Mais cedo tinha visto o Zico dizer
na TV que futebol é um assunto de família, uma paixão que os pais transmitem
aos filhos em cada partida que assistem juntos na TV, nos jogos em que levam as
crianças aos estádios e nas histórias que contam daquele campeonato de mil
novecentos e lá vai muita bolinha. Deve ser por isso que ela não sabe nem a
cara do Gabigol, não entende que tanto jogo acontece em uma semana. Seu pai veleja, velejadores não torcem desse
jeito, ninguém no mar fica pulando girando colete salva-vidas no ar entoando
gritos de guerra e gastando sinalizador.
Estava surpresa com a mobilização
das pessoas para aquela final. “É a final da Libertadores!”. Eu sei, mas você vai
para Lima por isso? Pensou até em viajar no dia para fugir da bagunça. “Vamos
no show do Skank à noite?” “Noite, tá louca? Não vai dar para andar se o
Flamengo ganhar!”.
As ruas estavam vazias como se
fosse Copa do Mundo (“é muito mais importante do que Copa do Mundo!”) Pelo
bairro, bares fecharam as portas, cientes de que não dariam conta de flamenguistas
em êxtase. Ambulantes e policiais se preparavam para receber os torcedores na
praça e se encaixavam nas janelas dos restaurantes e bancas de jornal para
assistir à partida nas TVs. Ela foi ao cinema. Foram oitenta minutos de silêncio
sepulcral. “Essa cidade vai explodir”, pensou. Até que alguém fez 2 gols nos 3
minutos finais do jogo.
As pessoas chegavam de todos os
lados, todas de vermelho e preto, com bandeiras maiores do que elas, cornetas, cervejas
e abraços ensopados pela chuva que qualquer inocente apostaria que espantaria a
comemoração. Um senhor com uma máscara de urubu na cabeça soltou um grito no
meio do shopping, sozinho, de repente. Um garoto caminhava para o BG cantando
olhando para o céu sem ninguém ao lado, sorrindo para si mesmo. Mulheres
andavam em um trote meio pulo-meio dança mexendo os braços ao som de um axé que
não tocava. Abrigados sob a marquise do Braseiro fechado ou soltos no meio da praça,
centenas de homens pulavam e cantavam os gritos da torcida repetidamente sem se
importar com a dor de garganta do dia seguinte. Ainda poderiam ser campões em
outro campeonato no dia seguinte. Se abraçavam e abraçavam quem passasse pela
frente, sambavam nas poças lotadas de chuva e cerveja e latinhas e sacos
plásticos e sabe Deus mais o quê. Estouravam fogos em qualquer direção, faziam
Stories e tiravam fotos e àquela altura tudo já era uma grande mistura de
gente, líquidos, fumaças, alegrias, desabafos, extravazamentos e tudo mais que
se carrega dentro de si. Ela só parou para ver. E no meio daquela gente toda,
de novo ele apareceu. Quantos anos tem que se encontraram naquela mesma praça
em uma vitória daquele mesmo time? Era uma época em que saíam muito, por qualquer
motivo, qualquer celebração. Nunca mais se reencontraram desde que se deixaram.
Ela o acompanhou com o olhar, calma, só achando graça daquela visão naquele
lugar. Notou que a mão dele estava ligada à outra mão de uma mulher, e de
repente ele virou. Ela deu tchau, ele voltou. “Parabéns!”. “Eu não sou Flamengo”,
ela pensou, mas só sorriu. “Ela é Flamengo?”, ele pode ter pensado. Ou “há
quanto tempo”? Ou “você de novo aqui”? Ou pode não ter pensado nada. Talvez só
depois lembrado, em meio a uma coisa qualquer - “nossa, como eu te amava”.
Ela ficou ali na festa, contagiada
pela chuva caindo, amigos chegando. É preciso torcida nessa vida. É preciso vibrar.
É preciso raça, esforço, dedicação, garra, mas é preciso coração. Alguma coisa
tem que te mover alucinadamente, te tirar do prumo, te despertar. É preciso
paixão nessa vida, por qualquer coisa. Se joga nessa vida pra se apaixonar. Vale
a pena.
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