31.12.09

The October issue

Tínhamos acabado nos conhecer, Catarina e eu, e almoçávamos em Napa, quatro taças mais leve – três e meia, que do Zinfandel não gostei. Ainda ríamos do simpático responsável pela vinícola que defendia a idéia de que uma garrafa de vinho aberta deveria ser consumida naquela mesma noite, no máximo duas depois, e quem não é capaz de fazer isso que beba Bud Light. Foi logo após essa lição que Catarina veio ver minhas anotações: “você está estudando vinhos?” De certa forma sim, mas na verdade só entendo o que escrevo então à medida que nosso guia ia falando eu ia anotando – e bebendo.

Então eu era brasileira, férias na Califórnia, e ela, o que fazia? “Nada. Vou morar na Toscana.”

Saímos andando até a área permitida para cigarros, onde estava Patrycia. Em Wine County se pode beber dentro dos lugares e fumar fora deles, jamais os dois juntos. Patrycia também não fumava, mas ali estava para conversar. Havia tirado três meses dos seus oitenta anos para dar uma voltinha, gostou muito de Salvador e Havana, aquela era a última parada antes de retornar a Sidney, Austrália. Com um inglês enrolado nos contou que viajar era o passatempo preferido dela e do marido, falecido oito meses antes. Passado o luto ela manteve o hábito, é o que gosta de fazer. Agora ia sozinha com seu casaco de nylon branco e cabelos no mesmo tom.

Catarina se mudaria para a Toscana com o namorado. A filha estava criada tentando superar a crise econômica na Flórida, nasceu quando ela tinha vinte e poucos anos e trocou a idéia de trabalhar na ONU por uma paixão mexicana. A nova paixão era do ramo de turismo e quicava pelo globo, quanto tempo mais ela se prenderia a estafantes reuniões de apresentação de resultados e análise de riscos em multinacionais? “Descobri que mais da metade do meu dia eu passava resolvendo problemas que para mim não representavam ameaça alguma. E que a Toscana é extremamente agradável”.

A nova cidadã italiana terminou seu cigarro, passamos em mais alguns oásis de Baco e voltamos a San Francisco. Ao descer do ônibus, Patrycia se despediu: “girls, stay safe.”

À noite achei, jogada dentro da mochila, a bateria da câmera que pensei ter deixado no hotel. Não tenho uma só foto dos intermináveis vinhedos e suas rosas! Alguns momentos são irretratáveis e inesquecíveis. Preste atenção.

You too, Patrycia.

23.12.09

17.12.09

Laughing all the way

Você descobre que é hora de acabar o ano quando passageiros de um avião se rebelam e começam a berrar com os comissários porque a neblina impediu o pouso em São Paulo. Vindos de Londres, os viajantes não queriam descer no Rio de Janeiro: “vamos nos assustar com aqueles presépios! Toca pra Viracopos!”. Semanas antes, no dia da final do Brasileirão, Herbert Vianna assumiu o microfone da aeronave na qual voava e puxou à capela o hino do Flamengo, transformando a ponte aérea em uma jam session. Dezembro estressa.
No mais perfeito clima Al Gore falou, Al Gore avisou, a estufa carioca não tem mais sol, uma lama provocada pelas chuvas semanais cobre os caminhos por onde Madonna pisou e o choque de ordem previsto para as praias faz aumentar o preço das cadeiras que não estão sendo usadas. As garotas de Ipanema não tem marca de biquíni (ou essa garota cresceu e trocou as areias nubladas por um escritório com ar condicionado quebrado?).
A década vai acabando e só me dou conta de que o bug do milênio é passado distante quando a playlist que mais anima as festas tem o nome de “músicas anos 90”, nostalgia indicadora de que aqueles adultos viveram bem suas adolescências. Correm na web listas de retrospectiva, “os dez mais de qualquer tema”, e nem sei se o Cold Play é coisa de agora ou tempos remotos, aqueles onde líamos jornais em papel. É melhor parar o texto por aqui, resistir à pressão de refletir e avaliar e planejar – depois do dia 31 vem o dia 1 como em qualquer outro mês.
Ao contrario do que diz um estudo de saúde pública da Austrália, Papai Noel não precisa perder peso nem trocar o trenó por bicicletas para servir de exemplo para as crianças. Deixem o velhuxo beber sua Coca-Cola, delegar as funções aos duendes e continuar com o olhar condescendente que só alcança quem já chutou o balde. Ele tem um sorriso feliz.
Tente se manter são nesse Natal.

15.12.09

Capítulo 4

Todos os dias, às vezes pela manhã, ou entre uma coisa e outra, algumas logo antes de adormecer, lembrava-se dele. Contasse para diferentes pessoas sobre espontânea rotina perceberia reações diversas - os poetas sorririam, psiquiatras receitariam, ele a abraçaria com carinho.
Ali do alto, procurando por de cima da nuvem, desconfiou que talvez ele não existisse - fosse construção de lembranças dele com delírios dela, contos de fada, finais felizes e sobrancelhas arqueadas num suspiro. Queria tanto. Mas entre o tanto e o mesmo havia uma névoa, emaranhado de fios intransponíveis.
Como tinha tempo, puxou uma pontinha. Continuou puxando. E enquanto cantava percebeu que estava desembaraçando, precisava colocar aquela fiarada em algum lugar, e enquanto desembaraçava percebeu que estava cantando. Ficou estupefata. Se conseguisse guardar um punhado daquela sensação em um potinho seria o suficiente para ter fôlego e descer. Se soubesse o que fazer com a fiarada poderia tentar.
Começava a acreditar que na história da cigarra e da formiga uma tinha casa para o inverno, mas a outra tinha histórias de verão.

6.12.09

Que bonito é

Suderj informa: é dia de jogo no Tribuneiros.com.

25.11.09

Capítulo 3

“Não quero torturá-lo e menos ainda aborrecê-lo, mas se acaso em um dia desses você descobrir que me quer mais perto do que tem hoje, por favor não deixe de me procurar. Caso isso aconteça daqui a cinqüenta anos não se preocupe com a minha beleza, a vida terá trocado, com nós dois, ela por serenidade.”

Vista de longe a carta parecia... bem, a carta parecia um telegrama, e quase o era. Telegramas remetem a urgências e aquela definitivamente era uma. Ações impetuosas são de extrema urgência no coração escalpelado do ator e aquilo deveria ficar claro. Debatia-se dentro de si um terror de desperdiçar qualquer chance do amor acontecer, mesmo quando ela desconfiava que o sentimento não passaria num desses testes de ourives para confirmar a pureza. Costumava colocar em um gráfico amor e carência para avaliar o desenho, como se preciso fosse.
Também estava consciente de que o tempo, sempre ele, poderia interferir no desfecho. Ela não tinha como garantir ao rapaz daqui a cinquenta anos resposta diferente da que vinha recebendo nos últimos porque todas as promessas de amor tem prazo de validade, mas ainda assim não gostaria de deixar escapar nenhuma possibilidade de ser feliz por falta de comunicação.

19.11.09

Primavera

“A maioria dos dias do ano são indiferentes. Eles começam e eles terminam, sem nenhuma grande lembrança para marcar. A maioria dos dias não tem nenhum impacto sobre o curso de uma vida. 23 de maio foi uma quarta-feira."




Anos depois ela estava novamente escrevendo sobre filmes. Não porque aquele fosse sensacional, era uma bobagem - como todos os nossos tropeços. Mas ele disse que a história era triste.

(arte de relógio digital volta 4710 dias)
O Uno Mille não subia a ladeira do Fashion Mall. Subiria, se ela soubesse soltar com o pé esquerdo a embreagem à medida em que pressionasse com o direito o acelerador e no meio dessa manobra minimamente calculada o infeliz da frente não parasse o carro, pondo tudo a perder. “Eu nunca vou conseguir fazer isso”. E outros motoristas até cantavam enquanto passavam a primeira, segunda, terceira, reduziam da quinta para a quarta, “é automático!”. “Eu nunca vou conseguir fazer isso”. Esgotada na poltrona, vivia a retomada do cinema nacional em épocas pré-lei seca e arrastão no túnel assistindo à Andrea Beltrão e Daniel Dantas desfilarem o alfabeto em uma tórrida paixão. Não bastasse o desgaste no estacionamento, tudo flutuava na tela até que o casal termina. E não volta no final! Se cruzaram na praia como dois conhecidos, mãos dadas com novas pessoas que – quem são aqueles? Você amava aquela mulher! De quem é esse filho? Filme brasileiro é uma droga.

(arte de relógio digital anda 4710 dias para frente)
Se ela concordasse que o filme é triste atestaria não ter aprendido nada com os tantos perturbados e descrentes que a deixaram por incapacidade de se comprometer, os tais que sempre voltam ao parque para lhe dizer o quanto ela é especial. Os tais de aliança no dedo e medo nenhum, dúvida nenhuma, questão resolvida, pós-ela. Os que gostavam, mas faltava alguma coisa, que na melhor das hipóteses buscam justificativa para remover a ponta de culpa que nem existe, ou desejam tudo de bom ainda estupefatos com a nova rotação da Terra depois do encontro certo, o que pôs tudo nos eixos. Ou o que tirou todas as certezas e preconceitos do lugar como que por mágica. Os que passam de mãos dadas na praia.

Se a mocinha não estivesse lendo Dorian Grey na deli, se tivesse ido ao cinema, se estivesse de mau humor na hora em que o outro entrou, continuaria acreditando mais em Papai Noel do que no amor. E ele... Se Summer não tivesse gostado tanto, mas achado que faltava alguma coisa, estaria de mau humor em outra hora em qualquer deli lendo Dorian Grey. Se ela realmente acreditasse menos no "algo a mais" do que em Papai Noel nem teria visto outras pessoas na deli. E ele...

Salvo masoquistas, adeptos do auto-flagelo, quem, ó céus, escolheria passar por tudo de novo, permitiria que tamanho mal o acometesse? Ele. É uma opção? Pode ser esse o grande castigo por Eva ter mordido a bendita maçã: padecereis de taquicardia por toda a eternidade ainda que pregue pelos quatro cantos a debilidade da paixão. Ou o mal foi a causa – o que essa moça tinha na cabeça? Adão. E um creme da Lanza que prometia deixar os cabelos mais sedosos e sedutores, logo ela que achava isso submissão. E ele vai passar por tudo de novo, e o pior: não há garantia alguma de que um dia vá achar que é isso e ser isso.

Vai ver ele acha que 500 dias são melhor que nada. Senão são só dias. Senão não tem filme, e é um depois do outro que faz com que ela aprenda a subir ladeira. Uns quatro mil depois, até cantando.

15.11.09

Capítulo 2

Tinha vontades – uma caixa de Caran d’Ache, relógio Cuco, sanduíche de carne assada no pão de forma, sino. Vestia uma calça de moletom, considerava calças de moletom sinônimo de conforto como pantufas (ninguém tem pressa de pantufas) e tinha acima de tudo vontade de não ter pressa. Para não ter pressa tinha vontade de ter tempo, e desde que começou a prestar atenção nos que exclamavam como era possível já ser novembro considerou ser tempo substantivo masculino subjetivo. Era novembro porque acontecera outubro, e antes setembro e agosto e assim o contrário de sucessivamente e só causa desconfiança essa contagem em quem não esteve ali, o que acontece com bem mais freqüência do que dizem os cartões de ponto das indústrias fedorentas. Antes ela própria não estava, e quando esteve estava tudo tão estranho que escolheu se sentar na nuvem.
De lá viu o cantor cantando na beira do palco. Ele também estava sentado quando engasgou com as palavras e num soluço a lembrou do tanto de amor que há. Alguém no palco tem uma platéia e um disco e curumins e um amor e canta, e ela sentiu vontade de cantar. Juntou à caixa de Caran d’Ache, ao relógio Cuco, sanduíche de carne assada no pão de forma e ao sino mais essa, sem saber se era também lembrança boa ou promessa de felicidade possível. Pensou se essa seria uma vontade-chave, e deu-se conta de que chaves na língua portuguesa abrem portas.

13.11.09

Agora eu já sei

"Restaram pela casa três corpos a serem recolhidos em cena que lembrava o dia seguinte de uma chacina. Estavam ali, jogados no chão faltando só aquela marca em volta do defunto, duas baratas e um besouro. Ela, de galochas, com as mãos em luvas, armada de pá de lixo e vassoura, rezava para nenhum morto ressuscitar. Besouros são legais se comparados a baratas, as cascudas cheias de patas não são tão terríveis quanto lagartixas, catar aquilo seria melhor do que desentupir ralos e um parágrafo desses só poderia descrever punições."

E só poderá ser lido no Tribuneiros.com

6.11.09

Capítulo 1

Depois de selar a carta à moda antiga, não usando a língua e sim aquela cola de pincel que ainda existe nos Correios, entregou ao atendente e pediu licença. Não licença ao atendente, que para sair dos Correios basta atravessar a porta, mas à vida mesmo. Ficaria ali no alto por um tempo. É um lugar entre a terra e o céu, como se estivesse sentada em uma nuvem, sabe? Uma pausa. Você pode pensar que ficar sentada por muito tempo dói a coluna como nos vôos muito longos onde não se dorme, mas nesse caso isso não acontece, e não sei por quê. Precisava de tempo, e não esse dos casais sem coragem ou com muita dor no coração, mas o dos cansados, daqueles que não sabem em que direção seguir. Já tinha passado por maus bocados antes, e bota maus nisso! Os atuais nem eram assim tão ruins, havia solução, qualquer um apontaria uma dezena delas, mas as instruções não funcionavam, inicializar não lhe parecia palavra em português, faltava até metáfora para ilustrar, e a pausa prescindia de razões, explicações, desculpas, respostas confortáveis para os ouvidos dos que perguntavam. Foi por isso que puxou-se pela gola e lá em cima se sentou.

9.10.09

Passagem

"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida*."

Participe do programa de milhagens do Tribuneiros.com. O primeiro com a garantia de vôos turbulentos, além da certeza da chegada.

*Drummond

27.9.09

Carta a J.

Chérie,
Não consegui responder de imediato, sua carta ficou me incomodando. Na verdade eu nem precisaria responder porque não foi endereçada a mim, mas você deixou espalhada então li, foi irresistível.
Nem sei direito se me lembro bem das palavras porque tem sido tantas coisas que... tão inúteis. Eu deveria me lembrar de cor e repetir até esclarecer aqui dentro, mas... tanta perda de tempo. E enquanto isso meu caderno está ali, em branco, dizendo que não sou obrigada a dizer nada: se não sei, posso calar-me. Já há besteiras demais no mundo, agora ainda incessantemente propagandeadas pela internet. As coisas têm feito barulho demais? Isso deve ser o segundo sinal da velhice, precisa ver como minhas pernas doem.
Não tenho entendido as aulas, sei que são discutidos assuntos fabulosos, prendo os olhos no professor a cada vez que pronuncia Matisse, é em vão. Desconfio que falavam na língua do pê ontem só para me provocar, tudo o que consegui fazer foi retirar-me e usar dos limpadores de para-brisas e lenços do porta-luvas para chegar até em casa consciente de que minha presença física ali não evitava minha ausência. Estou completamente exausta, não sei se mais cansada por ser quarta-feira ou por tanta precaução. Arrisco o segundo, sinto-me existencialistamente esgotada e isso é o máximo de beleza que eu enxergaria em algum lugar. O meu caso requer um reprocessamento cerebral.
Já o seu caso, minha querida, ah... As coisas são repetitivas sim, você é que não é. É tão bom deixar pra trás o que já não é mais, recomendo veementemente. Meu único medo em relação a isso é não ter fôlego para convencer os outros, eles lhe parecem muito acomodados onde estão? Vontade que tenho de sacudir pessoas, mas por que desejar a elas o incômodo que me assombra? Felizes os outros, na sala de jantar. Os outros não se tornam, eles sempre foram. O que acontece quando nos tornamos o que queríamos ser? Adoraria culpá-los, gritar com eles, expulsá-los daqui! Seguiria com tudo que joguei em cima deles berrando para o espelho. Se eu fosse burra nem perceberia, droga.
Vi que ele respondeu a sua carta e meu conselho de leitora intrusa é que você dê atenção às palavras dele – poder constatar que não mais ou não agora é um crescimento, não tivesse você vivido até aqui não teria discernimento para apreciar ou rejeitar o que lhe é oferecido, mesmo que tenha sangrentamente lutado por aquilo. Só alcançando somos capazes de não querer mais, sem birra ou ansiedade juvenil.
Calma, em breve voltaremos à mesa lotada. Nos juntaremos ao resto na pista de dança e de longe nem dará pra perceber que não estivemos ali o tempo todo. Por ora ficarei por aqui, estas poucas linhas já me causam dúvidas e só não as amasso porque me ajudaram a localizar o norte de novo. Nós estamos mesmo sozinhos. Eu só queria alguém que dissesse “estou aqui”. E sorrisse.

A tout a l'heure.

20.9.09

Keep Walking

É quase sempre assim: ali no cantinho direito o relógio avisa que se eu não for dormir agora amanhã vou me arrepender, e o silêncio da madrugada coloca as roldanas das minhocas para funcionar. O registro escrito é pura conseqüência. O amanhã chega sonado, mas a cada par de olhos que sorri ou se inunda ao compartilhar as palavras o arrependimento tem menos chance de existir. Ele nunca existiu.

Ouvi dizer que as comemorações são importantes para marcarmos nossos passos e interiorizarmos os feitos. São 4 anos hoje, e por mais bobo que às vezes meu cinismo faça parecer seria um desperdício não aproveitar a data para celebrar por termos vindo até aqui.

É mesmo uma exposição, as pessoas acham que tudo aconteceu. Não sei bem o que realmente aconteceu e o que invento, mas isso já é assim há mais anos do que completa agora essa idéia engraçada de publicar, então tudo bem. Minha cabeça insiste em criar histórias, é a realidade quem falha ao ser incapaz de acompanhá-las.

Estamos comemorando também o Ano Novo, e qualquer idéia de renovação ou pretexto para ajeitar o que está ruim me parece bem-vinda independente do mês e dos fogos. Com seu quipá na cabeça, da cabeceira da mesa, ele ensinou que parássemos para pensar no que temos feito, e brindou. Shaná Tová, que você seja inscrito no livro da vida.

Na minha história continuo achando que a felicidade é mais completa com um bode tocando violino, volta e meia há pausas para conversas de Brunas ao som de Strokes porque são muitos hard and twisted thoughts that spin round my head. Saio provocando quem estiver por perto para sermos todos loucos nesse hospício de portas abertas, assumo verdades que não são fraquezas e quando são tento me lembrar de pedir socorro. Cantando em verso e prosa amores e desamores e pulando tantos carnavais ficam mais leves e ricas as centenas de dúvidas e questões que mostram que a vida é para ser vivida com paixão para que até a saudade valha a pena.

Continuo andando, mesmo tendo percebido que o titulo original sumiu do blog. Foi uma evolução natural, quando reparei já tinha acontecido, vai ver a mensagem está tão presente em cada linha que seria redundante colocar uma faixa lá em cima. Mas não se preocupe, as pessoas comuns aqui retratadas continuam determinadas a terem vidas extraordinárias e fazerem seus próprios caminhos. Sabem que acontecimentos não fazem escolhas como se fossem extrínsecos a nós, como se a vida fosse indo tal qual um barco levado pela maré sem que tomássemos o leme. Somos a soma das nossas escolhas – não as grandes, enormes, que parecem definitivas, mas as pequenas e diárias, aqueles percursos que traçamos todos os dias e que só passam a existir no momento em que os criamos. Somos protagonistas, roteiristas e diretores desse filme (preciso, inclusive, renegociar o orçamento).

É dessa mesa, desse lado da tela, às vezes mera espectadora desse mundo, que vasculho um jeito de tornar tudo mais fácil. A solidão não é uma ameaça, é condição e até opção, mesmo que não pareça. A minha história não é um monólogo.

Puxa essa cadeira. Você mesmo! Como no jogo de buraco que a vez é sempre de quem pergunta “quem é agora?”, é exatamente você. Pede um Johnnie Walker para brindar.
Feliz ano novo!

5.9.09

Programa de aceleração do crescimento pessoal

A Light acha que eu sou pobre. Educadamente falando, que pertenço à classe de baixa renda. Sábado à noite, planilha de orçamento nas mãos e ouço da atendente da empresa a sugestão de me cadastrar no Bolsa Família para conseguir novamente pagar quinze reais por mês de luz, e não mais trinta como vem acontecendo. Gisele, muito simpática, recomendou fortemente os benefícios do projeto do governo que visa ajudar meus semelhantes pobrinhos e explicou que a Light poderia me dar uma mãozinha se eu conseguisse me manter dentro da faixa de consumo que eles entendem como boa para mim, mas não o fazem para me punir pela oscilação no meu comportamento. Eles analisaram meu histórico, me incluíram nessa classificação econômico-social e me consideram muito instável. Às vezes enlouqueço e extrapolo, mas conta de luz não é crediário da Marisa. Achei que Gisele fosse recomendar outras ações que reforçassem meu voto de pobreza, mas ela se ateve ao quesito energia. Pelo menos, na hora, pareceu fazer isso.

A Light não desaprovou o fato de uma moça bem apessoada de 30 anos, de posse de suas faculdades mentais e possuidora de um circulo razoável de amigos passar a noite de sábado questionando os reajustes de preço aprovados pela Aneel, mas eu sei que acrescentou à minha ficha o dado de que preferi conversar com a Gisele a ver a Yvone levar mais uns tapas da Silvia na reta final de Caminho das Índias. Talvez isso represente um ponto a meu favor, afinal, TV consome muito. Talvez a moça tenha ficado com pena de mim por não ter dinheiro nem pra ir a um pagode tipo damas grátis até a meia noite e só me restado a companhia de um atendimento 24 horas. Gisele me deu o nome do Valdecir, um colega dela que trabalha no call center da CEG, e na hora não entendi, mas pensando agora vejo que foi bonito de sua parte essa outra dica. Ela poderia ter sugerido que eu passasse meus sábados na Bola de Neve Church ou recomendado livros de auto-ajuda. Se bem que ler gasta luz, reprovável.

Quando desliguei o telefone levei horas pensando sobre o parâmetro usado para consumo de luz pela baixa renda. Se uma pessoa solteira que basicamente só vai em casa para dormir gasta muita energia, como se economiza nos lares onde a renda per capita não supera um quarto de salário mínimo e há em média cinco filhos? Eles têm Net gato e painéis solares no teto? Fazem aproveitamento de energia eólica?

Que mau uso de massa cinzenta, Bruna! O importante é estarmos sempre atentos às coisas boas que nos aparecem e às mãos estendidas quando menos esperamos, identificar as oportunidades de melhoria e crescimento. A Light está me doutrinando, o desperdício é uma atitude incorreta em qualquer área. Sobre a minha incapacidade de permanecer estável até na conta de luz, prefiro não comentar aqui. Isso é entre mim e, quem sabe, o Valdecir – não posso desperdiçar um amigo da amiga assim, certo? Se casarmos a conta sobe, mas ganho alguém para pagar a metade dela.

27.8.09

O casamento da minha melhor amiga

Lá vem a noiva toda de branco e sua amiga enxugando o seu pranto.
Ele aceitou, ele aceitou, terão mil bem-casadinhos e a madrinha vai surtar.
Já começou, já começou, ela está fazendo riminhas que CA e Pim vão publicar.

Tribuneiros.com não coube na música. Mas continua aqui.

17.8.09

Baile de máscaras

Eu menti sim. Editei a verdade a meu favor. Em um exercício de futurologia imaginei como você reagiria a todas as histórias e escolhi a que melhor me pareceu. Tenho um crédito pelo trabalho! Deveria sim ter economizado tanta especulação e sido simplesmente eu, mas garanto que foi bem mais fácil ter criado tantas hipóteses e investido em uma. Não por eu ser uma pessoa ruim, absolutamente, mas por já estar de tal forma acostumada a esse exercício que naturalmente ser é desgastante, exaustivo. Talvez você gostasse de mim sim, mas não dá. Achou que viesse aí uma explicação psicológica do motivo? Está vendo como sou surpreendente? E isso nem foi calculado, essa sou eu sendo bastante espontânea.
Ao pouco que você falou acrescentei o muito que percebi por aí e montei essa personagem, criatura bem legal, confessa. Adorável. São anos de estudo: livros, filmes, revistas, campanhas publicitárias, conversas abertas e entreouvidas, músicas, tentativas e erros de quando eu ainda arriscava, quase uma tese com extensa bibliografia! Deu em nada, não é? Só mais uma em vão.
Não foi por mal. Nunca tive a intenção malévola de enganá-lo, pelo contrário. Queria que você encontrasse tudo aquilo que sempre buscou na vida. Olha que presente! Queria ser sua mãe, a ausente que não impôs limites, sua amiga a te incentivar e dar mil motivos para rir, sua amante mais atenta, a filha desprotegida e mulher da qual se orgulhar. Acabei sendo nada, alguém que você nem sabe quem é. É ninguém, um pedaço de carne, coração dilacerado implorando atenção.
Não vou ficar muito tempo por aqui. Invento uma nova, me dá cinco minutos para retocar a maquiagem e pode chamar o público. O show tem que continuar.

10.8.09

Ligeiramente à toa

Digite 1 para promoções de fraldas.
Digite 2 para aulas de carpintaria.
Digite 3 para idéééias.
Digite 4 para a banda passar.
Digite Tribuneiros.com para tudo fazer mais sentido. Ou não.

6.8.09

He's gonna be a fry cook at Venus



John Hughes, 1950-2009. (Com uma incrível atuação no take 1986!)

31.7.09

Ligeiramente feliz

Eu estou grávida.

Corta pro flashback. Porão da casa de cultura Laura Alvim. “Não saber que camisinha estoura é como não saber que carro atropela!”. E tinha a cena da Ingrid que saiu com uma toalha na cabeça por culpa de um baseado e uma parte chatíssima onde a Maria Mariana dizia que duas simples bocas podem fazer maravilhas por duas simples almas. A gente ria quando elas diziam que o primeiro beijo tinha sido bom, mas aquela língua atrapalhava um pouco. Primeiro beijo da vida. Era bem próximo.

Eu estou grávida.

Ser surpreendida por uma gravidez aos trinta é como bater o carro na garagem? Você já relaxou, acha que domina as técnicas de baliza, em um dia ruim manobra até pensando em outras coisas, não tem mais alarmes e sinais luminosos indicando a cartela de pílulas, adultos acenando com preservativos, os homens que reclamam que aquilo atrapalha não são mais moleques querendo contar vantagem (será?). Sendo bem sincera você sabe que consegue ter um filho ainda que converse melhor com o garçom do Bracarense do que com o pediatra.

Ela está grávida.

Em homenagem ao aniversário da chegada do homem na lua ela resolveu dar seu grande passo – apesar de pequeno para a humanidade. Cancelou a prova de docinhos que faria com a irmã noiva, prendeu o cabelo besuntado de formol contrariando as recomendações da cabeleireira e saiu com ele. Um cara tão romântico, eles e o oceano Atlântico, ele não sabe quem é Bahuan, ela usa um lindo sutiã e as coisas mais sérias a gente conversa amanhã.

De repente, no amanhã, ela está grávida. Que merda.
E ele sorri. Ela chora. Chora mais ainda. Ele encosta na barriga dela onde cresce um serzinho de treze milímetros. Ele não acha bom que ela fique em lugares fechados por causa da gripe suína, mas pergunta se podem viajar nos próximos meses. Antes do sétimo ele quer que ela conheça seu país preferido.

Ela está grávida e algumas pessoas simplesmente não nasceram para o comercial de margarina. Elas escolheriam Bob Dylan para a trilha. E tudo bem.

You've gone to the finest school all right, Miss Lonely
But you know you only used to get juiced in it
And nobody's ever taught you how to live on the street
And now you're gonna have to get used to it
You said you'd never compromise

29.7.09

Quando eu estou aqui

Pra quem vai fazer as ilustrações do próximo e pra quem mais uma vez manteve os batimentos cardíacos controlados a noite toda.
Pra estopa que deve estar rodopiando de alegria e se estabacando no chão.
Pra quem, de algum lugar, acompanhou meu vinho com um whisky porque são determinadas coisas que nunca mudam.
Pra quem apesar dos tantos presentes em todas as datas devia saber que o maior deles foi o imenso carinho, e pra quem depois me levaria pra andar de bodinho.
Pra bridezilla que comportadamente ontem não ficou desenvolvendo teorias etílicas infinitas sobre qualquer coisa, e pra quem traiu o movimento punk.
Pra quem pode ouvir Lulu Santos no repeat sem traumas – o seu destino é ser star.
Pra quem, uhn, acho que engordou mais um pouco, mas a roupa de business man disfarça.
Pra quem me enganava colocando ovo no Nescau! E hoje me esclarece tanta coisa.
Pra quem ontem estaria vestida toda fofinha com os cabelos azuis (e talvez me emprestasse seus casacos de pele mesmo que não fôssemos a um baile).
Pra quem colocou um caracol na minha cabeceira para eu não me esquecer de levar a vida devagar.
Pra quem nem nas suas apostas mais altas devia imaginar que aquela coleção de livros geraria dois!
Pra quem é báááárbara.
Pra minha parceira no Jogo da Vida.
Pra quem começou essa brincadeira virtual e tornou tudo tão real.
Pra quem pinta, borda, escreve, esculpe, viaja, se muda e encanta, e para seu príncipe bem real.
Pra quem comprava de uma vez só todas as figurinhas do álbum e para suas novas figurinhas.
Pra my person, again, e isso não vai passar.
Pra meu 911, mesmo quando pede pra aguardar um momento, senhora, sua ligação é muito importante para nós.
Pra quem agora voa porque pular era pouco.
Pra dona do meu spa particular – mesmo que ele fique em SP.
Pra quem daqui a pouco volta não só a passar a mão na bunda da vida, mas a agarrar com vontade - e ainda vai ganhar a tal.
Pra quem eu sei que nunca vai faltar nosso almoço de domingo mesmo que nem se lembre mais que diabos é isso.
Pros que aprenderam que não há nada tão ruim que não possa melhorar - muito.
Pra quem talvez não fosse tão parte da família se realmente tivesse nascido nela.
Pra quem – sim – tem o mesmo sobrenome, é minha tia (como ela pode conhecer tanta gente?).
Pra quem cuida de mim mesmo perdido pelo mundo.
Pra minha roommate que gosta de gente bonita.
Pros meus mestres, com carinho. Eles ensinam que hay que endurecer sin perder la ternura jamás.
Pra quem destrói carrinhos, mas constrói amizades – e eu saí ganhando nessa!
Pra quem sabe que a vida é o resultado das nossas decisões, mas sopra um ventinho ali na praia e sempre é tempo de aprender kitesurf.
Pra quem teve batizado coletivo, mas é único.
Pra quem é muito mais bobo do que eu.
Pra quem me deu um chocolate lááá atrás.
Pra quem gira no chão porque... ah, normal, a música é boa.
Pra minha insensatez.
Pra keynote speaker dos seminários que ainda vou organizar.
Pra quem não quer the next best thing, mas the best thing ever.
Pra mãe das meninas.
Pra quem tem 13 milímetros.
Pra borboleta verde com diploma de Yale.
Pra quem elogiava tanto que me convenceu que era bom, e pra baleia da sua piscina.
Pra primeira princesa, ou Your Royal Highness.
Pros amigos que eu ganhei deles.
Pro sóbrio em Salvador.
Pros meus companheiros de aventuras.
Pra quem foi, e isso já foi tanto.
Pros que acham o Junior o melhor garçon do Jobi.
Praquele banquinho na parede que me rendeu tantas conversas, pros que conversam através dessa tela e até sem nenhum comentário.
Pra quem me deu um abraço.
Pra quem me desafiou a escrever e mostrou a medida da felicidade.
Pra quem me ensinou a ter certeza, e que reinventá-la não a transforma em dúvida.
Pra quem segue andando, e às vezes assobia feliz.

28.7.09

There's no point to any of this!
It's all just a... a random lottery of meaningless tragedy and a series of near escapes. So I take pleasure in the details. You know... a Quarter-Pounder with cheese, those are good, the sky about ten minutes before it starts to rain, the moment where your laughter become a cackle... and I, I sit back and I smoke my Camel Straights and I ride my own melt.

Reality Bites, 1994

19.7.09

As canções que eu faço para você

Pode ter sido o Rei debaixo de um temporal no Maracanã lotado ou a lembrança do receituário azul.
Quando a dor vem de algum lugar concreto, ufa, deixa vir. Se com ela vem uma vozinha amiga, parente da tal luz no fim do túnel, confia. Se traz uma torrente de lágrimas, deixa cair. Elas limpam a alma, levam embora, fazem cada sorriso ser mais bonito e cada ser ser mais humano.
Se a dor gera histórias de uma vida, são detalhes que eu conto aqui. Às vezes vou deixar você me ver chorar sorrindo.
O amor pode vir de um abraço amigo, do caso mais antigo, pode não vir como a gente queria, pode vir de um gesto inesperado, uma ligação bêbada no meio da noite, uma tarde com vinho em um vale, uma dedicatória em um livro, pode vir do outro lado do monitor. Aqui esse amor é uma canção composta por um pobre resto de esperança sentada à beira de uma estrada. Um olhar volta e meia tristonho que deixa sangrar no peito uma saudade, um sonho. Posts e posts que nos trouxeram até aqui - coisa que somente entre nós dois ficou - cicatrizes que falam em palavras que não calam o que eu não me esqueci.
Eu sei que esses detalhes vão sumir na longa estrada (do tempo que transforma
todo amor em quase nada), mas como "quase" também é mais um detalhe eu quero levar este canto amigo a quem o necessitar. Preciso do coro de passarinhos! Quero ter um milhão de amigos pra cantar em um estádio inundado e lotado.
A felicidade pode vir em capsulas e o futuro em drágeas, mas é melhor quando vem em forma de gente mesmo que gente provoque dor. Porque quando você está aqui eu vivo momentos lindos que me fazem lembrar que com tanto sentimento deve ter algum que sirva.
Qualquer coisa que se sinta é melhor do que um receituário azul. O importante é poder compartilhar as emoções que vivi.

No dia 28 de julho nos encontraremos no Associados. Vou pedindo o chopp.

17.7.09

A few of my favorite things



An education, um roteiro de Nick Hornby. Em breve para as melhores platéias.

13.7.09

O que não tem critério nem nunca terá

Tribuneiros.com lança campanha contra a lisura!
Clique aqui para participar da homenagem a todos os pegadores que dizem que eu deveria estar na festa ao invés de ficar em casa redigindo textos. (Porque de vez em quando eles preferem jogar Wii a gastar mil reais no Baronetti).

Do para-choque

“Se um dia a vida lhe der as costas, passe a mão na bunda dela”

Paulo Cesar Pereio

7.7.09

Ctrl+Alt+Del

Todos em pé na calçada do bar. De novo.
O bar lotado. De novo.
Todos se divertindo, mesmo que preferindo estar em outro lugar. Todos adorando aquelas companhias, mas num beco escuro do peito um desejo imbecil de ter outra, e às vezes o desejo derrama e inunda. Se isso fosse um filme do Gondry a cena viraria uma piscina com todos brincando de Marco Polo.
Você pode pensar que se fosse uma obra de arte seria um quadro do Hopper, mas não. Na cidade colorida as dores não tocam blues, cantam samba, e pelo menos fica mais animado, aquele triste que a gente chama de bonito. É tão bonito que dói.
Na parede do bar o folheto de um curso que ensina a rir de si mesmo. É sério.
A música lá longe. De novo.
Todos vendo o mundo de uma redoma blindada, as pessoas em um plano etéreo. Se fossem risadas viriam do apartamento ao lado.
Você pode pensar que se eles voltassem no tempo fariam diferente, mas repetiriam.
Às vezes o mundo parece um manicômio lotado de gente com esparadrapo no coração.
Se fosse feita uma enquete no bar todos levantariam a mão.
Têm a banda calada, o tempo parado, comida no estômago, vontade de cair no sofá, pantufa e moletom, pálpebra pesando, um exército empurrando para sorrir. Sorriem. Superam. Suspiram.
Você conhece ela?
Conheço. Ela é quem eu queria ser se assim fosse ter você perto de mim.
Se fosse uma doença seria fibrilação.
Eles sabem que daqui a pouco vai aparecer alguém para deletar os itens excluídos de vez, mas antes têm que abrir espaço e a lixeira está ocupando toda a memória.
Se fosse um Mac a mensagem seria “the finder needs your attention”.
Se fosse fácil...

25.6.09

Do outro lado do Pontal

"No restaurante em frente à praia o prato executivo custa doze reais. Você senta de cara para uma vista avassaladora e paga doze reais para o garçom falar uma língua incompreensível, onde “o seu Matte é diet” parece “tomate diet”, e trazer uma travessa de comida ao invés de um simples prato. Além de gigantesco, nunca é quiche com salada. No Leblon se come quiche com salada, no Leme só sai das panelas arroz à piamontese, batata frita, bifes e outras comidas que se servem com duas colheres, uma técnica que os garçons antigos aprenderam no La Mole."

O Leme é aquele bairro que só tem 5 ruas. Vai tooooda a vida pela praia e quando esbarrar na pedra olha pra esquerda. É ali. Siga por esse caminho: tribuneiros.com

17.6.09

Samba de Galeão

Aqui tem feito 18 graus e podemos alternar as Havaianas com botas. Há um ano guardados os casacos cheiram a mofo então estou na função de separá-los por cores para lavar, o que é difícil tendo em vista que um dos meus braços foi operado (teclar com uma mão me lembra quando eu não sabia datilografar em máquina de escrever!).
Imagino que você não queira casacos, mas areia. Areia e Janot. Não tenho visto o Janot, mas me faria bem. Não tenho pisado na areia porque dizem que pode me fazer mal, mas penso que se fosse para ter problemas com o sol Deus não me colocaria nessa cidade. (Paul McCartney teria pensado nisso.)
A luz está linda nesse outono e juro que não é para disfarçar problemas no roteiro como em filme ruim, presta atenção no colorido da lagoa ao sair do túnel. É sempre quando eu suspiro por estar aqui.
Será que você tem andado por aí se despedindo, abraçando esquilos no Central Park, transformando qualquer refeição em brunch, atravessando várias vezes a ponte a pé? Será que você está fazendo planos ou se cansou de mudá-los? Tomara que não tenha perdido sua deliciosa capacidade de se entregar loucamente - a uma idéia. Ok... e ao seu marido (que eu não sou ciumenta). O bom de uma amizade é isso, a gente nunca precisa pedir o outro em casamento e ninguém se apavora pensando se queremos continuar ali. Simplesmente estamos sem medir o sempre.
Com você aqui voltaremos a mandar emails juntando pedaços das histórias confusas da noite anterior e não mais nos atualizando sobre how are we doin. Veremos bem de perto os efeitos dessa temporada longe. Não direi nada sobre as vezes em que nos lemos chorando, só que esse ano não passou rápido demais. Continuamos colecionando uarifes como se fossem toy art, nossa prateleira está cheia deles porque nosso caminho é cheio de What if, mas reagimos com menos ansiedade a essas bifurcações. Ou não.
Se me permite dar uma notícia, digo que essa vida à toa anda boa.
Como sempre.
As fases ruins passam. Também.
Pega esse avião. Vem beijar o meu Rio de Janeiro antes que um aventureiro lance mão.

8.6.09

Um chinelo velho do seu número

Se no seu céu falta raio, estrela e luar, a tampa é pequena demais para a sua panela, o pé prefere ficar descalço a viver apertado e o sol da sua praia dá câncer, leia Tribuneiros. E vá ao Jobi.

27.5.09

Soubesse escrever

Mercúrio retrógrado. Pausa para ler, ouvir música e comer bolinhas de queijo.

20.5.09

O cheiro do ralo (das aventuras de Lar, salgado lar)

Eles ensinaram detalhes dos compostos do carbono, me fizeram decorar a-ante-após-até-com-contra-de-desde-para-per-perante-sob-sub-sobre-trás, eu sei até hoje a fórmula de Baskara e esse inútil nunca me ajudou a pagar uma conta nem ninguém – ninguém! – do maternal à pós-graduação, avisou que eu teria que limpar o ralo.
São dez anos de congressos, milhas e milhas voadas para ouvir gente inteligente dizer coisas importantíssimas e nenhum palestrante jamais mostrou no Power Point: mais fundamental do que rentabilizar o conteúdo é catar os cabelos que caem no banheiro.
Eu entendo sobre cabelos, qualquer mulher entende: se não cortar de dois em dois meses aparecem pontas duplas, um pouquinho de silicone diminui o frizz, mas os danos mortais que os malditos fios que te custam uma fortuna causam no encanamento a Marie Claire não conta. Nunca li na Vogue como abrir o sifão da pia que inundou o banheiro branco decorado com vidrotil. Sei lá onde é o sifão!
Por isso acabei eu, cabelo hidratado com Alfaparf, trocentos cursos no currículo, bombeando um desentupidor no tanque enquanto meu pai, agachado com um plástico enrolado em uma mão e chave de fenda na outra, tentava eliminar o odor de fossa que acabou com minha essência comprada na Daslu Home. Com toda a paciência do mundo o homem puxava gremlings do buraco negro e pensava “se não sair uma cabeça daqui, a minha filha tem um problema capilar”. Ou “essa menina precisa de um marido”.
Amanhã tem reunião de condomínio, talvez seja uma boa idéia seduzir o vizinho.

10.5.09

Jogo da vida

Elas não são sócias da Light, juram que banho depois da comida entorta, sabem as estatísticas de morte de filhos por raio na piscina e vão dançar com a cabeça inclinada e os braços meio dobrados o Hey Jude do karaokê.
Quando você menos esperar, vai estar igualzinha a ela. E antes disso vai perceber que ela sempre foi bem parecida com você.
Feliz dia tribuneiro das mães.

8.5.09

Animal cão

E lá fomos eu e o cachorro ao médico. Por uma questão de especialização, na plaquinha do dele dizia veterinário e, na do meu, cirurgião (apesar do dele também operar e do meu também lidar com instintos animais).
O bichinho já é cego e surdo, eu já sou estressada e medrosa, mas nos dois apareceram bolas que mais pareciam corcovas e se não quiséssemos virar dromedários teríamos que extirpá-las.
- Está nervoso?
- Um pouco, e você?
- Vai dar certo, eu seguro a sua pata e você lambe a minha mão. Mas não morde ninguém.
- Ok. Nem você.


Às vezes o nunca mais não é exagero, é certeza. Não tem palavra. Não tem alívio pro vazio, principalmente pro vazio deixado por quem aliviava o caos do mundo. Quanto sentimento por um bichinho genioso.
Parecia uma nuvenzinha, um poodle de escova. Nos momentos menos higiênicos, uma estopa. A bolinha champagne chegou há tanto tempo que não dá mais pra contar uma história, ela se mistura com a minha. No nosso amor sem alardes talvez fôssemos presença fundamental na vida um do outro, eu o procurava pra fazer carinho, ele se apossava do meu travesseiro. Ele sentava se equilibrando com as patas em volta da minha mão enquanto tínhamos conversas assim:

Eu prometi que você não sofreria, cãozinho. Gente não escolhe sofrer ou não, mas você, deixa que eu protejo. Encara como um agradecimento às tantas vezes em que aturou quietinho eu te amassando em um abraço. Em troca de me eleger o melhor escudo humano contra implicâncias alheias, só precisei te apoiar durante a dor de barriga causada por um medalhão à piamontese. Foi uma relação bem equilibrada.
Há muito você já não me faz mais de apoio para suas espreguiçadas, não pula no meu colo amassando o jornal com a total falta de cerimônia de quem sabe que é o dono da gente. Se abaixo e te encaro não preciso mais desviar como ninja das suas investidas pra lamber minha cara.
Queria ver você pulando em volta de si mesmo até tropeçar quando a porta abre, ouvir os latidos escandalosos que ficaram lá no passado. De barulho, pra mim, só sobraram suas unhas no assoalho. Pra você não sobrou nada. Que diferença? Nunca atendeu ao nosso chamado mesmo. Você só vinha quando queria, e quando queria era a criaturinha mais companheira que eu já tive.
Não tinha isso de “cachorro, vamos brincar agora”, só brincava se quisesse. Correr atrás de bolinha nem pensar, pra quê o trabalho de buscar e vê-la sendo isolada de novo? Preferia sentar à mesa e comer pão com manteiga! Se estava dormindo, estava dormindo, ponto final, smplesmente não queria ser incomodado. Às vezes corria pela casa como se tivesse tomado um ácido, em outras horas ficava sozinho brincando com o vento. Criou bem seu mundinho particular em meio a tantas crianças, agüentava ser jogado pelos ares numa boa e quando passavam do limite rosnava como uma fera me fazendo pensar – um dia ele ataca. Esse era você ou era eu? Você, bem mais controlado.

Não publiquei o texto lá de cima esperando o dia do meu exame. Foi hoje de manhã, mas você foi ontem à tarde. Vou operar minha corcova. E nunca mais vou te esquecer.

1.5.09

30.4.09

Are you George Clooney?

Os sinais que mostram que você envelheceu não são os valorizados por campanhas de cosméticos politicamente corretas, para a pele os laboratórios desenvolvem milhares de cremes milionários. Irreversível é quando o caçula responde que sua perna não está com taaanta celulite assim, “é que você não tem mais vinte anos”. A estagiária nunca ouviu falar em Juba e Lula. Você tenta jogar XBox e percebe que está pulando com o controle na mão igualzinho a sua mãe fazia com o Mario Bros. Mas é quando lê a lista das 100 pessoas mais bonitas do ano da revista People que se dá conta da gravidade da situação: quem é Nick Jonas? Robert Pattinson? Não só você ignora por completo esses galãs como se assusta ao ver a foto: homem bonito? Mas é um menino! E todo descabelado! Já esse Secretário do Tesouro americano, uhn, interessante...
O próximo passo é comprar uma máquina de Nespresso.

22.4.09

Lerê lerê...

Era a taça do mundo ali na minha frente, se esticasse os braços e perdesse a sanidade eu poderia levantá-la tal qual Cafu e mostrar minha camiseta 100% Jardim Irene. Como todos agiram de forma blasé, também fingi que aquele encontro era normal. Ao lado dela, três homens engravatados certamente estavam lendo meus pensamentos - eram os seguranças. Tem gente que vive de proteger a taça! É como se ela fosse a Angelina Jolie, com a diferença de que por onde passa não adota bebês.
Eu sei, era a taça do mundo, ela brilha muito mais do que eu imaginava apesar de jamais ter imaginado algum dia estarmos tão perto, mas como uma criancinha deslumbrada saí olhando para o resto do estúdio. Dois homens com TVs enormes na frente e microfones assistiam a um jogo e conversavam sobre isso. Não tinham uma cerveja na mão nem palavras chulas à disposição, mas estavam comentando Porto x Manchester United ao vivo para todo o Brasil. Tem gente que vive de ver futebol! É como se me oferecessem dinheiro para ficar falando sobre Grey´s Anatomy.
O hotel Andaz, em Londres, contratou um novo profissional. Os hóspedes escolhem um livro em um cardápio de 25 títulos e Damien Barr lê para eles durante uma hora. Ele trabalha uniformizado - de pijamas – e só não pode deitar na cama nem fazer vozes diferentes para cada personagem.
É isso, Damien vive de contar histórias. Alguém vai ser o zelador de uma ilha paradisíaca na Austrália. Tem gente que vive de escrever os quadrinhos do Snoopy, treinar golfinhos no Sea World, ser acrobata no Cirque du Soleil, coreografar os shows da Madonna, alfabetizar crianças no sertão.
Às vezes parece que nem todas as histórias estão listadas no cardápio.

13.4.09

Dedicatória

"Todo amor que eu amei no fundo dediquei a mim e a mais ninguém".

E se eu hesitar em te pedir para ficar?
Memórias, crônicas e declarações em Tribuneiros.com.

1.4.09

Happy Pinoquio´s day

Essas são as minhas resoluções de ano novo.
Você vai esquecer esse cara em dois minutos.
Eu precisava comprar essa bolsa, não tinha mais nenhuma apresentável.
Ele está inseguro, você é mulher demais para ele.
Eu não vejo Big Brother, é porque todo mundo só fala disso.
Ela não está dando mole para ele, são só muito amigos.
Na segunda-feira eu começo.
Não estamos terminando, é só um tempo.
É diet, mas uma delícia.
Vamos lá pra casa, não vai acontecer nada demais.
É o trânsito, mas em cinco minutos estou aí.
Ele está sendo cauteloso, é medo de estragar a amizade.
Eu queria muito, mas não tive tempo.
Achamos sua proposta genial, mas agora o foco é outro.
Só mais uma partidinha, já vou desligar.
Nosso relacionamento terminou há anos, desejo que os dois sejam muito felizes.
Está muito gostoso, é que eu estou de dieta.
Eu seria incapaz de fazer qualquer coisa que te magoasse.
Não precisava!
Só estou com dor de cabeça.
Você não precisa ir, é só porque minha tia avó te adora.
Vamos tomar a última e partimos.
Em dez minutos eu estou pronta.
Não vai doer nada.
Faz assim, deixa que eu ligo pra você.
Mulher direita não corre atrás.
Você está louca.

30.3.09

Por uma vida menos ordinária

Ele insistia em dizer que o mundo estava pior. Ela respondia com peste, fome, guerra, e o quê disso foi extinto, ele apontava. Não pode ser. A liberdade! Tem mais verdade hoje. Para ela a diminuição da repressão era muito importante, tudo agüentaria desde que pudesse falar (talvez por ter passado tantos anos muda). Avanços no Leblon não configuram um mundo melhor, meu amor. E para não afligi-la mais ele a abraçava e inventava outro assunto, até que num dia qualquer ela trouxesse uma nova razão para sua defesa. O amor acabou, os universos particulares melhoraram e pioraram diversas vezes até sem nenhuma interferência de um na vida do outro, só ela seguiu buscando provas para mostrar a ninguém.Um dia a Coca Cola achou que os tempos estavam difíceis, aí juntou o homem mais velho de todos com o bebê mais novinho. A Coca Cola só queria vender refrigerante, mas ela achou aquilo muito bonito. Alegrias pessoais não configuram bem estar generalizado, mas gente feliz melhora o mundo.
Essa também é uma história real.

"Hola Aitana, me llamó Josep Mascaró y tengo ciento dos años. Soy un suertudo. Suerte por haber nacido, como tú. Por poder abrazar a mi mujer, por haber conocido a mis amigos, por haberme despedido de ellos, por seguir aquí.
Te preguntarás cúal es la razón de venir a conocerte hoy. Es que muchos te dirán que a quién se le ocurre llegar en los tiempos que corren. Que hay crisis, que no se puede. Esto te hará fuerte. Yo viví momentos peores que este, pero al final de lo único que te vas a acordar es de las cosas buenas.
No te entretengas en tonterías que las hay y vete a buscar lo que te haga feliz, que el tiempo corre muy deprisa. He vivido ciento dos años y te aseguro que lo único que no te va a gustar de la vida es que te va a parecer demasiado... corta.
Estás aquí para ser feliz."

22.3.09

Vem kafka comigo (mais uma da série Lar, salgado lar)

Eu até queria ser veterinária quando crescesse. Lido bem com animais em suas diversas formas, mais ou menos humanizados, vacas, burros, cachorros e galinhas, mas invertebrados não são animais. Invertebrados fazem parte da cadeia alimentar, mas com tanto desenvolvimento estranho que ninguém tenha pensado em substituí-los por pílulas ou readequar o ecossistema de forma que nós, habitantes de selvas de pedra, não precisássemos conviver com eles, coisinhas do mato.

Pombos não são invertebrados, mas também não são necessários por aqui. Cada vez mais, inclusive, perdem a noção do perigo: atravessam a rua como se fossem pedestres, vão à praia como se cantassem “separa um lugar nessa areia, nós vamos chacoalhar essa aldeia”, dão vôos rasantes como se fossem terroristas. Como não existe filhote de pombo suponho que o ajuntamento de ratos de asas que escolheu a minha janela para viver caracterize uma quadrilha, já que família eles não podem ser. Todos os dias, bem cedinho, os desgracentos começavam a fazer barulhos que pareciam um tórrido ato de acasalamento ou que estavam todos engasgados. Veneno, saco plástico esvoaçante, praga, tudo em vão. Há quem coloque grade na casa para afugentar ladrões, eu fui obrigada a me cercar contra pombos.

Afugentados os piolhentos, passei a desfrutar da delícia do meu lar até elas chegarem. Vivia com uma vassoura atrás da porta e não era simpatia para afastar visitas chatas, mas uma arma. Entrava em casa era vassoura em uma mão, Baigon na outra. Foram seis baratas em quatro meses e não era o calor, a chuva que sempre fechou o verão sem inundar a cidade de artrópodes, sujeira, era uma invasão, tal qual os pombos elas ficaram abusadas, debochadas até. Uma apareceu morta às sete da manhã, barriga pra cima, patas pro ar. Alguém invadiu a casa na calada da noite e exterminou uma barata? Um ataque cardíaco fulminante a levou antes que a nojenta alcançasse meus aposentos? O que fazia uma barata defunta na porta do meu sagrado quarto? Quando aproximei o saco-rabecão para recolher o corpo eis que a cascuda deu um 180, voltou do mundo dos mortos e correu para o meu edredom! É muita audácia. Ou alguém acha que havia uma barata dormindo tal qual um cachorro na porta do meu quarto? Queria ser minha barata de estimação, pedia festinha na barriga? Não, queria zombar de mim. Guerra oficialmente declarada, 2696969 chegou como Ghostbusters, if there’s something strange in the neighboorhood tinha, é passado, elas podem resistir à radiação, mas não resistiriam à minha fúria.

Precisei me preparar para tudo, quem seriam os próximos sem terra invasores de propriedades? Morcegos? Ratos? Lagartixas dissimuladas usando a desculpa de que trazem dinheiro? Não caio nessa. Na minha casa só entra quem eu convido e todos devem ter um número mínimo de ossos e nenhuma pena. Até que um dia um objeto voador verde chegou e eu amarelei. Era uma esperança. Não poderia matar a esperança no meio da sala! Viveríamos ali, ela e eu, até que a bendita decidisse bater asas e voar janela afora, o que poderia ser muito dramático, mas eu estava preparada para não encarar o fato simbolicamente. Acontece que a idiota ficou louca, começou a se jogar contra as paredes, foi de encontro ao ventilador, na casa de mais quem poderia existir uma esperança suicida? (mais uma, meu Deus, é essa a razão da felicidade do meu terapeuta milionário.) Ela se estatelou no chão. Eu preferia mil tsunamis a recolher restos mortais de esperança, só porque uma moça riu no supermercado ao me ouvir pedir duzentos gramas de Solidão mudei a marca do queijo minas, não quero dar sinais ao mundo, vai que ele também interpreta que agora desejo carregar sentimento em sacos plásticos!

Desesperada, me aproximei do cadáver e a verdade apareceu: era um grilo! Acabei com um grilo que havia na minha vida! Depois descobri que o inseto era um louva deus, mas quem se importa? Pra mim era um grilo e simbolicamente cancelei a terapia da semana.

18.3.09

Na primeira vez a gente sempre esquece

Ele não vai ser sempre perfeito daquele jeito, nem vai te achar tão encantadora. Não vai para sempre perguntar como diabos você não tem um marido que te trata como uma rainha nem você vai pensar se é mesmo possível tudo aquilo estar disponível nos dias de hoje. Não passa pela sua cabeça que não vai durar muito ele estar impressionado porque a menina mais linda do planeta está sem nenhum macho cercando. Que precisa acordar cedo no dia seguinte. Que já deveria estar em casa há horas.

Esquece de filtrar todo aquele charme e racionalizar se existe algum futuro. Nem por um segundo cogita a possibilidade de por trás de tanto empenho existir um psicopata dependente e ciumento, que ele pode ser um grande mentiroso e destruir seu coração em poucos dias, que da última vez jurou nunca mais ser boba assim, que há pouco tempo estava acabando com o estoque de lenços secando o vale de lágrimas derramado por quem começou exatamente do mesmo jeito. Esquece que juraram que você ia adorar o amigo dele que ninguém lembra mais onde foi parar, que ele vai te roubar o prazer da solidão, que vai passar essa vontade ingênua de ficar e não pensar em nada.

Esquece completamente que precisa disfarçar a taquicardia, falar menos e parar de esbarrar nele. Que daqui a pouco ele não vai mais precisar inventar motivo para tocar em você. Nem nota que milhares de vezes ele vai pensar em te beijar e desistir com medo de ser precipitado, que existem pessoas ao redor reparando no seu sorriso bobo e que você não pára de mexer no cabelo. Esquece que os olhos dele nem sempre vão estar te seguindo, que a música está alta mas ninguém ao redor está falando assim tão perto do ouvido alheio, que nem sempre ele vai pagar mais uma bebida torcendo para aquilo dar um porre de coragem.

Esquece de guardar um pouco dessa versão adorável de si mesma para depois, esquece que ele não vai falar de você pros amigos com reticências e uma gargalhada sem graça todas as vezes, não vai se culpar por ter perdido tanto tempo com as outras tendo você tão perto. Que aquela aranhinha na parede vai considerar usá-los como suporte pra a teia se vocês demorarem mais algumas horas conversando ali. Que as suas amigas estão dormindo no carro esperando você chegar flutuando, que se você ficar mais feliz vai começar a pular e isso vai ser estranho.

Esquece que isso não acontece todo dia, nem por toda a vida.
Na próxima vez, tenta lembrar. E não se esquece de guardar para sempre.


Publicado em Seu Martin 1

10.3.09

Mais que uma Brastemp

Largue o Jornal do Vaticano e corra! Queima de estoque aqui no Tribuneiros, toda as máquinas de lavar em promoção! Porque na minha pós-anos-60 vida de mulher independente a pílula foi responsável por besteiras muito mais catastróficas do que a Brastemp. (o que é um vestido manchado comparado ao desgraçado que disse que eu era especial?)

28.2.09

Meu caro amigo

Eu acordei cantando às seis e meia, você não pode dizer que não vai voltar. Respondi às mensagens no celular, vesti a fantasia de pirata, sentei no posto para esperar o táxi que traria Popeye e Super Mouse.
- Bom dia, dona Bruna.
- Bom dia, porteiro.
Alguns vizinhos passeavam com os cachorros, os frentistas atendiam um carro ou outro, os entregadores levavam os pães fresquinhos. Em pouco tempo o sol estaria ainda mais quente do que as bisnaguinhas, e tudo bem.

Eu gosto de ficar perto da bateria, corro pra comprar cerveja, furo embaixo da garrafinha de água pra jogar no rosto, roubo um gelo do ambulante pra resfriar a nuca e volto pra perto do surdo. No dia em que estávamos de chapéus de mágico não precisei subir nos carros para encontrar os outros, temos que fazer mais roupas assim. Colocaram banheiros químicos agora, sabia? Funcionam! Um porco ou outro prefere os postes, fazer o quê?

Éramos tantos juntos que as ruas pareciam um salão. No próximo ano vamos fazer um baile com orquestra e todos de preto e branco? Vou esperar você voltar e planejamos. Hoje vou ver o desfile da Mangueira. Depois, não sei. Não sei se isso ainda dura muitos anos. Na última noite os garçons do Jobi seguravam as mãos de quem batucava nas mesas “ô, o Rio é melhor que Salvador”. Acho que estavam mais preocupados com a disseminação da notícia do que da arruaça pelo bar. Lembra que no Caneco também não podia batucar nas mesas? Hoje o Caneco é um prédio de arquitetura bastante duvidosa e eu ainda digo que vou à praia em frente a ele. Não sei se um dia acharemos tudo apertado, de novo essa música, gente suada.

Não cheguei a tempo de exaltar o Rei na Urca, você viu que ele saudou os foliões na janela? Tínhamos combinado de chorar nessa hora, mas paramos para um mergulho na praia e acabou que não chorei nem quando a Teresa Cristina cantou Chico no Último Gole, grávida de explodir. Esqueci. Não senti nenhuma dor por mais de uma música. Levamos cerca de meia hora para dar a volta final na pracinha e confesso que cada pessoa cantava um samba diferente! Eu nem queria pensar nele, mas cantei O Amanhã.

Acho que chorei agora porque me lembrei dele quando falei com você. Não quero lembrar mais do que viver e por isso me esforço para viver tudo como se sempre houvesse pela frente uma quarta-feira. Promete que se um dia estiver nevando em fevereiro, se não houver serpentina nas lojas, se não for normal abelha, joaninha, dálmata e coelho pegarem um ônibus para uma saideira nós nos trancamos no quarto, fantasiamos nossos filhos e ensinamos a eles que cachaça não é água não? Senão eles nunca vão saber porque somos assim.
Senão eles nunca vão saber.

22.2.09

Conto de colombina

“Era uma vez uma donzela que caminhava pela beira de um rio quando ouviu um "psiu". Era um sapo, que lhe contou que na verdade era um príncipe amaldiçoado, transformado em sapo por uma bruxa malvada com poderes mágicos. Se a donzela o beijasse, o sapo voltaria a ser príncipe. A donzela acreditou no sapo, beijou-o, ele se transformou de novo em príncipe e os dois se casaram e viveram felizes para sempre.”

Outras donzelas desde então tiveram a mesma experiência: psiu, sapo, bruxa com poderes mágicos, beijo, tudo igual, variando o desenrolar prévio. A segunda donzela concordou em beijar o sapo para livrá-lo da maldição, com uma condição:
- Beijo de língua, não.
Já neste século instalou-se o instante de hesitação para esclarecer um ponto:
- Precisa ser donzela?
Anos sessenta, moça feminista, pra bruxa com poderes mágicos ter feito o que fez com o príncipe ela só poderia concluir:
- Alguma você andou aprontando!
Solidarizou-se com a bruxa e chutou o sapo.
Crise no mercado, Lehman Brothers, Merrill Lynch, a moça ouviu a proposta do sapo, levou pro seu consultor financeiro, nada é mais valioso do que informação privilegiada como a que o sapo lhe passara.
- Esqueça o sapo e encontre essa bruxa!

Ontem no Céu na Terra. A donzela achou que o sapo estava mais pra cachorro, mas a fantasia dele era muito divertida:
- Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é Carnaval.
Ele embarcou para Salvador, ela seguiu pro Corre Atrás, feliz para sempre.

"Amanhã tudo volta ao normal, deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar..."

Versão de Bruna para Versões do Veríssimo, com todo o respeito

17.2.09

Me leva que eu vou

Aplausos ao cancioneiro, é Carnaval aqui no Tribuneiros!

12.2.09

Avalanche (ou bolha de sabão)

Eu sempre acho que não te beijei o suficiente. Porque toda vez é a última até que vem a próxima e vai dar tão errado porque parece tão errado mesmo quando é tão certo que não tem razão continuar, e onde falta razão sobra um beijo, um toque, um cheiro e um desejo que não passa e se ao menos você fizesse o que o mundo me alerta que você vai fazer ajudaria, mas você segue sendo isso que você é e tira meu fôlego e desperta meus sentidos e traz de volta poesia pra minha vida. Aí quando vejo você está aqui e eu te beijo achando que não beijei o suficiente e checo seus lábios, seus braços, seu peito e desrespeito o acordo que fiz com o não e abro a porta e você vai. E deixa esse cheiro. E esse sorriso. E esse "eu acho que vai ser a última vez" e hoje vai. Então arrumo a casa, ajeito a cama, desfaço a bagunça do coração e pela última vez relembro o abraço com força que eu te dei sem querer ver que na verdade... você nunca esteve aqui.

5.2.09

O tal do ataque de nervos

Eu não queria ter te matado, mas a verdade é que você me obrigou. Provocou. Testou meus limites. Desde a época em que você sorria de lado, os olhos semicerrados e um falar bem devagar naquele ritmo hipnotizante que me embriagava só pra estalar os dedos no meio do meu transe e pegar outra na minha cara eu previa isso. Quantas doses virei e bocas beijei em vão! Enquanto eu me achava a mulher mais malandra desse mundo por seduzir um figurante qualquer você usava minha vingança pífia como desculpa para seguir com o seu show.

O copo lindo de cristal espatifado na parede poderia ter ido parar na sua cara de pau por conta da pergunta cretina que sempre ironizava o meu ciúme – “isso é TPM?”. Eu não esqueço, meu anjo, a parte do casal incapaz de lembrar fatos e datas importantes sempre foi você.

Poderia ter sido pior, arrancar a sua cabeça separaria para sempre seus deliciosos lábios do seu confortável tronco onde por tantas noites eu dormi. Isso sim seria injusto, eu sempre soube que um era o perfeito complemento do outro e essa dupla só teria sido usada para o bem se não fosse a influência maligna de outras partes do seu ser. Eu compreendo.

Você teve sorte, coração, uma sobrevida longa e bem aproveitada desde a primeira vez em que me fez de boba. Um cara aí do trabalho não ligaria tantas vezes a menos que a empresa estivesse em chamas, e incêndios que requerem a presença de homens como você no meio da noite normalmente só acontecem na cama de vagabundas.

Por que negar, amor? Eu já tinha perdoado sua indiferença às minhas perguntas, os quarenta e três minutos ignorando meu discurso, aqueles homens correndo atrás da bola desviando seu olhar de mim, já estava tudo sob controle! Era só pedir desculpas e dizer que me amava, mas “paranóica” é uma acusação grave. Falta para cartão! Nessa linguagem você entende, baby? Convenhamos: antes ser descompensada do que cega, não é? Pensa bem, se eu fosse desprovida de visão teria sido a única mulher no Rio de Janeiro a perder o espetáculo que era você sem camisa jogando pelada com os amigos na praia, olha como o seu exibicionismo teria sido desperdiçado!

Até você parar de negar eu já tinha pensado várias vezes se conseguiria te atirar pela janela, mas a partir da sua confissão estávamos indo bem. Por que soltar aquela frase, meu amor? Estaria você possuído por alguma entidade? Quem em sã consciência pronuncia as palavras “é por você ser assim que eu acabei me apaixonando por ela”? Seria uma tentativa velada de suicídio? Você realmente fez isso comigo?

Minhas mãos milagrosas que você tanto gostava, as unhas vermelhas que antes te acariciavam apertaram a sua goela e agora, querido, você nunca mais vai me enlouquecer. Eu avisei que um dia essa fase ia passar.

28.1.09

Mentiras sinceras

Se eu não lembro, não fiz.
Se eu não vi, desconfio.
Se eu não gostei, invento.
Se eu escrevi, lê? Está aqui no Tribuneiros.

23.1.09

Where did you come from

Na primeira vez a casa estava aberta pra quem quisesse entrar e isso ainda não era licença poética, só quase uma bifurcação no meu caminho. Na piscina tinha um João-bobo, no isopor cerveja, na sauna acerto de contas. Lá embaixo tinha uma praia pequenininha e bonita de querer largar o escritório. Era tanta gente que parecia ocupar toda a areia. Como eles vão saber quem eu sou? Não tinha crachá. Para voltar era uma escada enorme e alguém avisou: aqui tem que ter fôlego. Em pouco tempo apareceram instrumentos musicais e as pessoas passaram a brincar na piscina e dançar na mesa. Eu fiquei espantada – o que mais tem que ter aqui?

Tem que ter muita gente de todo lugar, gente nova e gente velha, gente com espírito de sacanear e coração aberto para agregar. Gente que se não tem tampinha bebe na garrafa, se não tem cajon liga o som, se não tem a presença apela pro telefone. Gente que voltou a zoar e gente que nunca parou, gente que pula, que grita, que beija e que briga, gente que sempre toma conta de tudo e gente que não sabe nem de si mesmo, gente tentando, gente lembrando, gente entendendo.

E gente pode ser complicado. Às vezes gente disfarça de ódio bom a alegria arrebatadora no coração, de indiferença a preocupação, de cansaço físico a exaustão do peito. We are the world em revelações comprometedoras, imagem, ação, mímica e dança. Pra essa gente tem que ter alguma chance de dar merda, e às vezes dá. Tem que ter abraço, amasso, compasso, música lenta e show de calouros, Dirty Dancing e Jackson Five, Cindy Lauper e Ronaldo Boscoli. Tem que ser criança pra se lembrar do Chico Bento, saber a letra de Manequim, imitar as Paquitas e pedir colo. Tem que ter energético baiano engarrafado ou no Ipod, gim, batida, cerveja, vinho rosé, vodka ou só Cotton-eyed Joe no som.

Tem que subir na mesa e se esquecer da vida. Tem que ter limão, misto quente e Gran Padano. A família que a gente tem ou a família que a gente faz, uma plantação de melancias, memórias de um sargento de milícias e pôr-do-sol no deck. Um helicóptero pra resgatar essa gente que não fala nada, que fala muito, gente pra quem a gente quer pedir que please don’t go. Gente que enfrenta zoação mas não encara aranha, pra quem a noite pode virar histórica só com um pouco de carvão e bom humor, gente que vem do seu fantástico mundo trazendo gargalhadas de souvenir. Gente que não precisa de crachá.

Tem que ter o brilho do luar em sintonia com o mar, gente que se fala no olhar e caminha no mesmo lugar. Gente com tanto querer que faz até a terra tremer sem pressa nem medo de errar. Tem que ter sol no meu amanhecer.

Eu nunca pensei que aquela bifurcação levasse ao dia em que eu só tivesse que ter vocês.

13.1.09

Aaaaabacaxi

A garotinha estava enfurecida, baldinho na mão, e gritava "Pedro Henrique" na beira do mar como se o amiguinho fosse seu cachorro. Pedro Henrique estava feliz da vida pegando jacaré.
– Não adianta, ele não quer brincar agora, filha. Faz seu castelinho sozinha, ele vai ver que é divertido e vem brincar com você.
Mas ela estava desolada.
- E se mesmo assim ele não quiser?
Crianças, tão dramáticas...
- Aí você arruma outro amiguinho.

No sábado seguinte Manu conheceu a Julia e foram felizes por muitas praias. Agora a mãe pensa em comprar uma prancha de surf pra menina.
Adultos, tão condicionados...

11.1.09

Quem sabe

Você não sabe que eu começo a ler o jornal pelos quadrinhos. Eu não sei se você come cebola. Não sei se você toma banho de manhã e você não sabe que eu abaixo o radio quando tem blitz. Que eu tomo mais leite que um bezerro recém-nascido, molho os punhos antes de mergulhar e que gosto da carne assada fria no pão quente. Não sei se o seu ar condicionado congela ou você prefere vento no rosto. Nunca pensei se você deixa a TV ligada enquanto está se arrumando. Você não sabe que é Paul, marguerita e meditação e não John, calabresa e missa. Que as chaves sempre somem na bolsa. Não sei se você deixa bilhetes pra empregada, não sei se você sempre repara, você nunca percebeu que eu tento não me importar. Você não sabe que eu canto I’ll let you stay with me if you surrender. Não sei se o molho é à parte, se pode ter rúcula na salada, se o bife é ao ponto. Nunca perguntei onde você estava quando o Senna morreu, você nunca reparou que eu não tomo chopp e que estaciono bem. Eu sei que você me tira do rumo, você sabe que eu respiro fundo.