20.8.07

A história da senhorinha das plantas

Não sabia muito bem desde quando, mas fazia tempo que ela estava ali. Não hoje, hoje acabara de entrar, mas já havia alguns anos que ela vinha toda pequenininha, sempre com um casaquinho mesmo nos dias mais quentes, um regador e a cesta de ferramentas. Não demorava quase nada, falava pouquíssimo, e depois sumia por um período. Naquele dia, sentiu um ímpeto de abraçá-la. Seria estranho, é claro, e a senhora decerto se assustaria já que as duas mal se conheciam, mas queria mostrar que o trabalho de cuidar das suas plantas a deixava muito feliz. Não pela função de jardineira, mas pela conseqüente presença das flores na sala. E como estavam bonitas! Sempre foram aquelas? Combinavam perfeitamente com a decoração, será que quando pintaram as paredes a senhorinha mudou as cores do jardim também? Nunca tinha reparado nisso! Concluiu que adorava ter uma sala com flores. Levantou, encheu um copo de água e ofereceu à dona do casaquinho lilás da cor das pétalas. Precisava tratá-la bem, ela não podia ir embora. Ofereceu café também, mas este foi recusado por causa da cafeína. Então não toma! Se ficar acelerada é capaz de passar a energia para as plantas e elas morrerem. Nada poderia estragar aquele quadro.
Ele também não toma café, já fazia tempo que tinha trocado por sucos. Todas as terças trazia da feira um carrinho cheio de frutas e escolhia o cardápio matinal da semana. Oferecia um gole para ela provar na tentativa de um dia convencê-la a trocar a dieta. Sentiu um ímpeto de ir encontrá-lo. Seria estranho, é claro, e ele decerto pensaria que algo tinha acontecido, mas ela queria mostrar que a certeza de tê-lo a deixava muito feliz. Não por ele ser um grande inventor de sucos, mas pelo discreto cuidado com seu bem-estar. E como ela estava tranquila! Nunca fora assim. Não se corroía de mau-humor se ele chegasse mais tarde nem achava que cada vez seria a última. A segurança de um alimentava a do outro. Ainda não tinha reparado nisso. Concluiu que adorava tê-lo por perto. Pensou que o amor traz à vida uma paz que por tantos anos ela buscou dentro de si, e de fato só lá conseguiu achar.


I never made promises lightly
And there have been some that I've broken
But I swear in the days still left we'll walk in the fields of gold
(Sting)

3 comentários:

Anônimo disse...

Bruna,
Só pela atmosfera criada, acho que merece virar um conto.
Gostei mesmo!
Bj,
André

Anônimo disse...

É um conto.

Anônimo disse...

Quero dizer: uma história um pouco maior, que aproveitasse a atmosfera e a desenvolvesse ainda mais, juntamente com os seus personagens. Mas quem sou eu para dizer alguma coisa se nem compreendo o conceito de conto... volto para os meus textos técnicos e áridos.