8.5.09

Animal cão

E lá fomos eu e o cachorro ao médico. Por uma questão de especialização, na plaquinha do dele dizia veterinário e, na do meu, cirurgião (apesar do dele também operar e do meu também lidar com instintos animais).
O bichinho já é cego e surdo, eu já sou estressada e medrosa, mas nos dois apareceram bolas que mais pareciam corcovas e se não quiséssemos virar dromedários teríamos que extirpá-las.
- Está nervoso?
- Um pouco, e você?
- Vai dar certo, eu seguro a sua pata e você lambe a minha mão. Mas não morde ninguém.
- Ok. Nem você.


Às vezes o nunca mais não é exagero, é certeza. Não tem palavra. Não tem alívio pro vazio, principalmente pro vazio deixado por quem aliviava o caos do mundo. Quanto sentimento por um bichinho genioso.
Parecia uma nuvenzinha, um poodle de escova. Nos momentos menos higiênicos, uma estopa. A bolinha champagne chegou há tanto tempo que não dá mais pra contar uma história, ela se mistura com a minha. No nosso amor sem alardes talvez fôssemos presença fundamental na vida um do outro, eu o procurava pra fazer carinho, ele se apossava do meu travesseiro. Ele sentava se equilibrando com as patas em volta da minha mão enquanto tínhamos conversas assim:

Eu prometi que você não sofreria, cãozinho. Gente não escolhe sofrer ou não, mas você, deixa que eu protejo. Encara como um agradecimento às tantas vezes em que aturou quietinho eu te amassando em um abraço. Em troca de me eleger o melhor escudo humano contra implicâncias alheias, só precisei te apoiar durante a dor de barriga causada por um medalhão à piamontese. Foi uma relação bem equilibrada.
Há muito você já não me faz mais de apoio para suas espreguiçadas, não pula no meu colo amassando o jornal com a total falta de cerimônia de quem sabe que é o dono da gente. Se abaixo e te encaro não preciso mais desviar como ninja das suas investidas pra lamber minha cara.
Queria ver você pulando em volta de si mesmo até tropeçar quando a porta abre, ouvir os latidos escandalosos que ficaram lá no passado. De barulho, pra mim, só sobraram suas unhas no assoalho. Pra você não sobrou nada. Que diferença? Nunca atendeu ao nosso chamado mesmo. Você só vinha quando queria, e quando queria era a criaturinha mais companheira que eu já tive.
Não tinha isso de “cachorro, vamos brincar agora”, só brincava se quisesse. Correr atrás de bolinha nem pensar, pra quê o trabalho de buscar e vê-la sendo isolada de novo? Preferia sentar à mesa e comer pão com manteiga! Se estava dormindo, estava dormindo, ponto final, smplesmente não queria ser incomodado. Às vezes corria pela casa como se tivesse tomado um ácido, em outras horas ficava sozinho brincando com o vento. Criou bem seu mundinho particular em meio a tantas crianças, agüentava ser jogado pelos ares numa boa e quando passavam do limite rosnava como uma fera me fazendo pensar – um dia ele ataca. Esse era você ou era eu? Você, bem mais controlado.

Não publiquei o texto lá de cima esperando o dia do meu exame. Foi hoje de manhã, mas você foi ontem à tarde. Vou operar minha corcova. E nunca mais vou te esquecer.

6 comentários:

aninha disse...

se eu tinha chorado menos do que devia, agora já bati a meta!!
Ele está te vendo, com o Tio Xixo e a vovó...
Te amo!

Leticia Wahmann disse...

Cheguei atrasada, mas para dizer que sei bem o que sente, já passei por isso e é horrível, mas como tudo na vida, passa e vc terá sempre as melhores lembranças do Juan que furou várias roupas minhas !!! : )

Tati disse...

você se superou...
e eu, me emocionei.
conselho (e/ou piadinha fora de hora): não tente substituí-lo! ou então, faça conscientemente e escolha di-rei-ti-nho...
digo pq tive um desse também minha vida toda, que nem lembro de não ter, e depois que ele foi (é, eles geralmente vão antes...) entrei numa de querer outro.
é claro que eu não tinha mais a mesma energia dos meus 8 anos.
é claro que deus ouviu as pragas do meu pai e me mandou um cão louco e pentelho...
ê perrengue!
bem... hoje, seis anos depois...
tsc, esquece meu conselho.
simplesmente amo meu maluquinho pentelho.

Anônimo disse...

Só hoje consegui escrever e assim mesmo só para dizer, eu te amava Juan.Ana

Anônimo disse...

"Es mejor haber amado y perdido que no haber amado nunca." Menos mal que as lembrancas perduram amiga.
E fica certa que agora que ele pode ler de novo ele ficou muito comovido de saber quanto foi amado!

Patricia Salamonde disse...

Dizem que nao se sabe quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. Eu ja nem lembrava quem tinha nascido primeiro nessa casa: o Juan ou as criancas. Imagino a tristeza de perde-lo. Ficam muitas lembrancas boas. E agora eh bola pra frente, sem o Juan para te chamar de ridicula tentando brincar com ele. Ou melhor, bola fora, ou melhor, corcova fora.