24.12.21

Cartão de Natal

 - Oi, tudo bem? Ainda não nos conhecemos, mas eu queria conversar sobre uma proposta. Pode falar?

- Oi, quem é?

- Mamãe Noel 😊.

- Terceira mensagem de golpe hoje, mas “Mamãe Noel” ainda não tinham inventado. De qualquer forma, não vou emprestar dinheiro.

- Não é golpe, posso provar: recebi sua carta de Natal. “Papai Noel, quero que não surjam novas variantes de coronavírus e que Fora Bolsonaro se realize”.

- Vocês usam Whatssapp aí? Por que me fazem mandar cartinhas há anos?

- Os Correios eram nosso patrocinador, acordo de exclusividade, mas fechamos com o Meta agora.

- Ainda bem que não foi TikTok, eu não faria dancinha com as mãos para ganhar presentes.

- Esse ano os pedidos já podem ser feitos por direct no Instagram.

- Tipo flerte.

- Isso, está em fase beta ainda porque estou avaliando o risco de nudes.

- Quem mandaria nudes para Papai Noel?

- Você não tem ideia!

- Achei que só sexualizassem você. Qual é a proposta, aconteceu alguma coisa com o Papai Noel?

- Me ouviu.

- Está tudo bem com vocês?

- A vida, altos e baixos, mas estamos em uma fase boa do casamento, sendo companheiros, até transando.

- Não estou preparada para sexo e Papai Noel na mesma frase.

- Preconceito com a vida sexual dos idosos?

- Desculpa. Vou ganhar meus presentes?

- Você sabe que não somos o gênio da lâmpada, né?  Não realizamos desejos, entregamos presentes. Pode pedir algo produzível?

- Carnaval pode ser?

- Algo que possamos fabricar aqui.

- Então os duendes fazem tudo aí mesmo?

- Que duendes fazem tudo? Você já viu homem fazer tudo?

- Eu nunca soube muito bem o que você fazia na história.

- Nunca soubemos o que tantas mulheres fizeram na História.

- Sim. Achei que você fosse uma vovó fofinha da propaganda.

- Às vezes sou, às vezes não. Por isso te procurei: tenho lido uns livros, conversado com pessoas e decidi assumir meu protagonismo, quero sair da sombra do Noel. Estou montando uma nova equipe, mais diversa, e quero convidar você para participar.  

- Uau! Mas o que eu faria? Não me vejo como elfo, não sei se tenho perfil para rena... E trabalhar na Lapônia...

- Eu mesma já não estou mais presencial todo o tempo, implementei trabalho remoto. Quero rever contratos com marca de refrigerante, montadora de trenó, nosso figurino, modelo de gestão, renegociar direitos de imagem para exigir igualdade de exposição e cachê, penso até em cancelar umas músicas. Só criticavam a distribuição desigual de presentes, isso é a ponta do iceberg! Para a estrutura ninguém queria olhar.

- Uhn, revolucionária! Vai ter gente te chamando de Mamãe Noel comunista e cimentando chaminé com medo de você entrar, hein.

- Estou preparada para os haters, há anos só existo em sex shop e Halloween ou fazendo biscoitos como figurante. Estou nos bastidores há anos, cada vez que a Simone canta “então é Natal e o que você fez” tenho vontade de gritar a lista de coisas. Até helicóptero para Papai Noel descer no Maracanã já pilotei! Se não sou eu a organizar tudo por aqui, Noel e os duendes ficavam vendo futebol sem saber quem pediu o quê.  

- Estou chocada. E dou todo o apoio. Mas, se não é para ser duende nem rena, para o que você precisa de mim?

- Para contar a minha história.

- Só isso?

- Isso é o que nós mulheres mais precisamos que aconteça.

- Combinado, começo hoje mesmo!

- Sabia que poderia contar com você, obrigada. Feliz Natal, muito amor e paz pra você.

- E pra-vo-cê!

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