17.4.11

Do ritual de passagem

Girino, eu fui à missa. Sábado de manhã, manhã de verão, verão carioca, eu e meu leque. Começou o padre (que não era padre, mas frei) explicando que inverteria um pouco a ordem do ato pra não acordarmos você, e decretou que poderíamos fazer o que quiséssemos naquela meia hora: crianças ficassem à vontade para andar, adultos para fotografar, eu para mentalmente criticar as teorias de dominação católica, ninguém precisava se ater à coreografia de senta-levanta-repete-as-palavras conforme esperado. Bacana aquele padre. Frei. Ele calçava uma espécie de Birken e contou que era do convento de Santo Antônio.

Eu sempre conheci Antônio como sendo o santo casamenteiro, as meninas aprendem desde cedo mandingas para o apóstolo, deixam o pobre de castigo até conquistarem a pessoa amada, o célebre é solicitado! Até essa sua tia, cínica que só, instruiu seu avô a interceder por ela junto ao santo em nossa visita à Basílica de Pádua - já estávamos lá, mal não faria, não é? O que nos levou mesmo àquela igreja – que pra arrumar um par confio mais nas ações terrenas do que na boa santa vontade – foi saber que Antonio tinha sido discípulo de São Francisco, a quem tenho muita consideração e prefiro chamar de Francesco pra coisa ficar menos sacra e mais verossímil. Para Francesco todos eram iguais: cor, credo, raça, sexo, espécie, novo ou velho, certo ou errado, é o que entendo dizer o mandamento de “amar ao próximo como a si mesmo”. E lá estava eu no seu batizado, óculos escuros e olho no relógio, quando o frei de Birken inverteu a frase e me desafiou: como tenho amado a mim mesma para poder repetir o feito por aí? Glup... Veja bem, se somos todos iguais talvez eu venha pegando um pouco pesado comigo mesma.

Como se não bastasse ter jogado aquela bomba no meu colo, o religioso abriu parênteses para explicar sobre o sacramento que nos reunia ali. Contou ele, muito paciente com meu ateísmo, que nosso ato marcava o momento em que declararíamos a você nosso amor, prometeríamos protegê-lo, apresentaríamos a você esse mundo em que vivemos – e nos desculpe se não é lá muito fácil. O tal pecado original pra quem torci o nariz à primeira menção é tão somente a doutrina cristã que pretende explicar a origem da imperfeição humana, do sofrimento e da existência do mal. Veja você, Girininho, sobre o que já estamos tão solenemente lhe falando: as coisas podem ser ruins às vezes, nem todas as criaturas com quem você esbarrar terão esse seu sorriso franco, seus olhos azuis vão se encher de lágrimas por diversos motivos. Eu não sei por quê. Como não tem jeito de mudar, tente nunca duvidar, conte conosco, se apegue a qualquer coisa para seguir: vai passar. Há quem conte com Deus, outros contam mesmo é com alguns humanos, sozinho - garanto - costuma ser besteira.

Com meu Ray Ban escondendo olhos inundados e a cabeça se esforçando para segurar aquele coração disparado ainda ouvi o frei lhe dizer para não se preocupar com as suas falhas. “Deus não está nem aí pra elas!”. Num sobressalto ainda pensei em espiar se aquele salvo-conduto se aplicava também a mim, mas preferi sair de fininho e acreditar que sim. Bom mesmo, pequeno, é ser ovelha no meio do rebanho. Muito mais confortável.

3 comentários:

Lalol disse...

You're back! :)

luiza disse...

=)
escreve mais porfa

Desde o início disse...

olhos cheios de lágrimas e nenhum óculos por perto pra disfarçar....