18.3.12

Partes


2012, parte 1
Não sei se a conversa começou pelo fim do casamento, pelo suicídio relatado no último dia feliz dos cônjuges ou pela disputa de stand up paddle ali realizada. Ouvíamos as mais recentes descobertas psicanalíticas de um inquieto e no final do dia o que teríamos aprendido é que a Holanda é na verdade uma província dos Países Baixos e a rua Rainha Elizabeth homenageia a monarca da Bélgica, não da Inglaterra. Ele continuava tendo nascido em São Paulo, filho de um pai ausente que foi o primeiro judeu hippie dos arredores mundiais de Ashton-Heights. Por mais estranho que seja imaginar em uma comunidade Flor, Pepeu, Baby e Jacob isso aconteceu e eles andavam nus, diziam-se artistas e provavelmente não tinham rumo nem renda. Foi assim que o menino aos quatro anos acabou catatônico por vinte e três horas sentado na entrada do apartamento incensado.

2001, parte única
Àquela altura eu já tinha montado uma tabela com valores convertidos de korona para euro, não precisava mais fazer conta a cada produto, mas continuava vivendo como se o próximo passo fosse a falência. Era o quarto dia de uma viagem de trinta e não tenho a menor ideia de por que não acreditei que, me mantendo dentro do orçamento diário, as refeições e compras inerentes ao passeio estavam garantidas. Vai ver eu não acreditava em nada que saísse de mim ou temia que algo inesperado surgisse e eu não soubesse como lidar. Sempre achei melhor me prevenir.  

2012, parte 2
Durou de abril a dezembro a tentativa de reconciliação e ele recomenda que não se perca tempo com terapia de casal nem se conte historias de suicidas a pessoas que não falam sobre seus incômodos. Ela o abandonou, não virou hippie nem ele – ao menos pelo que incluiu no relato – catatônico.
Continuava na nossa frente a disputa de stand up paddle e eu pensava que aquele esporte era novo, tempos atrás era só surf. A areia com os pombos continuava igual, o morro com as casas, prédios com vista para o mar, barracas, cadeiras, turistas, automóveis, biscoitos, bebidas, sudoestes, sujeiras, salvamentos e eu.

2012, parte 3
Sempre vem o pensamento de que deveríamos estar gratos pela vida que temos quando um poeta não a tem mais. Em um dia ele surgia pelo meio das plantas, no outro morria de pancreatite, nem ao menos entendi o que faz o pâncreas.
Tenho e-mails sem resposta, problemas sem resposta e textos sem final. Mais um diálogo na praia, novidades sobre a Holanda e problemas de conexão inter-assúntica. Vivo fragmentos, breve em frangalhos. Vivo entre os amigos que declamavam nomes ao jazigo para cada qual dizer-se “presente”. Entre tantas pessoas uma ausência, jogassem na cova os vazios de si e a sepultura viraria montanha que subiriam escalando para descobrir lá no alto que chegou-se ao final.
Ausências, demências, carências, problemas sem resposta e textos sem moral. E assim vão se entorpecendo para não sentir o que dói lá dentro e um dia com tanto analgésico morre-se de um pâncreas em silêncio. 
Morre-se de silêncio todos os dias.
Morre-se todos os dias. 
Silêncio.

2012, parte 4
Os olhos dele não abriram mais, e ela ficou para sempre com aquela indefinição e eu fiquei com os meus cheios de lágrimas e milhares de indefinições e uma vontade poética de viver com elas. Ou sem elas. Viver apesar delas, à margem delas, na companhia, da forma que for só não mais à mercê de solucioná-las – não há solução. Nem para tudo existe resposta.
Então, inquieto, o que agora lhe digo é para interromper as perguntas. Eu sei, há que se acalmar isso aí dentro – e, por favor, não com tantos analgésicos. Busquemos, pois, distrações diversas, ocupemos a mente, façamos com as minhocas o mesmo que com as crianças à mesa - distraia-as com aviões imaginários. Brinque. Leve, vai. 

Já arrumei gavetas e sei que às vezes nem tudo cabe.

2 comentários:

Julieta disse...

Devia vir com uma epígrafe "evite ler no trabalho".

(essa verificação de caracteres, por sua vez, devia vir com uma opção "for dummies")

Gustavo disse...

Dentre tanta coisa boa que li aqui, esse é dos melhores!