Um dia perguntei se não o
incomodava ver a mãe beijando outra mulher. Ele riu, daquele jeito indicativo
de que algo mais forte vem a seguir, e disse que já a tinha visto amarrada em
uma cadeira sob a ameaça de ter uma faca enfiada entre as pernas. Pensei que eu
não saberia lidar com uma mãe atriz.
O sol de sábado com o trânsito
insuportável da rua Jardim Botânico mais o deslumbre por cada canto do
Instituto Moreira Salles fizeram meu atraso perder o começo do filme, quando
sentei não sabia o que as pessoas ao meu redor já sabiam sobre aquelas que se amparavam
entre lágrimas na tela. Eu já sabia que seria algo pesado e que o documentário
acompanhava uma atriz em sua personagem durante a encenação de uma peça sobre o
Holocausto.
Logo alguém diz para a
protagonista completamente abalada: “isso é só teatro, não pira!”. Ela continua
chorando, Carla Ribas. Anos atrás uma amiga comentava sobre os tantos prêmios
que Carla Ribas ganhara em seu filme de estréia, mas desde que essa amiga me
apresentou a ele – o filho da Carla Ribas – até o dia da resposta da faca entre
as pernas eu nunca tinha pensado muito
sobre fato do Grabo ser filho de uma atriz. O Grabo era um amigo meu, fazia
cinema, três refeições ao dia e sucesso no karaokê.
Eu tenho uma teoria de que se
alguém responde que um filme é bom porque a luz é incrível é porque o filme é
ruim. Resposta positiva para “você gostou, o filme é bom?” só pode ser “é”, se
precisa de explicação são ressalvas. Depois do “é” permito vir elogios à
técnica, atuação impecável, trilha genial, direção segura, etc. O filme do
Grabo é foda. Personificando mais um palavrão estava eu desejando poder
desmoronar de chorar enquanto o silêncio sepulcral da plateia transformava a
dúvida do funcionário em abrir a porta ou não em comédia, ninguém falava, os
créditos subiam sem música, os aplausos não começavam e o homem ao meu lado,
que havia acabado de entrar na sala, pergunta baixinho: “é de se emocionar?” Meu
indiscreto nariz vermelho se vira para ele acompanhando o resto da cabeça num
sim que não satisfaz o interrogador: “por quê?”. Que diabos faz um homem que
acabou de chegar me perguntando coisas assim? É porque é, não sei, você é meu
terapeuta, meu consciente? É tudo tão doído, doente, estafante, eu torcendo
para aquela câmera mostrar uma luz, cadê o dia, que horas são que já faz mais
de doze que aqueles atores estão entrando e saindo de cena e repetindo aquele
texto horripilante e quando finalmente acaba em um mergulho na praia e os
braços são jogados para cima dá um alívio...
Não.
Então abriram o debate e a
plateia começa a dissecar o filme – onde estava a câmera? Era sempre zoom?
Aquele assunto despertava interesse especial no diretor? Todas as imagens foram
feitas durante a montagem de vinte e quatro horas da peça? Houve ensaio? Eu
queria perguntar como ele tinha conseguido se tornar invisível para estar
sempre perto sem interferir na construção do trabalho dela, não consegui.
Acabou que o homem das perguntas foi
apresentado como Eduardo Wotzik, diretor da peça, rimos cúmplices, aproveitei o
sol de sábado para um mergulho atrasado na praia e só na volta no trânsito insuportável
da Jardim Botânico ainda deslumbrada com Testemunha 4 me dei conta do tal
porquê. Aquele abraço no final, Grabo e Carla, a dedicatória no canto direito
da tela: “para a minha mãe”.
Se é um zoom em uma atriz por um diretor, mãe pelo filho, isso não é uma critica cinematográfica: só uma tentativa de ir mais fundo no meu sentimento para compreender.
Se é um zoom em uma atriz por um diretor, mãe pelo filho, isso não é uma critica cinematográfica: só uma tentativa de ir mais fundo no meu sentimento para compreender.
(And I keep thinking where to hang a Warhol that says "Art is what
you can get away with.)
Um comentário:
Não consegui ver o filme, mas chorei mesmo assim, Grabo é foda, mesmo sem ter visto nada. Lê
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