2012, parte 1
Não sei se a
conversa começou pelo fim do casamento, pelo suicídio relatado no último dia feliz
dos cônjuges ou pela disputa de stand up paddle ali realizada. Ouvíamos as mais recentes descobertas psicanalíticas de um inquieto e no final do dia o que teríamos
aprendido é que a Holanda é na verdade uma província dos Países Baixos e a rua
Rainha Elizabeth homenageia a monarca da Bélgica, não da Inglaterra. Ele
continuava tendo nascido em São Paulo, filho de um pai ausente que foi o primeiro
judeu hippie dos arredores mundiais de Ashton-Heights. Por mais estranho que
seja imaginar em uma comunidade Flor, Pepeu, Baby e Jacob isso aconteceu e
eles andavam nus, diziam-se artistas e provavelmente não tinham rumo nem renda.
Foi assim que o menino aos quatro anos acabou catatônico por vinte e três horas
sentado na entrada do apartamento incensado.
2001, parte única
Àquela altura eu
já tinha montado uma tabela com valores convertidos de korona para euro, não
precisava mais fazer conta a cada produto, mas continuava vivendo como se o
próximo passo fosse a falência. Era o quarto dia de uma viagem de trinta e não
tenho a menor ideia de por que não acreditei que, me mantendo dentro do
orçamento diário, as refeições e compras inerentes ao passeio estavam
garantidas. Vai ver eu não acreditava em nada que saísse de mim ou temia que
algo inesperado surgisse e eu não soubesse como lidar. Sempre achei melhor me
prevenir.
2012, parte 2
Durou de abril a
dezembro a tentativa de reconciliação e ele recomenda que não se perca tempo
com terapia de casal nem se conte historias de suicidas a pessoas que não falam
sobre seus incômodos. Ela o abandonou, não virou hippie nem ele – ao menos pelo
que incluiu no relato – catatônico.
Continuava na
nossa frente a disputa de stand up paddle e eu pensava que aquele esporte era
novo, tempos atrás era só surf. A areia com os pombos continuava igual, o morro
com as casas, prédios com vista para o mar, barracas, cadeiras, turistas, automóveis,
biscoitos, bebidas, sudoestes, sujeiras, salvamentos e eu.
2012, parte 3
Sempre
vem o pensamento de que deveríamos estar gratos pela vida que temos quando um poeta
não a tem mais. Em um dia ele surgia pelo meio das plantas, no outro morria de
pancreatite, nem ao menos entendi o que faz o pâncreas.
Tenho
e-mails sem resposta, problemas sem resposta e textos sem final. Mais um
diálogo na praia, novidades sobre a Holanda e
problemas de conexão inter-assúntica. Vivo fragmentos, breve em frangalhos.
Vivo entre os amigos que declamavam nomes ao jazigo para cada qual dizer-se
“presente”. Entre tantas pessoas uma ausência, jogassem na cova os vazios de si
e a sepultura viraria montanha que subiriam escalando para descobrir lá no alto
que chegou-se ao final.
Ausências,
demências, carências, problemas sem resposta e textos sem moral. E assim vão se
entorpecendo para não sentir o que dói lá dentro e um dia com tanto analgésico
morre-se de um pâncreas em silêncio.
Morre-se
de silêncio todos os dias.
Morre-se
todos os dias.
Silêncio.
2012, parte 4
Os olhos dele não
abriram mais, e ela ficou para sempre com aquela indefinição e eu fiquei com os
meus cheios de lágrimas e milhares de indefinições e uma vontade poética de
viver com elas. Ou sem elas. Viver apesar delas, à margem delas, na companhia,
da forma que for só não mais à mercê de solucioná-las – não há solução. Nem
para tudo existe resposta.
Então, inquieto, o
que agora lhe digo é para interromper as perguntas. Eu sei, há que se acalmar
isso aí dentro – e, por favor, não com tantos analgésicos. Busquemos, pois, distrações
diversas, ocupemos a mente, façamos com as minhocas o mesmo que com as crianças à
mesa - distraia-as com aviões imaginários. Brinque. Leve, vai.
Já arrumei
gavetas e sei que às vezes nem tudo cabe.
2 comentários:
Devia vir com uma epígrafe "evite ler no trabalho".
(essa verificação de caracteres, por sua vez, devia vir com uma opção "for dummies")
Dentre tanta coisa boa que li aqui, esse é dos melhores!
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