É pior do que morrer porque ao
morrer - considerando que até agora ninguém voltou para desmentir - acabou.
Ruim é continuar preenchendo todas aquelas horas cheias de minutos, dias
inteiros, todos os dias em que nasce o sol, fica tudo colorido lá fora, muitos
sons, e anoitece noites enormes, compridas. Noites que emendarão em dias em que
você tem que se levantar mesmo tão cansada, decidir se pior é engolir comida em
um esforço semelhante a ruminar papelão ou manter-se um pouco mais sem nada, e
encarar pessoas. Poucas pessoas ainda distraem, você ri, se ninguém comenta
sobre o nariz vermelho ou olhos marejados é porque nem notaram a escapada
discreta ao banheiro, pausa momentânea para chorar. Qualquer porta que se fecha
dispara o gatilho de lágrimas, ao dirigir elas vertem tão habitual e
automaticamente que nem devem ser classificadas como choro – são só seus olhos
que escorrem. Uma sobrevida onde quase não há movimentos, não existe o brusco.
Tudo vai sendo porque deixa ser, deve ser, mar antes da arrebentação, aquela água que vem e vai,
vai, vem. Você nem transborda.
Fúria, um grito, socos, aos
berros, louças quebradas, roupas rasgadas, nada. O único rompante de euforia
vem do álcool porque você está ali, vestida, acordada, as pessoas ao redor riem
e pulam, festejam, há música, luzes mas não essa fumaça, como se dissipa? Se
tudo parece meio distante é porque aquilo não é um sonho, é real, estão todos
ali mesmo parecendo impossível tocá-los, as vozes estão aqui, você é quem não
está. Você não pertence. É um feitiço, sonambulismo. E daquelas garrafas sai a
cura que aproxima as pessoas e afasta as memorias então é mais um copo, outra
dose, cuidado, não pára pra isso não acabar, e você está se misturando, olha
quanta alegria e de repente uma coisa, qualquer coisa, estala. O encanto se
rompe. Não vai, se esforça, disfarça! A raiva que cresce do fundo do fígado
chega à goela na forma de dor, e aí sim você chora. Chora. Se contorce. Se
assusta e apavora porque escancara, se afasta, vai se trancar – quem colocou
essa aqui? E a culpa te espreme na cama, não abre essa cortina que todo esse
sol vai apontar um dedo indicando que esse mundo lá fora não foi feito para
você. Você não o merece. Ele não te entende. Quase ninguém entende, só te
defende quem repete que vai passar e é claro que mente. Passa. Dia a dia você
se entende porque quer viver, viver é muito melhor do que morrer. Eu sei.
Um comentário:
Sensacional! Bruna D. vale a pena.
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