30.6.07

Quando ele está aqui

Fã que é fã canta com as mãos para cima, os punhos levemente inclinados para trás. A melhor de todas pulava na cadeira a cada “eu te amo, eu te amo, eu te amo” do Rei para gritar “eu também”, e ele dava um risinho. Não é um show minimalista, a orquestra é enorme (e de catiguria, o Rei assume que vê novela), as luzes são imponentes, há escuros silenciosos e de repente no palco surgem cadillacs e calhambeques para delírio das moças. Para quem está acostumada a marisas e hermanos contidos, Roberto é verborrágico. Simpaticíssimo. O Rei é um visionário, aquilo sim é interatividade! Eu sabia que ficaria desconcertada quando ele entrasse, cumprimentasse o maestro, fechasse os olhos e começasse Emoções. Não sabia que a noite revelaria uma outra faceta de Roberto Carlos.
Ele fala sobre as músicas da Jovem Guarda, “elas eram ingênuas. As canções, nós não”. Hehe. Eu sei, Rei, está no livro censurado. E diz que depois dessa fase veio a hora de liberar a sexualidade contida. O Rei é praticamente o Wando. Obsceno! Um homem pede “Cavalgada” e, depois da risadinha, RC manda “calma, bicho”. Se alguma daquelas senhoras jogasse uma calcinha no palco eu seria obrigada a me retirar. Começa a série “Rei para maiores” e ele canta a tal “Cavalgada”. Quem se espantou com a presença de Mc Leozinho no especial de fim de ano é bobo. Pelo que parece RC já chamava mulher de potranca desde os tempos em que elas eram uma brasa, mora? “Vou cavalgar por toda a noite/ Por uma estrada colorida/ Usar meus beijos como açoite/ E a minha mão mais atrevida.” Podemos voltar a Detalhes? Nunca pensei que o tapa que ele levou em Splish Splash fosse metáfora para um tapinha não dói. O Rei acaricia sensualmente o indefectível microfone torto e eu penso “Jesus Cristo, onde está você?”. Uma letra fala em peitos, ele faz o símbolo com as mãos. E o problema era Negro Gato? Ele canta Negro Gato e diz que a terapia fez efeito. Estou vendo. Mas acho que tinha algum verso estranho em Além do Horizonte...
Chega a tradicional distribuição de rosas. As mulheres saem correndo. Nem precisa, são milhares de buquês! Ele separa uma branca e guarda, vai beijando e entregando as outras diretamente para as felizardas, não permite que nenhuma desarvorada roube a flor de quem ele escolheu para recebê-la. Separa duas vermelhas do último buquê, dá tchau e sai.
O Rei é clássico.

29.6.07

:-((

"Ufa! Estou quase terminando o artigo pedido, e consegui chegar até aqui sem usar a palavra “adeus”, a não ser no título. Como diriam Chitãozinho e Xororó, “não aprendi a dizer adeus”. Um parênteses. Por essa vocês não esperavam, né? O Tutty vai dizer que já escolhi melhores autores para citar. Acho que está mesmo na hora de ir embora. A que ponto cheguei para fugir da obrigação que meus editores me impuseram de fazer uma despedida. Pra não dizer adeus, sou capaz até de baixar o nível do meu gosto musical." - Zuenir Ventura.

No Minimo (2005 - 29/06/2007). Morte súbita.
Não li o adeus do Tutty Vasques. É sexta-feira, está chovendo.
Volta e meia eu tenho a sensação de que não é possível que ninguém vá tomar alguma providência.

25.6.07

Yeah, totally...

Felizes são os bebezinhos com suas necessidades vitais, os adolescentes com seus problemas existenciais, os adultos com seus problemas sócio-econômicos e os velhinhos com seus problemas que ainda não sei quais são. Naquela etapa entre Rebeldes e auto-escola, alguém nos ajude. Danem-se eles, o desespero é nosso. Eles não costumavam se trancar nos quartos e viver deprimidos em seus mundos particulares? Onde foi parar isso?
Chegaram em bando no cinema, entre outros motivos porque têm problemas de locomoção: nem pensar em ônibus, nem pensar em poder dirigir um carro. Os pais estão ocupados fazendo outras coisas. Com aquelas roupas parecem duendes, não por usarem peças coloridas e gorrinhos, mas porque os modelos não foram criados para seres daquele tamanho. As garotas têm os corpos gorduchinhos de quem ainda não chegou na fase anoréxica em que não saberão lidar com as curvas sonhadas pelas mais velhas. Vieram de uma festa junina sobre a qual comentam e continuarão comentando durante a próxima hora e meia, por acaso o mesmo tempo do filme que compraram para assistir. Penso se engoliram a Paris Hilton, não fosse a presidiária mais monossilábica do que elas.
Entre o cinema e o bar tem um pipoqueiro, um poste, uma rua com carros, um banco e mesinhas na calçada. Temo que algum dê com a cara nos obstáculos devido à visão comprometida pelos cabelos caindo nos olhos. Enquanto eles comem, elas conversam sei lá, tipo mil coisas, apoiando o peso do corpo em uma perna e intensificando a lordose/escoliose agravada pela preocupação em carregar nos ombros uma bolsa murcha já que completamente vazia.
Entramos na sala e sinto saudade dos espectadores que comem balas e esquecem de desligar o celular. Uma profusão de “shhhh” dos adultos estimula a rebeldia grupal e penso se eles são tolhidos de comunicação verbal em casa por isso precisam extravasar. Voa na cabeça de um cidadão civilizado uma almofada que o cinema deixa à disposição de crianças. Torço por sangue. O homem se controla e sua fúria acalma as criaturas. Quem aposentou os lanterninhas? Shrek Terceiro começa. Não deve ter sido um caco exclusivo dessa sessão, mas vem bem a calhar que o ogro apareça em uma high school americana. Os mini-teen não entendem as piadas, logo, não se acanham e, ai, nada a ver, falam tipo todo o tempo e alto e prevêem as cenas mais óbvias que não requerem muito, sabe, cérebro, e o gatinho é muuuito fofo.
O filme acaba e eu vou ter que ver de novo, mas pelo menos valeu o texto e a decisão de mandar meus filhos para a Suíça a partir dos dez anos.

20.6.07

Pra fazer feliz a quem?

"Quantos não decepcionaram nosso voto? (...) Estamos, enfim, tratando aqui de hipótese absurda – a de Cristo ter um dia que ficar explicando que não sabia disso, não sabia daquilo –, estátuas não falam, mas, sei lá! Tem-se visto coisas! Já imaginou se depois de eleito ele cai lá de cima sobre uma comunidade pobre de Botafogo ou Santa Teresa?
Pensei nisso na quinta-feira, quando Lula subiu o morro."
Tutty Vasques

Vote no Cristo, mas antes leia Tribuneiros.

19.6.07

Uma brincadeira de papel

Estava na China agora, via fuçações internéticas. O site tem uma categoria “Felicidade é...”, onde, claro, cliquei: na China existe um trem do metrô adesivado de Snoopy! Peanuts está diretamente relacionado à felicidade - à minha - apesar de Charlie Brown ser um tanto quanto deprimido. Esse post poderia ser todo sobre Peanuts não fosse mais urgente o fato d’eu ter clicado em “Felicidade é” antes mesmo de ler o resto do site. Papai Noel não traz, e precisamos ser felizes ainda nesta vida.
Brotam livros sobre felicidade. Não só textos de auto-ajuda, alguns autores posicionam o debate filosoficamente e esse é o caso de Darrin McMahon, professor de história na Universidade da Flórida, que relata como os ideais e a percepção mudaram ao longo dos séculos, em diferentes culturas e lugares. Quando nos séculos 17 e 18 apareceu a noção de que nossas vidas não estavam mais nas mãos dos deuses, destino, sorte, etc, o Iluminismo trouxe a idéia de que devíamos buscar mais prazeres e tentar reduzir o sofrimento. Foi aí que a coisa pesou para nosso lado: opa, se der errado eu terei sido um incompetente? Como vou fazer isso? Que angústia.
O Fantástico (esse mesmo, do Cid Moreira) fez uma matéria sobre o tema. Tanto para o Alcides, dos cafundós do Brasil, quanto para o antropólogo Roberto da Matta, felicidade envolve coisas simples como tomar uma cerveja, passa por conquistas e momentos, e só se diferencia no rebuscamento da argumentação. Da Matta explica que felicidade é um estado de equilíbrio: “O paraíso, que também seria um lugar de felicidade plena, é um lugar de estabilidade. O paraíso não muda”. Não?
O professor Darrin acrescenta que a preocupação que temos hoje com a felicidade é um luxo – nos sobra tempo para pensar sobre isso graças à longevidade e outras questões resolvidas como pragas, fome e guerras. Aproveitando meu luxuoso ócio criativo, tenho prestado atenção a um outro tipo de ciência, tentando relacionar seu prefixo a ações diárias - a paciência. Tendo a crer que é a única forma de aplacar o mal que acomete o mundo – pelo menos o meu – a ansiedade. Uma dose de fé não faz mal, e cada um acrescenta à receita o ingrediente que mais lhe agradar, mas recomendo a calma.
Artigo raro, vai ver produzido em larga escala no mercado negro chinês.

O pensamento parece uma coisa à toa
mas como é que a gente voa
Quando começa a pensar

13.6.07

Dá uma forcinha pro santo!

Logo na entrada dá para sentir o cheiro de broa de milho e, naturalmente, dos famosos pãezinhos. Ele chega um pouco atrasado, o que nos dá tempo para olhar ao redor, e vai logo se explicando: "Ainda bem que você não é ansiosa, sabe quantas vezes sou agredido por esses meus atrasos?" Antonio desmarcou a conversa diversas vezes, mas garante que há tempos quer esclarecer como funcionam as coisas no seu departamento.

O santo não se atrasa por excesso de pedidos, difícil é separá-los. Para ele mesmo, sobram poucos. “Não é o caso de terceirizar por preguiça, mas de encaminhar corretamente. Antigamente chegavam súplicas que, juro por Deus, nem Ele resolveria. A mulher era chata, grudenta e já tinha escolhido o homem para casar no próximo mês porque a lipo estava marcada. Hoje não sofro mais por isso, nosso sistema encaminha a fiel para Rita de Cássia e ela tem todo um know-how em causas impossíveis assim. Confesso que aprendi um bocado com o tempo também, você não imagina a quantidade de gente que quer casar. Isso é o mais fácil, minha filha! Casar qualquer um casa porque tem é pessoa carente no mundo. Sendo essa a condição única, beleza. Santo Expedito, nem me preocupo – causas urgentes. Não é preconceito, dependendo da mulher nem ela quer que o pedido passe por aqui”.

Nada tira o bom humor do santo, a não ser falar sobre a moça que primeiro o jogou pela janela. “Conversávamos muito, mas existiam outras questões a resolver e ela não quis entender, achou que era tudo minha culpa e zum, lá fui eu quarto afora pelos ares. Tinha que cair em algum lugar, é física e não religião. Caí na cabeça de um pedestre e acabou que eles se casaram. Não fui eu! O boato se espalhou e todos os dias alguém me coloca de cabeça para baixo, dentro do armário, arranca até o menino Jesus dos meus braços. Não gosto desse tipo de coisa não, deduro logo para São Gangulfo. Quase ninguém sabe, mas ele é o santo dos adultérios. Depois dele, só São Theodoro na reconciliação ou Santa Adelaide no segundo casamento. Acabam intercedendo junto a mim, mas preciso acabar com essa moda de me punir.”

Os pedidos não param de chegar e reparo que Santo Antonio encaminha um para São Longuinho. “Esse trabalha também. Não é só chave que ele acha não, tem gente que perdeu amor no mundo, deixou escapar a chance e quer uma segunda. Os pulinhos não são só de alegria, é o pagamento. Contamos com a ajuda até de São Jorge aqui, não porque em alguns casos só sendo muito guerreiro mas pelo costume catalão de presentear com livros e flores no dia dele. Acaba funcionando. Essa questão cultural ajuda muito, basta olhar ali a sala de São Valentim e Santa Catarina de Alexandria, lotadas! A verdade é que eu, minha filha, fui promovido e hoje só atendo os casos mais graves. Não os desesperados – esses esgotam a paciência de São Judas – mas aqueles que dão mais trabalho. As tais mulheres que escolhem. Inventaram de estar bem sozinhas e querem alguém que some, não complete. Além de tudo querem ser felizes! Ah, saudades de quem pedia só véu e grinalda...”

11.6.07

Cara estranho

Tem que trocar o ingresso comprado pela internet por outro na hora. Lotou tão rápido que marcaram um show extra. É feriado, vem gente do país todo. Será que haverá suicídio coletivo em um final digno de seitas? É o último!
Contrariando expectativas, saímos para a despedida uma hora antes (sem cadeiras de praia, isopor com alimentos ou kit de primeiros socorros), estacionamos o carro, entramos na Fundição Progresso sem enfrentar fila e nos posicionamos na platéia. “Será melhor ficarmos no segundo andar? Aqui está muito na frente, seremos esmagados. Não solta da minha mão, se nos perdermos o ponto de encontro é aqui”.
Esperamos o show começar, os fãs cumpriam sua parte com os uuus e palmas. A banda entrou. “Moça, olha só o que eu te escrevi”... O Camelo usava um figurino simbólico, fiquei na dúvida se de pastor ou morto do interior, mas o tamanho do terno atestava que o defunto era maior. Era Quincas Berro d’Água. Eles, os blasés, estavam anormalmente animados e simpáticos, percebi umas quatro comunicações com o público e, apesar do som de cinema dos anos 70, captei a deixa “sola, Camelo!”, e vi corridinhas da dupla através dos telões. Não que eu não conseguisse ver o palco, na ponta dos pés enxergava o cocoruto da cabeça deles mas evitava ficar assim porque, se desequilibrasse, cairia em cima do ser humano sem camisa que estava a 0,5 centímetros de mim. Estranho a Red Nose patrocinar o show do Los Hermanos, mas é acreditar nisso ou que a moda camisa listrada e barba foi substituída por cuecas de tal marca aparecendo para fora da calça. Eles seguiam - "canta para mim, qualquer coisa assim sobre você". Um ambulante tentou atravessar a multidão com um carrinho de cerveja. Desconfiei que eu estivesse no show errado. Me acalmei quando o grupo perguntou “quem é mais sentimental que eu” e os donos das cuecas Red Nose fecharam os olhos, levantaram os braços de punhos fechados e gritaram a letra. Alguns se abraçaram. Eu não chorei. "Iaiá, se eu peco é na vontade de ter um amor de verdade". Uma menina perto de mim começou a pular de maneira diferente das outras. Era uma barata que subia pelas pernas dela. "Quem te vê passar assim por mim não sabe o que é sofrer". Alguns súditos negociavam com caras não muito amáveis seu espaço na massa enquanto eu torcia para que as próximas músicas seguissem melancólicas temendo o que aconteceria se puxassem “dai-me outro viés de ilusão pois minha paixão tu não compras mais com teu olhar”.
Lembrei dos shows em que saí de alma lavada, era só mais um, eles traduzem melhor o que eu sinto do que eu mesma, diria uma fã a um jornalista. As serpentinas voaram em Todo carnaval tem seu fim. Deixa eu brincar de ser feliz em outro lugar. Percebi quando o Amarante tentou ver o público e fiz aquele sinalzinho de mais tarde nos falamos, depois eu vou praí te ver. O Jamari França foi ao camarim e, engasgado com o fora, recebeu um email do Marcelo.

Eu sabia que você tinha entrado a trabalho mesmo contrariando o nosso pedido (...). Nós todos sabíamos que não era a hora de entrevista e a falta de educação tem muito a ver com o acordo entre a atitude e o lugar. Peço desculpas se não soube escolher as palavras com o cuidado devido (acho que disse "que perguntinha escrota?") e mando-te um beijo estalado na bochecha pra ver se cura qualquer ressaca tá?"

Para mim restou ouvir o CD em casa e guardar na lembrança o show do Morro da Urca como o último “transe coletivo”. Hasta la vista, hermanos. Com 15 mil pagantes e ingressos a 100 reais pode ser que vocês demorem a voltar. Ter e perder alguém...

7.6.07

Os poderes de Greyskull

Você pode acordar e ir trabalhar ou faltar e ver todas as estréias da locadora. Pode vestir um terno ou decidir que hoje vai casual mesmo que não seja Friday. Pode almoçar no restaurante ali da esquina ou andar mais um pouco e arriscar um novo. Pode ir para a academia de noite ou caminhar no parque ouvindo musica. Pode dormir com a TV ligada ou ligar para alguém com quem não fala há tempos. Pode ver se tem outro caminho ou seguir naquele mesmo já seguro e conhecido.Você pode fazer Administração, Direito ou Economia ou pode não fazer faculdade por um ano para estudar línguas, arte e viajar por aí. Você pode se formar e começar uma pós-graduação ou descobrir que não tem idéia do que quer ser quando crescer. Pode fazer musculação ou pilates ou não fazer nada. Pode nunca sair de casa sem estar besuntada de protetor solar ou torrar no sol e usar biquíni branco no inverno.

Você pode ficar com todos os caras que te olham ou não gostar nunca de ninguém. Pode reclamar do que te incomoda ou esperar para ver se passa.Você pode guardar muito dinheiro para ter um carro zero ou andar de ônibus e ter mais sapatos do que Imelda Marcos. Pode tocar vários instrumentos ou entender sobre musica o tanto quanto o I-Tunes permite. Pode ligar para ver se volta ou acreditar que o que passou, passou. Pode saber de cor quantas calorias tem em cada alimento ou fechar a boca sempre que a calca jeans apertar. Você pode ler todos os clássicos ou os quadrinhos do jornal. Pode sair todas as noites ou dormir oito horas por dia. Pode falar com seus amigos toda hora ou deixar scraps de vez em quando. Pode viver num apartamento onde, se entrar correndo, cai pela janela ou pode ligar para seus pais avisando quando não vai dormir em casa. Pode conversar para chegar a um acordo ou desistir porque não vale a pena.

Você não pode não lembrar do que queria quando era pequeno, não pode não saber se quem te importa está bem, não pode não conhecer o lugar com o qual sempre sonhou, não pode não dar uma chance se há uma pequena possibilidade de funcionar, não pode não saber quais musicas e filmes te fazem chorar e quais te fazem feliz, não pode não descobrir por que está se sentindo mal há tanto tempo, não pode não ter algo só seu, não pode não ter alguém com quem contar e não pode não ter um motivo qualquer para continuar.

Você não pode um dia acordar e ver que não se lembra como tudo ficou assim. Pelo menos não deve.


publicado em Seu Martin 1a encarnação.

3.6.07

Sau-dá-dji

A noite e a chuva que cai lá fora.

Publicaram esse estudo, quais as palavras mais difíceis de serem traduzidas. No dialeto tshibula, Ilunga é a pessoa que está disposta a perdoar maus-tratos pela primeira vez, a tolerar o mesmo pela segunda vez, mas nunca pela terceira. Tem palavra para isso. E gente ilunga. Em ídiche, Shlimazl é uma pessoa cronicamente azarada. Não é amaldiçoada, nem só azarada, é quem sempre se dá mal. A terceira da lista é a polonesa Radioukacz, nome para quem trabalhou como telegrafista nos movimentos de resistência ao domínio soviético nos países da Cortina de Ferro. Ahn?
Saudade é a sétima palavra. A dor da ausência. Saudade dói. Você não está mais aqui. Show de bola, ferrocarril, gostoso, sambinha, o dia vai nascer de novo e você não está mais aqui. Quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue*, dá saudade. Quando fica lá longe. Quando não é desejo de voltar, mas a vontade de que pudesse estar aqui. Fico eu com essa lista de assuntos para falar e se você estivesse aqui possivelmente eu nem me obrigaria a começar. Ainda não perguntei tudo e esqueci de contar algumas histórias. Será que esqueci de vivê-las a dois ou foi o tempo que esqueceu de demorar mais para que elas pudessem existir? Você gosta? O que você acha? Você vai comigo? Nos vemos depois? Não tem ninguém e eu aqui Pochemuchka, que em russo é quem faz perguntas demais.
Quando não apertam as lembranças mas sim o que ainda está por vir e quero aproveitá-lo logo, dá saudade. Em árabe, Altahmam é um tipo de tristeza profunda, quem sabe igual a saudade! Quem disse que saudade é bonito não viu que acenderam a luz, as cadeiras estão sobre as mesas e não toca mais música. Quando eu queria só mais um pouquinho. Quando "como foi bom"! Mas não tem mais. Pode ter em outra hora, mas não agora. Agora, é vazio.
Quem se importa com o nome do telegrafista?
Será que saudade só tem aqui?

Solidão apavora, tudo demorando em ser tão ruim.

*Adriana Falcão

2.6.07

Ligue os pontinhos

Nessa semana Steve Apple Jobs e Bill Microsoft Gates se encontraram em um debate sobre tecnologia, e eu não estava lá. Junto com os meninos do Google eles mudaram a minha vida, e deveríamos ser mais próximos.

Nas alfinetadas civilizadas falaram sobre a campanha Get a Mac, onde Mac e PC conversam sobre funcionalidades e diferenças. A cara do Bill Gates quando Steve Jobs disse que a idéia não é ser maldoso, mas que os dois personagens gostem um do outro, foi impagável. Os textos são brilhantes! (como cobaia do Windows Vista, às vezes rio para não chorar. Ok, vou comprar mais memória) Ele parecia pensar – ‘tudo bem, ponto para você. Me aguarde”. Os dois ali, calça jeans, milhões no bolso, I’m the king of the world, personalizam a idéia de que ter um adversário que te provoca uma risada e um ok, vamos lá, vou fazer melhor, pode ser o sonho de qualquer ser cerebrado. Desafios e admiração mútua.

Há cerca de dois anos Jobs discursou para os alunos de Stanford. “Isso é o mais perto que já cheguei de uma formatura”. Ele largou a faculdade aos 17 anos, em uma história que começou quando nasceu. O casal que deveria adotá-lo desistiu na hora H, e sua mãe biológica só aceitou os novos pais porque eles prometeram mandar o garoto à faculdade. Eram os segundos na lista e receberam a ligação no meio da noite: “Temos um menino inesperado, querem ficar com ele?”

Anos depois, a faculdade de Steve custava todo o dinheiro que os pais juntaram na vida, e ele não tinha a menor idéia do que queria fazer. Decidiu sair e confiar que tudo correria bem. “Foi bastante assustador na época, mas olhando para trás vejo que foi uma das minhas melhores decisões”. Porque ele ficava vagando pelo campus e dormindo no quarto de amigos, resolveu cursar caligrafia. Dez anos depois desenvolveu a tipografia do Mac, copiada pelo Windows, e hoje eu agradeço à professora de caligrafia do garoto inesperado. “Não dá para ligar os pontos olhando para o futuro, só para o passado. Acreditar que os pontos vão se ligar vai te dar confiança para seguir seu coração, mesmo que isso te leve para um caminho diferente do previsto”.

Logo depois ele montou uma empresa na garagem. Lançou o Mac. Tinha 30 anos. Foi demitido. Visões diferentes do sócio, a diretoria escolheu o outro, o cara tinha falhado e o mundo inteiro sabia. Era como se tivesse deixado cair o bastão que recebeu. Acabou. “Devagarzinho uma coisa começou a acontecer. Tinha sido rejeitado, mas continuava apaixonado pelo que fazia.” Não é tão simples como parece lendo, e o resto é historia: ele criou a Next, que foi comprada pela Apple e hoje é o coração da empresa, criou a Pixar, maior estúdio de animação do mundo, e formou uma família. “Como em todos os assuntos do coração, você precisa descobrir o que ama para trabalhar nisso. E vai saber quando encontrar”. Precisa repetir que foi o Steve Jobs quem disse isso?

De volta ao debate em que eu não fui. “I think of most things in life as either a Bob Dylan or a Beatles song”, e citou Two of Us para definir sua relação com Bill: “You and I have memories longer than the road that stretches out ahead”.

God! E eu escrevo isso em um PC…

1.6.07

30 incertezas na mesa do bar

Julia Roberts estava largada no chão, miserable. Paul Giamatti era o cara do hotel. Entre cigarros, solta a palavra do Senhor: “This too will pass”.
Filosofar é preciso em Tribuneiros.com. Porque na vida, sabe como é, só sobram motorista e trocador.