20.2.17

Imagina



(É sobre dançar na chuva de vida que cai sobre nós*)

Quando o bloco acaba você sai andando sozinha. Vai ficando para trás aquele som, cada vez mais baixinho. As milhares de pessoas sorridentes saltitantes, sempre algumas lágrimas por celulares roubados e corações apertados que transbordam na euforia, todos os rostos que misturados não são ninguém, pintura impressionista. São abraços, cansaços, uma desordem para explodir qualquer coisa que se precisa extravasar. E acaba, porque o mundo tem essa lei de que tudo acaba. Para mim nunca acaba na hora. Mesmo que o corpo peça, o estômago ronque, a perna fraqueje, o olho turve e seque, a bebida acabe, a razão impere, dentro de mim, em algum canto, não sei quê quer abraçar os tamborins e fazer o povo inteiro sambar.

Só quem viu que pode contar.

“A gente está cansado”, ele falou, sério. “No ano que vem, se tiver ano que vem, a gente precisa contratar alguém para revezar.” Eu sempre desconfio se haverá ano que vem, mas acho que ele se referia ao desfile do bloco.

Eu já fui bailarina, mágica, cigana, alemã, gato da Alice, elas enfermeiras, eu num avião pra Nova York poucas horas depois de cruzar a José Linhares e querer me perder naquele mar naquele tempo em que íamos até lá. Naquele tempo em que começávamos na Academia da Cachaça e reabastecíamos no Bracarense. Quando mal precisava de corda. Tempo em que a gente ia e voltava. Naquele tempo eu achava que nada tinha volta! Que bom que o tempo passa. Houve um tempo em que choviam rosas do céu. Hoje ganho rosas em mãos, sempre com um sorriso acompanhado de uma vontade Titanic de do alto do caminhão gritar “eu sou o rei desse mundo!”, que no Carnaval todo mundo é rei, olhos pra cima de braços abertos exaltando alguém que vive dentro da gente quase sempre sufocado e na mistura do surdo com o repique ganha habeas corpus pra sair. É tão bom estar aqui.

“Você os chantageia depois? Deve ter muito flagrante aí!” o ambulante brincou, flagrando meu disfarce de invisível vendo o bloco passar pela lente da câmera. “Esse seu celular é pequenininho, mas deve ter um monte de foto” exclamou, esquecendo que para alguns ainda existem câmeras que são só câmeras.

Tem quem parece não envelhecer, quem prefere as gringas, quem tem um monte de “amiga”, quem esse ano não estava lá, quem ultimamente eu só vejo pela TV, quem eu conheço há anos e ainda não sei quem é, quem é o dono dessa festa, quem vem de longe, quem sorri em me ver, quem mal externamente sorri, quem deixou as crianças em casa e aproveitou a folga pra fugir de si, quem quer voltar, quem tem mania de aprontar, quem já há uns anos pensa “esse é o último, ano que vem não dá”, quem quando acaba suspira “um ano até o próximo, como eu vou aguentar até lá?”. Tem quem ache que do ultimo pra cá passou voando! Passou não, aconteceu coisa à beça, muito mudou, o que continua igual é que quando acaba o bloco, baixa a corda, Faísca respira, os meninos se abraçam, os apreciadores de um novo estranho Carnaval correm para outras aglomerações, alguns ritmistas ficam e ali a gente é, sempre... Imagina? Muito feliz.  


*Trem Bala, Ana Vilela

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