Dia 184
Deu errado o teste da vacina mas eu precisava almoçar. Precisava acabar a reunião e resolver o problema da produção, resolver o problema da outra produção também e responder emails. Mas deu errado o teste da vacina. Eu sei, já entendi, efeitos colaterais inesperados, não, não nasceram rabinhos nos testados, deu um problema, suspenderam essa vacina, depois leio com calma. Mas deu errado o teste da vacina.
A
piada não funciona, os artistas não conseguem, precisam de plateia, como fazer
plateia, cria uma plateia em outro espaço com mais espaço, distancia bem, testa
todo mundo, tenta mandar o sinal, joga o áudio das risadas para o estúdio,
conseguimos palmas? Temos plateia, quinze pessoas, quinze pessoas? É uma
plateia, temos plateia, melhorou a piada. E o beijo? Não pode beijo, como se
beija à distância? Não se beija, tira amor do texto, coloca o amor na
pós-produção, faz o amor virtual, amor em computação, tanto amor tem sido assim
mesmo, deixa o amor. E a vontade de desistir, faz nada não, deixa para depois. Não
tem “depois”. O John Lennon estava certo, é isso aqui agora mesmo a vida, “o
que acontece enquanto fazemos outros planos”. Mas costumava ser quase tudo para
depois, os grandes planos de felicidade. A viagem. A casa. Aquela ideia. Vou
ser muito feliz quando chegar o Carnaval. Nas férias. Quando conhecer alguém.
Quando as crianças crescerem. Quando mudar de emprego. Quando tiver mais
dinheiro. Quando emagrecer. Quando tiver coragem. Quando tiver vacina. Cancelaram
tanta coisa que cancelaram o depois. E agora? Isso sobrou, o agora. Mas agora
eu não posso ir a lugar nenhum, agora não tem ninguém para me dar a mão. Lamento,
senhora, é só agora mesmo. Mas o que eu faço com agora, estou equilibrando os pratinhos
para não caírem, vai passar, é um dia a menos agora, agora tem um monte de
gente no restaurante, vai lá agora então, mas agora a taxa ainda está alta,
quando ela cair eu volto, volto depois. Depois? Já não sei mais que dia é hoje,
não sei mais quando é depois. O depois está chegando igualzinho ao agora há uns
seis meses. Ou há uns seis anos?
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