29.3.20

Diário de uma pandemia - vol III

Dia 5000

Leio que as Olimpíadas deverão ser realizadas em 2021, mas o nome oficial do evento será Tóquio 2020, ou seja, se já está complicado saber que dia é hoje hoje, no ano quem, chamando 21 de 20, será a zorra total. Perdi dois aniversários, não abro mais o Facebook e desde que aposentei minha agenda da Company é por ali que sei quem parabenizar, não tenho mais noção de tempo. Virei a avó maravilhosa de Downtown Abbey perguntando espantada: o que é fim de semana?

Houve uma época em que minha vida social cumpria o circuito Jobi-Guanabara-Diagonal. Já foi Prelude-Rodeo-Zapatta. Uma pré qualquer-Matriz-BB Lanches. O negócio desandou de tal forma que virou Skype-HangOut-Teams. Whereby- Whatsapp-Zoom. Alguém além de mim está pensando na quantidade de dados que essas empresas estão coletando de nós? Não sei se era possível abrirmos mais a nossa vida do que já fazíamos com os Iphones, mas penso em promover chats falsos para confundi-los. Assim que eu acabar a faxina, as comidas, reuniões, emails, mensagens profissionais e pessoais, yoga, treino de força e, estou esquecendo de alguma coisa? ah, banho! farei isso. E tem as lives dos artistas. Temiam que sofrêssemos de tédio, que tédio? Estou à beira da exaustão, já desenvolvi F.O.M.O. de lives! “Tá vendo a do X? Não? A do Y você viu? Não?! Putz, teria adorado.” Não íamos ficar com nós mesmos meditando? Não leríamos livros e assistiríamos a filmes e séries? Só eu não sei organizar meu tempo? Eu sou um fracasso completo em quarentena. Precisarei de uma quarentena da quarentena.  Desconectada, por favor.

 A cada hora varro a casa, tem um saci aqui dentro desarrumando tudo. Penso em viver de touca para cair menos cabelo pelo chão, me sinto o Capitão Caverna com queda capilar. Conto a um amigo careca a inveja que sinto dele nesse momento e recebo de volta a foto de seus dois cachorros, enormes, soltando tanto pelo que em 24 horas formam um terceiro cão de pequeno porte. Não posso reclamar, vejo mães em reuniões com filhos tentando arrancar seus fones, a última respondeu desatenta “tá, filha, faz o que quiser” e, pela tela, vi a criança vindo com umas facas e bananas da cozinha atrás dela.

E essa moda da semana de “home school”, os pais terem que ser professores além de profissionais, cozinheiras, babás e faxineiros, veio de quem? É como fase de videogame – vamos acrescentar mais uma dificuldadezinha agora, não me importo se vocês tem estrutura mental e equipamentos para isso. Vai ter mãe abandonando filho no Jockey como fazem com os gatos. No meio de uma reunião passou uma criança atrás do pai gritando “ACABOOOOOOOU!!!”, achamos que tinham descoberto a vacina, mas era só o fim da aula online do garoto.

Chegam vídeos da menina que foi ao banheiro durante uma reunião por Zoom. Pobre Jeniffer, viralizou mais rápido que a gripe mundialmente. Fato que até o fim do isolamento veremos cônjuges alheios pelados, telas compartilhadas com imagens indevidas, a ressaca emocional pós-home office vai ser pior do que a das festas adolescentes quando eu ainda sofria disso.

No prédio, vizinhos criaram um grupo de whatssapp para decisões urgentes. São mais de 100 apartamentos, nunca falei com ninguém além dos funcionários e uns poucos conhecidos lá de fora, sinto calafrios ao pensar em uma reunião de condomínio por mensagens, mas precisávamos fazer uma vaquinha para comprar itens de proteção para os porteiros. Aglomeração virtual é pior do que aniversário do Guanabara atualmente, não tenho esse dom. Quando começaram os questionamentos sobre a procedência do álcool gel quase gritei CALABOCA TODOMUNDO E PASSA A GRANA. Foi tanta discordância que subgrupos se criaram e o meu está organizando um panelaço interno contra a síndica hoje às 20h30.

É preciso organizar essas manifestações janelais, não sei quando é pró e quando é contra o Bozo, quando aplaudem se é para os profissionais de saúde ou para um saxofonista vizinho solitário. Edu mandou um vídeo onde uma pessoa gritava “Eu falei faraó” e os vizinhos mais incríveis responderam “êêê, faraó”. Amanhã à noite, ao som da primeira panela, farei o mesmo e já responderei “it´s a match” para quem me acompanhar. Luisa me diz que um homem gritou “a Terra é redonda, porraaaa”. Tememos que vire uma prática passarem a berrar angústias nas varandas. Terapeuticamente fará um bem danado ao berrante, mas não sei se o mesmo acontecerá com os demais.

Cancelei três reuniões para fazer comida, precisava de concentração e tempo, se incendiasse a casa nem bombeiros viriam para não encostar em nada. Encaro uns legumes e peitos de frango congelados. Vejo na receita que devo cortar cubinhos dos legumes, colocá-los no tabuleiro sem sobrepor uns aos outros, jogar azeite e pimenta e cozinhá-los a 180 graus. Esse forno não liga direito ou eu é que não sei ligá-lo? Tem help desk pra isso? Cadê a Ju, a Dores, secretárias fundamentais na vida de qualquer pessoa? Forno aceso, tabuleiro lá dentro, depois de 15 minutos devo virá-los. Por que cortei cubinhos tão pequenoooooosssss??? Vou passar dois meses virando beterraba, não comecei a ler nenhum livro, já perdi cinco lives assando cenouras! E esses frangos não podem dizer que estão prontos como o peru da Sadia no comercial, com aquele negocinho que pula?  Esse timer que está tocando, coloquei para qual preparo? Não sei mais vinte minutos desde o que já passaram!

Lembro do meu dia a dia no estúdio, a comunicação dando pane ao vivo, a mesa do diretor de vídeo travando no ar, aquele Lollapalloza interrompido por tempestade de raio sem previsão de retorno, correria no Controle de Exibição e equipe escondida nas vans, como eu era feliz. O Kid Abelha tem toda razão: as coisas são mais fáceis na televisão. 

Choro em tantos momentos e tão banais que já tenho mais medo de estar grávida ou com hormônios descontrolados do que com Covid. Gustavo me contou que logo nos primeiros dias dois amigos debatiam se estavam infectados porque apresentavam sintomas estranhos: diarréia e “um nozinho na garganta”. “Isso é angústia, boçal, bom que aos quarenta anos você vai aprender a lidar com suas emoções.” A pandemia deixa todos um pouco emotivos, não é o caso de ir ao hospital. Porém, se você chorar ao ver o Babu perdendo a prova do anjo no BBB... procura um médico. Psiquiatra, não infectologista. Eu só me emocionei com Sandy & Jr cantando no Altas Horas “não dá pra não pensar em você / tá cada vez mais difícil não poder te ver”. Mas ali onde eu chorei qualquer um chorava. Não? Eu vi Altas Horas.

Se sobrevivermos à pandemia terminaremos com TOC e bipolares, os psiquiatras serão os novos infectologistas - se alguém tiver dinheiro para pagá-los. Prevejo também um boom imobiliário devido ao volume de divórcios - se alguém tiver dinheiro para aluguel e advogado.

O Verissimo acha que estamos ficando burros e repetitivos. Ontem tive minha primeira conversa online pessoal que não envolvia coronavírus, foi tão aliviante. Combinamos de ver filmes para debater na próxima semana. Aqui também diversificarei, no próximo texto falarei sobre... É... vocês podem ler o acervo desse site?




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