Expresso Darjeeling, identificado por mim como “tenembaums”, não vi, assim como não vi I´m not there, “Death Proof-Tarantino”, O outro lado da cama, A Captura dos Friedman nem Fay Grim, traduzido como “henry fool”. Eram tantos filmes selecionados que às vezes nem eu mesma sabia por que tinha marcado aquele se não rabiscasse uma dica ao lado. O disputadíssimo Paranoid Park, do famooooso Gus van Sant, nunca nem procurei na locadora. Tem filme que é de cinema, e essa opinião não mudou.
Encantada por Albergue Espanhol, me enfiei no São Luiz no meio de uma tarde pra ver Bonecas Russas, só tinha lá, estava esgotado em todos os outros lugares. Esgotado como Os Sonhadores, Aos Treze, Pieces of April, só Encontros e Desencontros consegui comprar com a antecedência precavida que revelava a solenidade da ocasião. E Antes do Pôr-do-Sol. Pra explicar o calafrio que a perda daquele avião no final causou seria preciso revelar a Teoria do Elástico, e se já nem me lembro mais às voltas com qual fantasma eu andava posso deixar essa memória pra trás. Já exorcizei Caché, que até hoje não entendi, e fique à vontade quem quiser explicar tanto entusiasmo por aquela galinha.
O suplemento do Globo publicado na véspera da abertura ajudava muito, mas antes disso já começávamos a confecção e comparação das planilhas com opções de lugares, dias e as cores indicando o grau de preferência de cada filme que queríamos assistir. Era legal dizer “o do Almodovar” ao invés de “Má Educação”, sendo que “La Mala Educacion” no original também valia. Ou vale ainda, não sei mais.
Esse ano eu vou. Vai começar o festival. Festival do Rio.
Sempre tinha um Almodovar pra causar rebuliço e os novatos poderem dizer que foram ao Festival. Ok, e os veteranos também, que não se contentavam em assistir à estréia massificada em circuito oficial uma semana depois. Como se Almodovar fosse massificavel... Era glamouroso depois dizer “é bom, vi no Festival”. E sempre tinha o Gael. Gael num filme do Gondry é uma combinação como morango e chocolate, tão delicioso, isso ficou. “Super-fine” é como ele definia se sentir em Science of Sleep, e a expressão virou uma piada interna. Ficou a lembrança tristonha daquela gargalhada a dois no escuro e uma rápida boa herança para espantar o saudosismo – Maggie May ainda toca! E sem danos que nem tudo é tão difícil, desde Lords of Dogtown, agradável surpresa apresentada pela companhia da época no finado Paissandu. Para completar o parágrafo-cemitério ele termina com caipirinha na fila do Odeon esperando a premiere de Noiva Cadáver de Tim Burton. Premiere no Odeon transforma um filme.
Um dia descobrimos que legenda queimada na tela indicava que o filme entraria em circuito depois, e até um site oficial com as estréias do ano era repassado para tranqüilizar quem não tivesse comprado ingresso a tempo na interminável e tensa fila do Estação. Acho que não precisa mais mofar na fila. Não sei.
Foi no Estação que conheci o cinema argentino e aprendi a dizer que, como o italiano, ele é diferente. Bom. Um inteligente, o outro sublime. Com os anos las películas ganharam uma platéia menos uniforme, figurinos além das camisas xadrez e tênis estilosos dos homens e das mulheres de saias largas e blusas sobrepostas fumando na porta. Já se pode tomar banho e fazer a barba antes de ver um filme do Festival. Eu acho.
Pra mim passou a fase de filmes raros com direito a perguntas para cineastas iranianas depois da exibição, uma vez presa em uma sala mínima com uma delas e superei essa necessidade de “coolzice-intelectual”, me permiti admitir que acho chato. Chato é bem diferente de interessante, mesmo em festival. Filme interessante no festival tem avant-premiere nas conversas prévias e só termina nos debates posteriores. Tem que cutucar.
Nunca consegui ver milhares de filmes seguidos e depois de um tempo aceitei nem marcar sessões antes das três da tarde, me tornei sincera e segura. Entrar de sala em sala é como excursão à Europa com dez capitais em sete dias, na volta o turista coloca Notre Dame em Roma e cinema no festival tem que ser a maior imersão, precisa de tempo para assentar.
Pra retrospectiva ficar completa falta preencher as reticências depois do verbo que define Ricardo Darin. Ricardo Darin é... meu “Un certain regard hors-concours”, e essa é a frase mais metida a cinéfila besta desse festival de "era assim". Esse ano ele está lá, talvez com Gael e um Almodóvar? Esse ano eu vou. Sair diferente, quem sabe um pouquinho mais reflexiva ou mais terna por uns pouquinhos minutos. Do cinema, é de onde vou sair diferente, e como se não fosse óbvio só então me dou conta de que ali é o lugar onde realmente estou quando estou em um lugar. Principalmente se tiver Ricardo Darin.
Esse ano quero ver José e Pilar. Porque o festival tem que me lembrar de uma beleza e talvez eu só a absorva ao me trancar em uma sala escura onde nada mais acontece. Por cerca de duas horas não há onde ir. Olhar e ouvir. E reparo na mesa ao lado do livro sobre os quinhentos filmes a serem vistos a gravura com frase do Warhol - “Art is what you can get away with.”.
Eu vou.
Preciso reaprender a ir embora sem medo de nunca mais voltar.
* Antes do pôr-do-sol, cinema Leblon, Festival do Rio 2004
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