1.3.20

Um saravá pra folia (teu samba é uma reza)


E agora, José? A festa acabou. Como será o amanhã?

Clara, abre o pano do passado.

A sala era grande, enorme, sofás, janelões, a TV era um aparelho anacrônico no canto e eu ficava ali na madrugada, entre os quadros dos antepassados cujos olhos de fotografia me acompanhavam aonde quer que eu fosse. Minha meta era conseguir assistir até a última escola a desfilar, mas nunca conseguia, meus olhinhos de criança ardiam de sono antes, derrotados apesar da vontade de ao menos ver a Beija Flor. A Beija Flor do Joãozinho Trinta, ratos e urubus. Aquele Cristo proibido. Eu queria ter sido um daqueles mendigos.

Meus bailes eram no Clube Petropolitano. A orquestra tocava marchinhas e sambas clássicos no salão, meus primos mais velhos cortavam buracos para os olhos nas fronhas que viravam máscaras, os homens se fantasiavam de mulheres e ficávamos no muro da casa, eufóricos, munidos de garrafinhas para jogar água nos carros que passavam na rua de paralelepípedos da cidade imperial. Mais tarde passei a ir aos bailes à noite e acompanhar a orquestra que deixava o palco arrastando os foliões do salão para a rua. Até hoje eu sou aquela que fica depois do cortejo com a bateria dos blocos cantando os sambas mais lindos, deixando tudo no cordão.

Na Gamboa, a Rua do Propósito fica na Praça da Harmonia.

Eu queria ter estado nos pagodes da casa da Tia Ciata, na Pequena África do Rio de Janeiro no início do século. Queria ter ouvido Donga, João da Baiana e Sinhô versarem sambas de improviso. Queria ter visto Paulo de Oliveira criar trajes de gala nas cores da escola para impor respeito aos integrantes da sua Portela. Queria ter presenciado Noel Rosa mudar a letra de Pierrô Apaixonado, rindo da dor do amigo Heitor dos Prazeres.

Eu não nasci no samba, foi um enredo qualquer que nos juntou, um batuque que atravessou meu caminho e caí na rua atrás do Bola Preta. Caía uma chuva, eu caí de amores. Mas esse amor já estava lá. Okê, Okê, Oxossi! Aquelas palavras que eu repetia cantando sem entender me levaram a fazer o caminho contrário ao dos baianos que desembarcaram por aqui com seu samba de roda, acabei no Gantois ouvindo tudo aquilo de novo e pensando “ah, então é isso?”. Epa hei, Iansã!

Eu não nasci no samba, mas me tornei a colombina que entrou num butiquim, bebeu, bebeu, saiu assim, assim dizendo: pierrô cacete, vai tomar sorvete com o arlequim porque tudo passa, amor. A quarta-feira sempre vem, não importa. Eu estou aqui, no temporal na Sapucaí aplaudindo a Mangueira, vibrando emocionada ao ver passar pregado na cruz o Jesus da gente, mesmo que na cor e estrada ele não se pareça comigo. Nós temos muito a ver no que bate no peito. Hoje ele não foi proibido, olha por nós.

Procuro por mim no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão e sempre me encontro.

Nenhum comentário: