27.8.12
Tendo à lua
O dia em que eu recebi uma carta
das Casas Bahia oferecendo “transformar meus sonhos em realidade” foi o dia em
que meus pais completaram 36 anos de casados. Esse foi também o dia em que pelo
mesmo correio chegou a segunda proposta para que eu me tornasse sócia do
Country Clube de Belford Roxo, local onde jamais estive e que fica a 42 quilômetros
da minha casa. Foi ainda a data em que O Globo publicou que a proporção de
pessoas divorciadas no Brasil duplicou em dez anos e achei 3,1% um número
bastante positivo se comparado à minha expectativa. E o dia seguinte à
divulgação, pelo mesmo jornal, do resultado do último censo onde 40% dos lares aparecem
como sendo chefiados por mulheres.
Horas depois de ler a matéria
recebi mensagens de duas amigas. A primeira sugeria informar à massa de
conhecidos que se acha no direito de opinar a respeito da minha opção de estado
civil sobre a realidade brasileira (e nem entraríamos no âmbito ocidental mundial).
A segunda pedia um manual de boas maneiras para um primeiro encontro que ela
teria dias depois, e por mais que a junção das mensagens leve a crer que
pertenço ao animado grupo de mulheres solteiras cheias de encontros já antecipo
não ser este o caso. Tenho em meu círculo social moças que se auto-definem como
“porteiros” (por analisarem todo e qualquer elemento do sexo oposto que lhes
cruze o caminho), mas a minha vida amorosa pode ser comparada à dos esquimós (N.R.
- sempre os visualizo quietinhos e a sós em seus iglus).
Enfim, o dia em que meus pais
completaram 36 anos de casados foi a véspera do dia em que confessei minha
desconfiança em relação ao Neil Armstrong ter pisado na lua. Nem sabia que ele
continuava vivo, por isso não me comovi com sua morte, mas aproveitei para
dividir suspeitas – não sei se depois daquele episódio televisionado idas à lua
se tornaram habituais (não acompanho a rotina dos astronautas), não entendo por
que nunca voltaram, por que não transmitiram mais expedições se a audiência foi
espetacular ou se disseram por aqui que na lua só tinha crateras quando na
verdade lá é um paraíso ao qual só privilegiados tem acesso. De toda forma,
concordo com os Paralamas que o céu de Icaro tem mais poesia que o de Galileu
então não perco meu sono investigando a lua da Nasa.
No dia em que meus pais
completaram 36 anos de casados pensei em retomar o texto sobre os absurdos que
ouço, incrédula e calada, por não ser casada, mas fiquei com preguiça. Pensei
em listar de forma cômica situações a evitar em um primeiro encontro, como vomitar
sobre o pretendente, revelar o nome planejado para os futuros filhos ou provocar
um debate sobre renda fixa ou CDB, mas me faltaram boas idéias. Pensei que o
Vaticano deveria usar meus pais como garotos-propaganda do sacramento já que a
manutenção do casamento anda um pouco em baixa, eles poderiam até explorar a
versão de tratar-se de um milagre com potencial alcance a todos, mas achei
melhor deixar a religião fora disso. Pensei em um amigo que diz que ter pais
casados e felizes por tantos anos é uma sacanagem com os filhos! Pensei sobre o
uso da crase. E pensei seriamente nas razões que podem ter levado o Country
Clube de Belford Roxo a enviar duas propostas para eu me tornar sócia do lugar.
Definitivamente, só tem gente
esquisita nessa Terra. (E, vai saber, na lua).
22.7.12
Ensaio
Ele estava no escritório quando ela ligou: “Estou indo
embora”.
Cinquenta e três minutos depois
ele chegava ao apartamento. Armários organizadíssimos – simetricamente vazios. Não
era na mala que ele queria que ela guardasse as roupas que insistia em deixar
espalhadas. Nada no chão, só tristeza no ar. Nunca fez tanto sentido dizer que
o transito de São Paulo era de matar. De matar reconciliações.
“Se você tivesse chegado eu não teria
partido”, ela explicou, por telefone, de Buenos Aires, depois que a mágoa
baixou. “Teríamos nos entendido naquele dia, não no seguinte. No seguinte
discutiríamos pelos mesmos motivos, eu choraria, você sairia de casa carregando
a certeza de que nossa convivência era um erro, os anos se passariam. Prefiro
que eles passem sem arrastar discórdia”. Foi a primeira vez, das tantas em que
conversaram desde o inicio, em países tão diferentes quanto os dois, que
falaram sem a ilusão romântica de que a paixão move montanhas. Ela move a
indústria farmacêutica, os consultórios psiquiátricos e o mercado de cinema.
Só. Sem ela, ele seguiu, e chegou à teoria que move a espécie humana ocidental.
Homens são incansáveis
predadores, espécie admirada nos vestiários masculinos pelo louvável hábito conhecido
como “pegar geral”. Matematicamente, para cada garanhão destes corresponde em
igual numero uma mulher. Culturalmente pode-se aceitar a ideia de que parte do
total feminino não é tão ativa assim, o que leva à logica de sobrar para a
outra parte das mulheres a porção dispensada pelas primeiras. Em uma comparação
quantitativa, o universo de moças em atividade tem mais trabalho a fazer para
dar conta de seu quinhão do que os auto-proclamados “pegadores”. Estes
desdenham das bem sucedidas na tarefa, sem pensar que elas só estão mantendo
viva uma cadeia alimentar.
Coube a ele aqui, e a ela lá,
voltar a essa roda viva em busca de um par. Ele sabia que aquela dor era uma
questão de tempo, sempre teve a certeza de que ela não era a mulher dele. Nada
relacionado a pertencer ou não ao grupo das ativas. Na verdade, apesar da lista
de motivos que os dois poderiam em segundos elaborar, não havia de verdade nada
relacionado a ideologias politicas, gosto cinematográfico, hábitos alimentares
ou opiniões. São essas certezas que temos sobre essas pessoas que esperamos. As
tais certezas que nos guiam, ou nos levam à perdição.
4.6.12
# ;-)
Tyler não foi à escola para conhecer Barack Obama, que fez uma visita à fábrica onde seu pai trabalha
em Minneapolis. No dia seguinte, Tyler, bom aluno, levou uma justificativa para a falta.
;-)
;-)
26.5.12
Do manicômio
Houve um tempo em que fotografia
analógica não era cool, era foto – dispensava sobrenome porque só existia
ela. Comprávamos filme, pilha para a câmera (que era máquina, não tratada
como se objeto de fotógrafo), não sabíamos se o enquadramento, foco ou cara
estavam bons até revelarmos as poses, múltiplos de doze. A trabalheira quase justifica meu calafrio quando, a caminho do aeroporto, ele soltou
tranquilamente que não estava levando a dele, tiraríamos as fotos com a minha.
Surto interno. Tremeliques, suores nas mãos. Dividiríamos as fotos? Gastaríamos
o dobro de filme para registrar eu depois ele a cada lugar? Dividir a cama por
um mês em uma viagem pela Europa tudo bem, mas compartilhar a mesma foto já era compromisso demais. Quando aquele
romance acabasse o que faríamos dos registros? Fotos individuais garantem a
eternidade da lembrança exposta de forma indolor. Hoje tenho seis filmes
revelados, uma foto onde aparecemos abraçados, um amigo com quem vivi por dois
anos que me irrita a cada vez que me apresenta como ex-namorada. Afinal, nunca tivemos
nada oficial. Na-da! Atualmente compartilhamos o psiquiatra.
Anos antes de entrar na igreja para se casar ela vertia lágrimas por causa de um refrigerador,
no ato que entrou para a história como O Caso da Geladeira. Moravam há tempos em um
apartamento montado com o que juntaram da casa dela com a casa dele, nas fichas
preenchiam como estado civil “solteiros”, mas os vizinhos, as famílias, amigos,
o proprietário do imóvel, a CEG, Light, Sky e Telemar, se questionados,
provavelmente responderiam o contrario. Por sorte, até ali, nunca o fizeram. Um belo dia
a geladeira quebrou, os dois olharam desolados o técnico decretar o óbito, a
mãe dele gentilmente ofereceu presenteá-los com o modelo lindo que ela tanto
sonhava. “Não! Calma. Isso tem que ser pensado com cuidado”. Ele achava que
dividir a posse de uma geladeira era um passo muito grande para o qual ainda não
estava preparado. Ela dividiu
em muitas parcelas uma Consul que gelaria as cervejas dele e manteria café da manhã, almoço
e jantar dos dois. Meses depois dividiram calmamente o altar, a lua de mel e hoje
compartilham olhares cúmplices a cada vez que o Caso é citado.
Foi pensando nisso que outra moça, escolada,
entrou em uma loja masculina qualquer e pediu cinco bermudas, todas iguais, nem precisava ver o
modelo. No tempo em que reinavam absolutas as máquinas de foto apenas as
celebridades declaravam que o acompanhante era “apenas um bom amigo”, mesmo que
tão bom e intimo que dormisse e acordasse, com frequência que emocionalmente configurava
união estável, sob o mesmo teto. De lá para cá os casais intensificaram o “ficar”, a situação de envolvimento intermediária começou a se prolongar e logo a palavra “casal” ganhará contorno de tal forma
assombroso para algumas pessoas que haverá que se criar novo termo na língua portuguesa. “Não temos nenhum compromisso” equivale a quando
perdemos o fôlego no Policia e Ladrão e gritamos, desacelerando, “altos!”. É caso de vida ou morte, o
interlocutor que aja normalmente, inabalável, faz parte do jogo.
Habitavam o banheiro dela duas escovas de dente, soro e caixinha da lente, o Sportv antes nunca sintonizado era agora o campeão de audiência, canal favorito do rapaz esparramado no sofá de óculos fundo de garrafa, camiseta e cueca. Ele não gosta de encostar a calça suja da rua onde eles deitam, cama e sofá, então se despe logo que chega. Ela gentilmente sugeriu deixar no armário uma bermuda dele, a idéia que transformou Bruce Banner em Hulk. “Vamos com calma, é muita intimidade!”. Sem ver sentido em argumentar com um sujeito que diariamente anda pela sua casa semi-nu ela decidiu disponibilizar junto à porta de entrada bermudas para todos os convidados: assim nenhuma visita menos íntima se sentiria incomodada por ter que circular ali sem calças.
Habitavam o banheiro dela duas escovas de dente, soro e caixinha da lente, o Sportv antes nunca sintonizado era agora o campeão de audiência, canal favorito do rapaz esparramado no sofá de óculos fundo de garrafa, camiseta e cueca. Ele não gosta de encostar a calça suja da rua onde eles deitam, cama e sofá, então se despe logo que chega. Ela gentilmente sugeriu deixar no armário uma bermuda dele, a idéia que transformou Bruce Banner em Hulk. “Vamos com calma, é muita intimidade!”. Sem ver sentido em argumentar com um sujeito que diariamente anda pela sua casa semi-nu ela decidiu disponibilizar junto à porta de entrada bermudas para todos os convidados: assim nenhuma visita menos íntima se sentiria incomodada por ter que circular ali sem calças.
Ao ver a cliente sair orgulhosa
da loja a vendedora comentou: só dá maluco nesse mundo.
14.5.12
Delas
As cartelas de comprimidos são
desafiadoras, sempre penso qual pastilha destacar de maneira que o buraco
deixado construa uma forma harmoniosa. Raras são as cartelas com fileiras certinhas
de comprimidos, a maioria é levemente desalinhada e isso me obriga a calcular
como ficará a disposição de espaços com e sem remédios antes de simplesmente
pegar um e engolir com água. Essa inofensiva estranheza herdei do meu pai, para
quem o universo com seus continentes mal recortados exige uma dupla de réguas
para ordená-lo simetricamente, mas sempre penso na sorte que é conseguir engolir comprimidos
inteiros ou os remédios gerariam outro problema. Minha avó, por exemplo, tinha
certeza de que aquele pó industrialmente compactado não passaria pela sua
garganta e incluiu nos objetos pessoais um kit formado por copinho e
mini-socador para amassar os medicamentos, vários consumidos diariamente. Essa malgostosa estranheza não herdei de madame Leão Veloso, para quem as
baratas eram motivo de escândalos impublicáveis e todos os aparelhos e eletrodomésticos
deveriam ser desligados da tomadas em caso de viagem da família. Como alguém sai
de casa com esse perigo explosivo?! E sempre saio eu desligando equipamentos.
Perigo, aliás, é algo mais
presente no mundo do que átomos, escoteiros são criaturas negligentes se
comparadas à minha mãe, cujo lema “sempre alerta” está escrito na entrada de
casa como “INRI” nos altares das igrejas. “Não toma banho
depois de comer!”, “não brinca com o gato que você não conhece” até a máxima
“cuidado com a geladeira!” – esses refrigeradores dissimulados parecem estar
fechados, mas rááá!... a Super Mãe sabe que nem sempre estão! Assim como ela
sempre sabe diagnosticar qualquer doença e o tratamento mais adequado. A formação
em Medicina Materna não a impede de, vez ou outra, confundir a dose ou mesmo o
principio ativo, mas os engamos nunca foram fatais. Tanto que aqui estou eu
carregando a irresponsável estranheza de
invariavelmente alterar a prescrição seguindo meus instintos curandeiros.
É tanta ameaça terrena, cármica e
cósmica que a melhor estratégia é cercar-se de proteção divina. Bruxinhas de
todos os modelos e tamanhos, por exemplo, são divinas! As bruxas são intuitivas,
não temem desafios, e não bastam elas, há que se reforçar o exército da
salvação com santos, patuás, caroços de romã e folhas de louro, objetos
herdados e quailquer outra espécie de amuleto mágico. A kind of magic, com ou
sem chapéu, caldeirão e capa, é imprescindível . Essa sincrética crença, de forma discreta e branda, herdei da madrinha que se despede
com “beijocas mágicas”, só não batizo sapos e desde criança não me afeiçoo mais
por girinos.
Nem o mais poderoso feiticeiro da Terra desfazia meu nariz sempre torcido para
o prato de feijão - era uma criança fofinha contra todos e a preocupação do trio de tias-avós de que lá em casa faltasse
comida era furada. Não só tinha sempre meu bife especial com batata frita como
sorrateiramente a tia acrescentava ovo, Sustagen, biscoitos Maria e sabe-se lá
mais o que ao copo de Nescau matutino com o propósito de me fortalecer. Tal
alquimia, mel e limão livrariam-me de todos os males, amém. Estranho que hoje, sem pensar, tenha me pego receitando uma colherzinha da mistura para a tosse dela.
Os anos por si só nos fortalecem, apesar da protetora vontade contrária das mães somos jogados no mundo igualzinho aos paraquedistas dos aviões: "bóra, mermão, voa aí que do chão não passa". Pelo caminho já engoli coisas bem mais indigestas do que Nescau turbinado, duro mesmo tem sido encarar a vida nem sempre fácil com esse coração mole - herança mais preciosa recebida de mulheres tão fortes. Como tentativa, sigo os passos delas.
Os anos por si só nos fortalecem, apesar da protetora vontade contrária das mães somos jogados no mundo igualzinho aos paraquedistas dos aviões: "bóra, mermão, voa aí que do chão não passa". Pelo caminho já engoli coisas bem mais indigestas do que Nescau turbinado, duro mesmo tem sido encarar a vida nem sempre fácil com esse coração mole - herança mais preciosa recebida de mulheres tão fortes. Como tentativa, sigo os passos delas.
23.4.12
En prenant soin de moi
Ma cherie Sophie,
Há tantos anos ensaio responder
que para não frustrar minhas próprias expectativas deveria só compor um
telegrama - “A decisão foi sua, e isso é bom.”
Devorei cada nota publicada a
respeito da obra, pesquisei no Google, folheei seus demais livros, elocubrei
por horas em noites, quando entrei na exposição tudo mudou. Estava ali, na sua
carta ampliada pendurada na parede, por ele assinada, por tantas interpretada,
por mim remoída, o óbvio. Você impôs uma condição, ele somente respeitou.
Foi libertador. Acho que
gargalhei, sem dúvida sorri, depois parei em frente a cada análise daquelas
mulheres e agradeci por podermos exorcizar demônios assim – os reciclamos. Gastemos
mesmo, abusemos da paciência deles, saturemos até quem sabe um dia aprendermos
que é só mais um, basta esperar passar. A cura para resfriados requer tempo,
paixões são males como tal. É mau, hoje prefiro as esteiras das frias academias
que não provocam náusea e elevam os batimentos igual, deixo as paixões para os
poetas bêbados das calçadas e jovens até vinte e cinco anos. Vivamos o amor e/ou
aceitemos que essa obsessão ocidental de felicidade é exagerada. Nós escolhemos, Sophie. Não vê?
Talvez não tenhamos escolhido
sentir tanto, esse jeito de olhar, umas linhas tortas de pensar e o penar,
talvez sejam mesmo características herdadas lá detrás, só nos resta o conduzir.
Vamos nos “adestrando”, desde pequena incuquei com aquele anjo torto dizendo
para Carlos ser gauche na vida – uma sensação de dejá vu, entende? De minha
parte vivo na corda bamba tentando endurecer sem perder la ternura, e há um
pouco dela na raiva do abandono, não há, Sophie? No “como ele pode”? Torço para
um dia aceitar que meus berros e planos nunca farão ninguém voltar. E cada vez
que se vão me torturo, despedaço tentando achar o que aqui é incapaz. De
repente ali em pé lendo aquela carta onde imaginava encontrar frieza e desprezo
esbarrei com dor. Ele não te deixou. Foi você quem não optou por mudar de idéia
e ir atrás. Não sei o que queres, Sophie, só me pareceu ser mais do que ele
ofereceu. É triste o desperdício de um desencontro, isso não achei ruim.
No folheto roubado da exposição,
em meio a tantas anotações que fiz, circulada, reencontrei a visão da mulher
acostumada à amargura, loucura, raiva, solidão - “Releia quando a tristeza
passar” aconselhou a agente penitenciária. Também rabiscada achei a interpretação da
criança - “li que ele a ama” - apesar das palavras que ela confessou não
entender, o argumento da diplomata de que escrever torna a decisão unilateral,
minha diversão pela designer na foto estar segurando a carta em frente a uma
placa que apontava “toutes directions” e um rascunho de pensamento: “o amor é
incondicional, estar junto é decisão que não”.
Nesses tantos anos que ensaio
essas palavras só para dividir a opinião esgotei todos os meus amores, cada um
deles, e com cada um finalmente rompi para sempre. Não carregarei mágoas no
peito, é um jeito de cuidar de mim. Saí do pavilhão com essa frase na cabeça, “Prenez
soins de vous”. Cuide de você, Sophie. Ninguém melhor o fará.
26.3.12
23.3.12
Pra você
A dedicada equipe entrou, em
frente à mesa se sentou e com tom de salvação do horário nobre disparou:
“chefe, queremos que você namore aquele garoto”. A chefe caiu na gargalhada
aliviada pela razão da convocação ser a possibilidade do colega ao lado
tornar-se uma possível união, agradeceu imensamente a boa intenção. O candidato era um tanto equivocado, mas havia razão naquela questão -
já era hora de acabar com tanta solidão. Bastava de tanto penar! Como reverter
a situação é no que ela deveria pensar.
Ela sabia que estava
diante de uma inédita, intrépida, romântica missão - encantar-se por qualquer
um não era a saída, existia um certo moço e ela o traria de volta à sua vida.
Ex-namorados até ofereceram cartas de recomendação, mas essa estratégia não parecia uma boa solução. Precisava de um plano que convencesse o homem desavisado em seu viver despreocupado
que o melhor lugar era ao seu lado.
A tarefa não parecia fácil ainda
que com sua força de vontade ela fosse capaz de desencalhar o mais pesado
cetáceo. Outras moças piscariam demoradamente e largariam ao vento lencinhos
brancos, dançariam até o chão o mais sexy pancadão, desafiariam para um duelo a
rival – uma tal que ele namora e com quem esteve no Carnaval. Há as que invadam
prédios, mas isso, juro, ela não considera um bom remédio. Há as que esperam,
as que olham para o lado, logo beijam outro e prosperam, as espertas que
detectam uma oportunidade e certeiramente agem na maldade, as que desistem, nem
insistem, pra que tanta teimosia, isso só traz agonia, segue em frente, olha
nesse mundo quanta gente, você arruma rapidinho um outro pretendente. E há ela.
Ela não entrou nessa história para
ser passiva donzela, quem dera! Também pudera, desde tão cedo viveu com tanto
medo, prefere rio com crocodilo e vilã com serpente a ter que lidar com gente.
Não qualquer gente, claro, só essas que quando aparecem o coração sente, as que
conversam até tarde, falam de praia,
campo e cidade, as que quando saem de perto ela quase chora, que tem livro
espalhado pela casa para ler para ela a qualquer hora. As que quando chegam
perto dão aquela olhada maliciosa que a devora (ela adora). Que começam
beijando devagarinho, gosto de champagne com uva, bem
docinho, que vão esquentando, o corpo dela apertando e dissolvendo,
que quando suspiram por trás da nuca... alguém acode, ela está morrendo! Que
mordem a boca e dão calafrio, falam baixinho, arrepio, confessam desejo e
ela agarra forte num beijo já que vontade não tem juízo não. Então por que,
céus, abrir mão? Que bom seria viver sem pensar uma paixão.
Mas o tal alvo é ocupado, sério,
decidido, moço já tomado. Fica ressabiado com o que ela pode querer, vai que é
mais do que ele pode prometer? O que talvez ele não saiba é que ela mandaria às
favas a precaução, pagaria para ver porque o futuro nem ela, nem ele, ninguém
nesse mundo pode prever. Então ela decidiu escrever essas
rimas, ô rapaz, só pra dizer - joga tudo pro alto, larga tudo pra trás! Não
perde a menina na história, depois vai viver de memória? Não se esquece que a
vida é do jeito que a gente faz.
22.3.12
Os moços do meu tempo (ou do tempo do Tribuneiros)
Para Nanda, Lalol, Olga e Pinha. CA e Pim, para Pian, Bruno Menezes e João Paulo Duarte.
De 2006.
Isso não é uma revanche. Os moços do meu tempo, Dondon, ainda gostam
muito de competir, mas hoje vamos aplicar uma lição de antes do seu tempo.
Porque olha o que encontrei nas conversas do Jobi, moços querendo um amor! Olha
esses rapazes tão vaidosos malhando os braços e esquecendo-se das pernas,
falando das “mulezinha” e tirando onda com os “muleque”, quem diria que andam
sonhando com um beijo gostoso, um abraço apertado daqueles que tira os pés do
chão mas que não acabe depois da noitada. Andam muito intransigentes nessa
escolha, pior do que donzelas à procura do príncipe encantado, não perdoam um
deslize e chamam tudo de deslize! É, Dondon, os moços do meu tempo não mudaram
muito desde sua época não, são sempre os mesmos sonhos de quantidade e tamanho.
Mas evoluíram, quase acreditam que podem chorar. Ainda não debatem
relacionamento mas já aceitam conversar se lhes interessar que tudo acabe bem.
Então vamos aplicar nessa conversa a teoria dos jogos, porque falta a eles um
manual de instruções. Virou uma guerra o relacionamento entre damas e
cavalheiros, e os dois só querem um olho no olho, dançar junto e serem felizes
para sempre.
Os moços do meu tempo esperam um dia ser pais de família, um dia... Só não sabem ao certo onde guardar as fotos das micaretas que a musa curtiu com as amigas, e engatinham na arte de fazer o papel de marido nas festas do trabalho dela. Esses moços têm uma sorte: se não quiserem, nunca precisam amadurecer porque o relógio biológico não está em contagem regressiva e não lhes impõe decisões fundamentais bem cedo. Dizem-se confusos, não sabem o que fazer com meninas tão loucas para provar que são capazes de viver sem eles. Diz o Xico Sá, para quem homem que é homem não sabe a diferença entre estria e celulite, que o primo lá da zona leste de São Paulo não anda perdido diante da mina gostosa que ele conduz até o terminal. Por aqui elas bradam que não querem o dinheiro deles, que não precisam de cuidados e agora inventaram de experimentar antes de decidir, mas dão chilique se não são tratadas como princesas. Não entendem nada, esses moços, e ficam ali babando enquanto elas dançam até o chão. Troço tão simples: elas querem que eles reparem na unha feita mas não a ponto de elogiar a mistura de Café com Rebu! (E se algum moço perguntou o que é isso, salvou-se uma alma no purgatório). Estão muito perdidos esses moços, não conseguem acompanhar os vários assuntos que elas falam ao mesmo tempo, não sabem se passam creme ou cospem no chão, se preferem um terno do Ricardo Almeida ou a camisa furada de ontem, se pedem caipirinha com adoçante ou saem por aí pegando geral fingindo que o descartável preenche o buraco no peito.
Juram que têm pavor de aliança, mas quando as moças decidem viver tribalisticamente sem pensar no casamento dizem que elas são descontroladas. Eles não sabem se quando crescerem serão machos-provedores ou coadjuvantes da pós-revolução feminista. Acreditam em todas as façanhas contadas depois do futebol e nunca conseguem fazer em casa o que vêem na TV. Aí perdem a paciência, em Salvador tudo é mais fácil. Para eles tudo tem que ser simples, e quase sempre é, Dondon, graças a uma enorme e invejável capacidade de abstração. Mas as moças adotaram o discurso que por séculos ouviram deles, e aí eles chamam de arrogância o certo ar cruel de quem sabe o que quer que elas têm ensaiado para conquistá-los. Deram para dizer até que elas não prestam! Moças, hay que endurecer pero sin perder la ternura jamás, eles ainda querem uma lady na mesa. Ora veja bem, se são as mulheres que têm o dom de iludir nessa enchente de canalhas líricos ou mesmo de malandros banais. Não sabem perder, Dondon, eles não aprenderam o que fazer quando desiludidos. Por isso saem pela vida com suas quadrilhas, cheios de hormônios adolescentes, caminhando na ponta dos pés como quem pisa nos corações. São todos ótimos em despertar sentimentos com os quais depois não sabem lidar.
Os moços do meu tempo, Dondon, são eternas crianças. Ainda não pedem informação quando perdidos, não conseguem guardar as roupas e sempre tentam driblar a camisinha. Jogam Playstation no sábado à noite enquanto deixam as moças cheias de caraminholas na cabeça especulando onde andará o meu amor. De resto é balela, eles sabem de cor o número para ligar no dia seguinte, pagam o jantar com um prazer que pula dos olhos, esperam pacientemente e não se desencantam com a tórrida noite por mais precoce que ela tenha sido. Desde que, bem entendido, eles queiram mais. Porque, caso contrário, eles simplesmente “não estão a fim de você”. Mas quando estão, coisa mais linda, Dondon, um moço deitado no colo da moça nem aí para a inveja dos camaradas.
Os moços do meu tempo esperam um dia ser pais de família, um dia... Só não sabem ao certo onde guardar as fotos das micaretas que a musa curtiu com as amigas, e engatinham na arte de fazer o papel de marido nas festas do trabalho dela. Esses moços têm uma sorte: se não quiserem, nunca precisam amadurecer porque o relógio biológico não está em contagem regressiva e não lhes impõe decisões fundamentais bem cedo. Dizem-se confusos, não sabem o que fazer com meninas tão loucas para provar que são capazes de viver sem eles. Diz o Xico Sá, para quem homem que é homem não sabe a diferença entre estria e celulite, que o primo lá da zona leste de São Paulo não anda perdido diante da mina gostosa que ele conduz até o terminal. Por aqui elas bradam que não querem o dinheiro deles, que não precisam de cuidados e agora inventaram de experimentar antes de decidir, mas dão chilique se não são tratadas como princesas. Não entendem nada, esses moços, e ficam ali babando enquanto elas dançam até o chão. Troço tão simples: elas querem que eles reparem na unha feita mas não a ponto de elogiar a mistura de Café com Rebu! (E se algum moço perguntou o que é isso, salvou-se uma alma no purgatório). Estão muito perdidos esses moços, não conseguem acompanhar os vários assuntos que elas falam ao mesmo tempo, não sabem se passam creme ou cospem no chão, se preferem um terno do Ricardo Almeida ou a camisa furada de ontem, se pedem caipirinha com adoçante ou saem por aí pegando geral fingindo que o descartável preenche o buraco no peito.
Juram que têm pavor de aliança, mas quando as moças decidem viver tribalisticamente sem pensar no casamento dizem que elas são descontroladas. Eles não sabem se quando crescerem serão machos-provedores ou coadjuvantes da pós-revolução feminista. Acreditam em todas as façanhas contadas depois do futebol e nunca conseguem fazer em casa o que vêem na TV. Aí perdem a paciência, em Salvador tudo é mais fácil. Para eles tudo tem que ser simples, e quase sempre é, Dondon, graças a uma enorme e invejável capacidade de abstração. Mas as moças adotaram o discurso que por séculos ouviram deles, e aí eles chamam de arrogância o certo ar cruel de quem sabe o que quer que elas têm ensaiado para conquistá-los. Deram para dizer até que elas não prestam! Moças, hay que endurecer pero sin perder la ternura jamás, eles ainda querem uma lady na mesa. Ora veja bem, se são as mulheres que têm o dom de iludir nessa enchente de canalhas líricos ou mesmo de malandros banais. Não sabem perder, Dondon, eles não aprenderam o que fazer quando desiludidos. Por isso saem pela vida com suas quadrilhas, cheios de hormônios adolescentes, caminhando na ponta dos pés como quem pisa nos corações. São todos ótimos em despertar sentimentos com os quais depois não sabem lidar.
Os moços do meu tempo, Dondon, são eternas crianças. Ainda não pedem informação quando perdidos, não conseguem guardar as roupas e sempre tentam driblar a camisinha. Jogam Playstation no sábado à noite enquanto deixam as moças cheias de caraminholas na cabeça especulando onde andará o meu amor. De resto é balela, eles sabem de cor o número para ligar no dia seguinte, pagam o jantar com um prazer que pula dos olhos, esperam pacientemente e não se desencantam com a tórrida noite por mais precoce que ela tenha sido. Desde que, bem entendido, eles queiram mais. Porque, caso contrário, eles simplesmente “não estão a fim de você”. Mas quando estão, coisa mais linda, Dondon, um moço deitado no colo da moça nem aí para a inveja dos camaradas.
20.3.12
18.3.12
Partes
2012, parte 1
Não sei se a
conversa começou pelo fim do casamento, pelo suicídio relatado no último dia feliz
dos cônjuges ou pela disputa de stand up paddle ali realizada. Ouvíamos as mais recentes descobertas psicanalíticas de um inquieto e no final do dia o que teríamos
aprendido é que a Holanda é na verdade uma província dos Países Baixos e a rua
Rainha Elizabeth homenageia a monarca da Bélgica, não da Inglaterra. Ele
continuava tendo nascido em São Paulo, filho de um pai ausente que foi o primeiro
judeu hippie dos arredores mundiais de Ashton-Heights. Por mais estranho que
seja imaginar em uma comunidade Flor, Pepeu, Baby e Jacob isso aconteceu e
eles andavam nus, diziam-se artistas e provavelmente não tinham rumo nem renda.
Foi assim que o menino aos quatro anos acabou catatônico por vinte e três horas
sentado na entrada do apartamento incensado.
2001, parte única
Àquela altura eu
já tinha montado uma tabela com valores convertidos de korona para euro, não
precisava mais fazer conta a cada produto, mas continuava vivendo como se o
próximo passo fosse a falência. Era o quarto dia de uma viagem de trinta e não
tenho a menor ideia de por que não acreditei que, me mantendo dentro do
orçamento diário, as refeições e compras inerentes ao passeio estavam
garantidas. Vai ver eu não acreditava em nada que saísse de mim ou temia que
algo inesperado surgisse e eu não soubesse como lidar. Sempre achei melhor me
prevenir.
2012, parte 2
Durou de abril a
dezembro a tentativa de reconciliação e ele recomenda que não se perca tempo
com terapia de casal nem se conte historias de suicidas a pessoas que não falam
sobre seus incômodos. Ela o abandonou, não virou hippie nem ele – ao menos pelo
que incluiu no relato – catatônico.
Continuava na
nossa frente a disputa de stand up paddle e eu pensava que aquele esporte era
novo, tempos atrás era só surf. A areia com os pombos continuava igual, o morro
com as casas, prédios com vista para o mar, barracas, cadeiras, turistas, automóveis,
biscoitos, bebidas, sudoestes, sujeiras, salvamentos e eu.
2012, parte 3
Sempre
vem o pensamento de que deveríamos estar gratos pela vida que temos quando um poeta
não a tem mais. Em um dia ele surgia pelo meio das plantas, no outro morria de
pancreatite, nem ao menos entendi o que faz o pâncreas.
Tenho
e-mails sem resposta, problemas sem resposta e textos sem final. Mais um
diálogo na praia, novidades sobre a Holanda e
problemas de conexão inter-assúntica. Vivo fragmentos, breve em frangalhos.
Vivo entre os amigos que declamavam nomes ao jazigo para cada qual dizer-se
“presente”. Entre tantas pessoas uma ausência, jogassem na cova os vazios de si
e a sepultura viraria montanha que subiriam escalando para descobrir lá no alto
que chegou-se ao final.
Ausências,
demências, carências, problemas sem resposta e textos sem moral. E assim vão se
entorpecendo para não sentir o que dói lá dentro e um dia com tanto analgésico
morre-se de um pâncreas em silêncio.
Morre-se
de silêncio todos os dias.
Morre-se
todos os dias.
Silêncio.
2012, parte 4
Os olhos dele não
abriram mais, e ela ficou para sempre com aquela indefinição e eu fiquei com os
meus cheios de lágrimas e milhares de indefinições e uma vontade poética de
viver com elas. Ou sem elas. Viver apesar delas, à margem delas, na companhia,
da forma que for só não mais à mercê de solucioná-las – não há solução. Nem
para tudo existe resposta.
Então, inquieto, o
que agora lhe digo é para interromper as perguntas. Eu sei, há que se acalmar
isso aí dentro – e, por favor, não com tantos analgésicos. Busquemos, pois, distrações
diversas, ocupemos a mente, façamos com as minhocas o mesmo que com as crianças à
mesa - distraia-as com aviões imaginários. Brinque. Leve, vai.
Já arrumei
gavetas e sei que às vezes nem tudo cabe.
7.3.12
Quase tudo
“Todo mundo desmaia agora!” Aproximava-se
uma pessoa chata. Eles tem essa mania de que as pessoas ficam chatas, é
dificílimo acompanhar os status e morro de medo de um dia a maldição cair sobre
mim. À ordem dela desmaiamos imediatamente soltando nossos braços e cabeças sobre
as cadeiras da praia, fechando os olhos e acho que entreabrindo um pouco a boca
– não deu para reparar bem, mas a minha interpretação desconfio que tenha sido
assim. Quando autorizada nossa volta soubemos que o representante do perigo
voltaria à beira-mar pelo mesmo caminho, precisávamos de atenção. Ela conhecia
o itinerário porque foi assim que os dois haviam se encontrado semanas antes,
quando a visão dele ainda trazia felicidade – ele ainda não era chato e, ela
insiste, era malhado.
Desconfio de poetas sarados, não tanto
por preconceito, mais por estereótipo mesmo, e argumentei que um corpo não
decairia em tão pouco tempo, mas ela estava certa de que as costas do menino
estavam agora flácidas e a decadência corporal não tinha a ver com a quase-desilusão
amorosa. "Quase" não por ter sido pequena, mas por pertencer à sua quase-vida
amorosa. Não nos restou outra alternativa além de aguardarmos o retorno do corpo
para análise durante um re-desmaio.
Além de ter sido personagem da
quase-vida amorosa dela o moço tinha adotado uma estratégia duvidosa durante a
noite anterior. Um poeta sarado na mesa de um bar movimentado que levanta a
camisa e acaricia a barriga para chamar a atenção de sua presa depois de
falidas tentativas de jogar saquinhos de sal na cabeça dela não parece expert
em sedução. Não parece originalmente sedutor. Não parece nem legal. Não que esperássemos
frases bonitas ou textos rebuscados, essa era a tática de outro personagem da
quase-vida amorosa dela, apenas consideramos auto-acariciamento e brincadeiras
ginasiais esquisito. Acontece que o ato não funcionou como conquista, mas foi imbatível
como diversão e passamos a tarde interrompendo diálogos com rápidas imitações da
cena, em um estilo Latino featuring
Ricky Martin. Quase compensou perder o pretendente.
Apesar de ter uma quase-vida
amorosa temos pretendentes, o que é melhor do que nada. Os pretendentes não geram
passarinhos de animação voando ao nosso redor em dias ensolarados ou meios que
produzam finais felizes, na verdade mal geram as doses diárias mínimas recomendadas
de serotonina e por uma infeliz equação de erros + memória quase achamos isso
bom, mas geram tardes divertidas. Falando sobre eles, não com eles. Às vezes nós
quase preferimos que um desses acerte o alvo e mude o jogo.
Antes que passássemos a preferir ela
avisou que o poeta chato já tinha voltado como previsto e não tínhamos
percebido. Só nos restou então fazer mais uma vez a imitação de Latino featuring Ricky Martin e revermos nossa
opinião sobre comportamentos bizarros: viva os sedutores desastrados e artistas
inofensivos.
É normalmente assim meus sábados com
eles. Às vezes damos uns furos, analisamos sarcasticamente nossos quase-relacionamentos
mantendo a certeza de que todos os esforços devem ser empenhados em prol de
boas histórias. Eles são o que ela um dia definiu como “pessoas em quem podemos
nos refastelar”. Um quase preenche totalmente o buraco no peito do outro.
23.2.12
Das cinzas, coração
Ele disse que já não se fazem
mais crônicas de quarta-feira de cinzas, que não há mais Adalgisa enfezada esperando
marido no portão. Que este foi engolido pelo tempo e pela irrelevância. Que isso
é coisa do tempo antigo. De outros pós-carnavais.
Talvez daqueles em que pela casa
ficava uma purpurina, plumas rosas, no tanque uma sapatilha dourada e botas
brancas. De quando ele perguntou o que era meia-arrastão e apontei para suas próprias
pernas cabeludas sob o vestido de bolinha. Do tempo em que pagávamos para usar
calças, jaquetas e chapéus de soldado em amenas noites de trinta e muitos graus.
Esperávamos umas duas horas tomando cerveja no meio da rua em frente à Central
do Brasil sem nos preocuparmos com a pouca quantidade de banheiros químicos disponíveis,
levávamos mais broncas de um desconhecido do que suportaria a mais elevada autoestima
para atravessarmos uma avenida em trinta minutos dançando ao som de uma música
que mal conhecíamos sob os olhos de uma platéia indiferente aos nossos esforços
e sede. Como não estaríamos felizes? Alcançando o final, suados e famintos, andaríamos
um bocado torcendo para que o ônibus estivesse no lugar marcado e, dando certo,
passaríamos toda a volta implicando com os bêbados, os sonolentos, casados e
solteiros, os inteiros ou semi-mortos. Desse errado agiríamos da mesma forma,
por mais tempo. No dia seguinte acordaríamos cedo porque bloco bom é na
concentração. E por que andar?, perguntaria Adalgisa. Porque assim a gente
chega lá, chega até no mar. E de bloco em bloco acabaríamos de bar em bar. De
pirata, marinheiro, de coração partido ou inteiro. De repente, cantando pelos
bairros no meio de toda aquela gente. Normalmente. Até nunca cansar. Até a
quarta-feira chegar. Até a vida real mandar a gente voltar.
Ele disse que como gênero
literário as crônicas da Quarta-feira de Cinzas perderam toda a legitimidade.
Viraram anacrônicas. Talvez como uma colombina que cisma em achar mais graça no
pierrot mesmo sendo tão bonzinho o arlequim. Como uma coleção de máscaras.
Saias de filó. Como quem tem tanta alegria adiada, abafada, quem dera gritar, e
está se guardando pra quando o carnaval chegar.
19.1.12
*That smile on your face
Ah, admirador! Lembro de quando a Radical Chic ainda fazia sucesso e se comparou ao Rio de Janeiro: de longe um espetáculo inigualável, de perto uma colcha de retalhos. Até gosto bastante de patchwork, mas não foi no bom sentido que a balzaquiana fictícia se descreveu – estava mais para “meu coração e minha bunda tem mais crateras do que as ruas da cidade”. Eu continuo achando-a maravilhosa, mas daí à perfeição... cantamos os encantos mil, mas quando estamos a sós entre compadres cariocas confessamos os sacrifícios que a musa nos exige.
Pode confessar, mãe, foi uma boa tentativa de elevar minha auto-estima, me fazer reencontrar a esperança de haver um alguém romântico na multidão, alguém que se tivesse uma rua mandaria ladrilhá-la para eu passar, não funcionou. (Minha mãe nunca entendeu que quando o obstetra anunciou "ela é perfeita" se referia aos meus vinte dedos, dois olhos, nariz e boca.) Aliás, mãe, não precisa ficar com pena de mim não, tá, já conheço os conselhos de exigir e temer menos, blablabla, vão você e papai conversar com Freud e por favor só retornem com um plano de ação e a conta da sessão paga que há pouco redirecionei a verba da terapia para massagem modeladora com ultrassom.
Onze da noite, véspera de feriado, uma hora e treze de transito pós-trabalho e chega o recado dele - "Admirador Secreto"- no blog para mim: “você é perfeita”. Ô, coração, faz isso não, isso aqui é um poço de desilusão. Na segunda série cheguei do recreio e encontrei sobre o estojo três chocolates. Era dia dos namorados, 12 de junho de 1987, o paulistinha gostava de mim e fez essa surpresa, minhas amigas viram, eu congelei, segundo dia mais nervoso da minha vida que no primeiro um outro entrou no play carregando buquê de rosas dez vezes o pequeno tamanho dele. 5 de outubro de 1985. Minha festinha parou, os primos mais velhos adoraram, nossos pais nos obrigaram os dois beijinhos e tenho certeza de que pensei em furar meus olhos nos espinhos para não precisar encarar mais ninguém dali em diante. Essa Perfeição não sabe lidar com galanteios.
Perfeição é uma carga tão pesada, desafio tão intransponível que vou não. Não vou conseguir completar a Travessia dos Fortes, escalar o Pão de Açucar nem dançar balé. Perfeição é chato, um estado de alerta, precaução infinita, é tanto medo que prefiro calculadora financeira, é até mais atraente! Perfeição é pra quem não tem coração, quando ele assume fica tão mais genial.
Escreve “você é uma menina legal”? Aí eu nem gargalho, dou um sorriso, ganho o dia, penso que até pode ser, sem muitos dramas, e ponto final. Imperfeitamente felizes para sempre.
*How long before you screw it up
How many times do I have to tell you to hurry up
With everything I do for you
The least you can do is keep quiet
Pode confessar, mãe, foi uma boa tentativa de elevar minha auto-estima, me fazer reencontrar a esperança de haver um alguém romântico na multidão, alguém que se tivesse uma rua mandaria ladrilhá-la para eu passar, não funcionou. (Minha mãe nunca entendeu que quando o obstetra anunciou "ela é perfeita" se referia aos meus vinte dedos, dois olhos, nariz e boca.) Aliás, mãe, não precisa ficar com pena de mim não, tá, já conheço os conselhos de exigir e temer menos, blablabla, vão você e papai conversar com Freud e por favor só retornem com um plano de ação e a conta da sessão paga que há pouco redirecionei a verba da terapia para massagem modeladora com ultrassom.
Onze da noite, véspera de feriado, uma hora e treze de transito pós-trabalho e chega o recado dele - "Admirador Secreto"- no blog para mim: “você é perfeita”. Ô, coração, faz isso não, isso aqui é um poço de desilusão. Na segunda série cheguei do recreio e encontrei sobre o estojo três chocolates. Era dia dos namorados, 12 de junho de 1987, o paulistinha gostava de mim e fez essa surpresa, minhas amigas viram, eu congelei, segundo dia mais nervoso da minha vida que no primeiro um outro entrou no play carregando buquê de rosas dez vezes o pequeno tamanho dele. 5 de outubro de 1985. Minha festinha parou, os primos mais velhos adoraram, nossos pais nos obrigaram os dois beijinhos e tenho certeza de que pensei em furar meus olhos nos espinhos para não precisar encarar mais ninguém dali em diante. Essa Perfeição não sabe lidar com galanteios.
Perfeição é uma carga tão pesada, desafio tão intransponível que vou não. Não vou conseguir completar a Travessia dos Fortes, escalar o Pão de Açucar nem dançar balé. Perfeição é chato, um estado de alerta, precaução infinita, é tanto medo que prefiro calculadora financeira, é até mais atraente! Perfeição é pra quem não tem coração, quando ele assume fica tão mais genial.
Escreve “você é uma menina legal”? Aí eu nem gargalho, dou um sorriso, ganho o dia, penso que até pode ser, sem muitos dramas, e ponto final. Imperfeitamente felizes para sempre.
How many times do I have to tell you to hurry up
With everything I do for you
The least you can do is keep quiet
6.1.12
1.1.12
@Noel
E aí, gorducho fofinho? Teve um #felizNatal?
Essa história das festas terem caído em fins de semana atrapalhou mais do que a
chuva, não achou? Não percebi que era Natal nem na Leader Magazine! O lado bom
é que quase consegui escapar da tradicional angústia de final de ano – e digo
quase porque hoje, sem querer, ouvi a Árvore tocar Noite Feliz, aí é um golpe
muito baixo. Ela já está linda com presentes iluminados ao redor e ainda
inventaram de colocar músicas instrumentais a cada hora, fui pega de surpresa
aos quarenta e cinco do segundo tempo! É um certo delay se emocionar no dia
primeiro de janeiro, mas fazer o quê? Pude evitar a longa apreciação dos fogos
e fui surpreendida pelo efeito caixinha de música ecoando por toda a Lagoa,
quando digo que se existe um Deus ele tem um certo humor negro você se zanga.
Enfim, sobrevivi a mais um reveillon,
consegui até me divertir bastante em uma festa fortunosa que parecia último capítulo de
novela e agora tudo volta ao normal: os turistas que andam de biquíni no calçadão
e dirigem como bêbados sumirão, podemos encontrar com os amigos a qualquer dia
de qualquer mês sem sentir a pressão de um prazo se esgotando, os planos devem ser
colocados em prática porque não cabe mais a desculpa de que em dezembro não adianta
começar nada (vai malhar!). Quanto aos turistas, confesso, não sei por quantos sábados e
domingos até o Carnaval teremos folga deles – eu que tanto torci pelo
desenvolvimento do potencial turístico da cidade me vejo inventando estratégias
para espantá-los (e nem assim ouso pensar em preços abusivos como estão, vou
pelo caminho de plantar notícias falsas envolvendo as UPPs ou fotografar os
miquinhos nas ruas e associá-los ao Planeta dos Macacos). É que não
cabe, Noel! Não cabe no meu bolso essa moda de Cidade Olímpica nem nas ruas
espremidas entre a montanha, mar e Lagoa. Não cabe nos blocos, nas praias, nos
bares, no glamourizado Leblon televisionado pelo Manoel Carlos. Se ao menos os garçons se tornassem mais bem educados... Como
será que fazem os parisienses? Uhn, verdade, ficam mal-humorados como estou.
O mau humor é só por esse ponto,
Noel, em todo o resto sou só sorrisos para o ano que passou, tanto que por mim
ele nem precisava passar. Nem Susan Miller leio mais, acredita? O que tem
vindo, de bom ou nem tanto assim, tenho encarado, bem ou nem tanto assim, mas
conseguindo. Adoraria não ter essa dor nas costas e acreditar um pouco mais que
toda forma de amor vale a pena, por enquanto sigo alternando compressas de água
quente e Tandrilax e letras de música e cinema independente, um cachorro que
parece urso panda é mais útil para quem vive sozinha do que abridor de potes
(anota essa dica).
É isso, bom velhinho, não poderia
deixar de escrever essa nossa já tradicional carta, não prometerei aparecer tão
assiduamente nesse blog quanto outrora por ter percebido que foi o que mais
pensei em 2011 e não executei . Só deixo aqui registrado que apesar de não saber
uma música da Paula Fernandes, ter visto apenas um filme da lista dos melhores e
ter sentado raras vezes no Jobi fiz muito bom proveito desse ano
arrumando minha casa. O astrólogo recomendou que eu recebesse mais, quem sabe o
que vem por aí? Sem pressa, vamos (vi)vendo.
Como aprendi deliciosamente na Italia: tanti auguri per te! E pra não dizer que não falei de Londres, seja exatamente como você quiser – feliz (em) 2012.
Como aprendi deliciosamente na Italia: tanti auguri per te! E pra não dizer que não falei de Londres, seja exatamente como você quiser – feliz (em) 2012.
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