Ele disse que já não se fazem
mais crônicas de quarta-feira de cinzas, que não há mais Adalgisa enfezada esperando
marido no portão. Que este foi engolido pelo tempo e pela irrelevância. Que isso
é coisa do tempo antigo. De outros pós-carnavais.
Talvez daqueles em que pela casa
ficava uma purpurina, plumas rosas, no tanque uma sapatilha dourada e botas
brancas. De quando ele perguntou o que era meia-arrastão e apontei para suas próprias
pernas cabeludas sob o vestido de bolinha. Do tempo em que pagávamos para usar
calças, jaquetas e chapéus de soldado em amenas noites de trinta e muitos graus.
Esperávamos umas duas horas tomando cerveja no meio da rua em frente à Central
do Brasil sem nos preocuparmos com a pouca quantidade de banheiros químicos disponíveis,
levávamos mais broncas de um desconhecido do que suportaria a mais elevada autoestima
para atravessarmos uma avenida em trinta minutos dançando ao som de uma música
que mal conhecíamos sob os olhos de uma platéia indiferente aos nossos esforços
e sede. Como não estaríamos felizes? Alcançando o final, suados e famintos, andaríamos
um bocado torcendo para que o ônibus estivesse no lugar marcado e, dando certo,
passaríamos toda a volta implicando com os bêbados, os sonolentos, casados e
solteiros, os inteiros ou semi-mortos. Desse errado agiríamos da mesma forma,
por mais tempo. No dia seguinte acordaríamos cedo porque bloco bom é na
concentração. E por que andar?, perguntaria Adalgisa. Porque assim a gente
chega lá, chega até no mar. E de bloco em bloco acabaríamos de bar em bar. De
pirata, marinheiro, de coração partido ou inteiro. De repente, cantando pelos
bairros no meio de toda aquela gente. Normalmente. Até nunca cansar. Até a
quarta-feira chegar. Até a vida real mandar a gente voltar.
Ele disse que como gênero
literário as crônicas da Quarta-feira de Cinzas perderam toda a legitimidade.
Viraram anacrônicas. Talvez como uma colombina que cisma em achar mais graça no
pierrot mesmo sendo tão bonzinho o arlequim. Como uma coleção de máscaras.
Saias de filó. Como quem tem tanta alegria adiada, abafada, quem dera gritar, e
está se guardando pra quando o carnaval chegar.
Um comentário:
Você sabe que sou adepto dos comentários elaborados e inspirados, mas hoje cabe uma contradição: perfeito. Ah, e o título é ótimo.
Beijos, xará.
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