíamos alguns litros d´agua, mas amamos. O show do Roberto Carlos no mesmo Maracanã, onde parecíamos camisinhas gigantes usando aquelas Capuchas, como era grande meu amor. Somos ecléticas musicalmente, e incansáveis: no último Rock in Rio assisti a Iza pelo pequeno espaço para meus olhos que restava de fora no casaco náutico que peguei do meu pai, cinco vezes meu tamanho, mas estava lá – Pesadão Pesadão dão. Assim como na Marina da Gloria para Los Hermanos, Marisa Monte. Caetano? Não, fui tão esperta nessa doce maravilha, me perdoa, Caetano. Não saia do meu lado, segure o meu pierrot molhado e vamos embolar ladeira abaixo, acho que a chuva ajuda a gente a se ver...

Nada. Peço que caia devagar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ah Bruna, seus textos sempre uma delicia …

Andre Lima disse...

Texto maravilhoso, Bruna! 👏🏻👏🏻👏🏻

Anônimo disse...

É um prazer ler os seus textos, Bruna