17.11.11

Em palavras


É pior do que morrer porque ao morrer - considerando que até agora ninguém voltou para desmentir - acabou. Ruim é continuar preenchendo todas aquelas horas cheias de minutos, dias inteiros, todos os dias em que nasce o sol, fica tudo colorido lá fora, muitos sons, e anoitece noites enormes, compridas. Noites que emendarão em dias em que você tem que se levantar mesmo tão cansada, decidir se pior é engolir comida em um esforço semelhante a ruminar papelão ou manter-se um pouco mais sem nada, e encarar pessoas. Poucas pessoas ainda distraem, você ri, se ninguém comenta sobre o nariz vermelho ou olhos marejados é porque nem notaram a escapada discreta ao banheiro, pausa momentânea para chorar. Qualquer porta que se fecha dispara o gatilho de lágrimas, ao dirigir elas vertem tão habitual e automaticamente que nem devem ser classificadas como choro – são só seus olhos que escorrem. Uma sobrevida onde quase não há movimentos, não existe o brusco. Tudo vai sendo porque deixa ser, deve ser, mar antes da arrebentação, aquela água que vem e vai, vai, vem. Você nem transborda.
Fúria, um grito, socos, aos berros, louças quebradas, roupas rasgadas, nada. O único rompante de euforia vem do álcool porque você está ali, vestida, acordada, as pessoas ao redor riem e pulam, festejam, há música, luzes mas não essa fumaça, como se dissipa? Se tudo parece meio distante é porque aquilo não é um sonho, é real, estão todos ali mesmo parecendo impossível tocá-los, as vozes estão aqui, você é quem não está. Você não pertence. É um feitiço, sonambulismo. E daquelas garrafas sai a cura que aproxima as pessoas e afasta as memorias então é mais um copo, outra dose, cuidado, não pára pra isso não acabar, e você está se misturando, olha quanta alegria e de repente uma coisa, qualquer coisa, estala. O encanto se rompe. Não vai, se esforça, disfarça! A raiva que cresce do fundo do fígado chega à goela na forma de dor, e aí sim você chora. Chora. Se contorce. Se assusta e apavora porque escancara, se afasta, vai se trancar – quem colocou essa aqui? E a culpa te espreme na cama, não abre essa cortina que todo esse sol vai apontar um dedo indicando que esse mundo lá fora não foi feito para você. Você não o merece. Ele não te entende. Quase ninguém entende, só te defende quem repete que vai passar e é claro que mente. Passa. Dia a dia você se entende porque quer viver, viver é muito melhor do que morrer. Eu sei.  

Um comentário:

Gustavo disse...

Sensacional! Bruna D. vale a pena.