(É sobre dançar na chuva de vida que cai sobre nós*)
Quando o
bloco acaba você sai andando sozinha. Vai ficando para trás aquele som, cada
vez mais baixinho. As milhares de pessoas sorridentes saltitantes, sempre
algumas lágrimas por celulares roubados e corações apertados que transbordam na
euforia, todos os rostos que misturados não são ninguém, pintura
impressionista. São abraços, cansaços, uma desordem para explodir qualquer coisa
que se precisa extravasar. E acaba, porque o mundo tem essa lei de que tudo
acaba. Para mim nunca acaba na hora. Mesmo que o corpo peça, o estômago ronque,
a perna fraqueje, o olho turve e seque, a bebida acabe, a razão impere, dentro
de mim, em algum canto, não sei quê quer abraçar os tamborins e fazer o povo
inteiro sambar.
Só quem viu
que pode contar.
“A gente está
cansado”, ele falou, sério. “No ano que vem, se tiver ano que vem, a gente
precisa contratar alguém para revezar.” Eu sempre desconfio se haverá ano que
vem, mas acho que ele se referia ao desfile do bloco.
Eu já fui bailarina, mágica, cigana, alemã, gato da Alice, elas enfermeiras,
eu num avião pra Nova York poucas horas depois de cruzar a José Linhares e
querer me perder naquele mar naquele tempo em que íamos até lá. Naquele tempo
em que começávamos na Academia da Cachaça e reabastecíamos no Bracarense.
Quando mal precisava de corda. Tempo em que a gente ia e voltava. Naquele tempo
eu achava que nada tinha volta! Que bom que o tempo passa. Houve um tempo em
que choviam rosas do céu. Hoje ganho rosas em mãos, sempre com um sorriso
acompanhado de uma vontade Titanic de do alto do caminhão gritar “eu sou o rei
desse mundo!”, que no Carnaval todo mundo é rei, olhos pra cima de braços abertos
exaltando alguém que vive dentro da gente quase sempre sufocado e na mistura do
surdo com o repique ganha habeas corpus pra sair. É tão bom estar aqui.
“Você os
chantageia depois? Deve ter muito flagrante aí!” o ambulante brincou, flagrando
meu disfarce de invisível vendo o bloco passar pela lente da câmera. “Esse seu
celular é pequenininho, mas deve ter um monte de foto” exclamou, esquecendo que
para alguns ainda existem câmeras que são só câmeras.
Tem quem
parece não envelhecer, quem prefere as gringas, quem tem um monte de “amiga”,
quem esse ano não estava lá, quem ultimamente eu só vejo pela TV, quem eu
conheço há anos e ainda não sei quem é, quem é o dono dessa festa, quem vem de
longe, quem sorri em me ver, quem mal externamente sorri, quem deixou as
crianças em casa e aproveitou a folga pra fugir de si, quem quer voltar, quem
tem mania de aprontar, quem já há uns anos pensa “esse é o último, ano que vem
não dá”, quem quando acaba suspira “um ano até o próximo, como eu vou aguentar
até lá?”. Tem quem ache que do ultimo pra cá passou voando! Passou não,
aconteceu coisa à beça, muito mudou, o que continua igual é que quando acaba o
bloco, baixa a corda, Faísca respira, os meninos se abraçam, os apreciadores de
um novo estranho Carnaval correm para outras aglomerações, alguns ritmistas
ficam e ali a gente é, sempre... Imagina? Muito feliz.
*Trem Bala, Ana Vilela
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