4.1.10

Gentle people with flowers in their hair

Fui chamada no meio da noite, o prefeito batia à minha porta. Não sei se mais pelos efeitos dos remédios para dormir, pela hora ou pelo inesperado, estava completamente zonza, eram tantos oficiais do Choque de Ordem que mal cabiam na minha pequena sala. Queriam me levar para a praia antes que amanhecesse. Tenho levantado a hipótese da cidade não poder sediar eventos internacionais, me enfureço com a proibição do Matte de galão na orla e não dos flanelinhas, mas a razão da urgência não era censura: dezenas de leões-marinhos ocupavam as águas do Leblon.
Era a terceira vez no repeat, volume máximo. Estava com essa mania de ouvir música aos berros para que me desligasse das baboseiras cuspidas, dos meus pensamentos, tinha que ser mais alto. Fosse mais alto talvez eu berrasse e se berrasse no meio do escritório talvez fosse internada, ou libertasse aquelas almas excelianas que lutam pelo nada. Na ida, a cada relógio-termômetro a taquicardia aumentava e com ela o calor e aquele engarrafamento de idéias e palavrões e era apenas uma manhã qualquer de uma vida, existia a promessa de um verão inteiro pela frente e a visão de um mar lindo à direita e nada parecia suficiente, pior, tudo parecia motivo óbvio para que aquele tradicional trajeto fosse interrompido e coisas absolutamente sem sentido fossem feitas porque nenhum sentido mais havia em chegar onde eu estava indo. Não era mais try a little harder, era parar. No mais barato dos clichês, deixar a vela panejando porque não existe pressa e à noite no mar ecoam os versos de que o céu de Icaro tem mais poesia que o de Galileu.
Peguei um avião, “tira umas férias!”. Exausta, me vi ali sentada, caveiras e monstros correndo felizes pelo Pier 39 no sábado pré-Halloween, olhos ardendo por causa do fedor que os cartões postais não mostram, hipnotizada por leões-marinhos que se derrubavam uns aos outros por um cantinho no sol. Hilário. Eles são bem parecidos com focas e tão gordos! São da família das “otters”? “Otters” são tão bonitinhas, quando pensava em lontra imaginava uma coisa meio capivara. Eu queria ter uma lontra. Não tomei nenhuma grande decisão nas tardes ali sentada, não refleti sobre minhas angústias, fiquei parada automaticamente respirando e achando graça dos gorduchos barulhentos. Me afeiçoei a eles.
A visão na praia era linda. A Niemeyer amanhecendo, eu e o prefeito, milhares de leões marinhos. Vieram me dar um abraço. Acho que choramos um pouco, mostrei o Arpoador, pegamos uns jacarés e eles partiram. O prefeito se acalmou, nos jornais cariocas não foi publicada uma linha, só uma nota sobre os folclóricos leões-marinhos terem desaparecido de San Francisco.
Às vezes tudo o que precisamos é de amigos que acreditem em nós.

Be a good boy
Push a little farther now
That wasn't fast enough to make us happy
We'll love you just the way you are
if you're perfect

2 comentários:

Aninha disse...

identifiquei-me!

Unknown disse...

que bom que estão todos bem. ;)